
(A precarização do emprego científico)
Frederico Carvalho
Introdução
Há entre as pessoas que desenvolvem actividades de investigação científica e aspiram a assegurar a subsistência através desse seu trabalho, um número considerável que se encontra em situação de emprego precário, muitas vezes associado a termos contratuais desvantajosos, ou mal definidos ou ambas as coisas.
Embora se possa dizer que este não é um fenómeno exclusivo do sector da investigação, a verdade é que há quem considere que, neste caso, a precariedade da relação laboral não só encontra a sua justificação na especificidade do trabalho científico como seria mesmo condição sine qua non de uma produtividade adequada das equipas e das instituições.
Quem sustenta esta posição não põe naturalmente em causa a profissionalização final dos investigadores e docentes-investigadores (que, em inglês, se designa por tenure) mas defende longos períodos de pré-profissionalização e um modelo de percurso que pode facilmente levar a que se passem 15 ou mais anos entre a primeira graduação académica e a desejada estabilização numa carreira ou, se se quiser, o reconhecimento como investigador profissional.
Países de diferentes tradições de vida colectiva e de serviço público praticam neste domínio diferentes modelos, não de agora mas de há muito, pelo que poderá interessar nesta matéria deitar um olhar sobre o passado histórico. Entretanto, também neste campo do trabalho científico se vêm exercendo as pressões desregulamentadoras que conduzem ao trabalho sem direitos com as nefastas consequências que daí decorrem nos planos social e individual.
Neste trabalho procura-se desenvolver a compreensão do que representa a força de trabalho científica nas sociedades modernas bem como das condições em que os candidatos a investigador exercem a sua actividade.
No que respeita a este último aspecto, distingue-se entre as situações de bolseiro (grant holder) e as de contrato a termo certo (fixed term contract). E coloca-se a questão de saber em que condições deve ser adoptado o contrato sem termo (indefinite duration contract).
O principal argumento (que para muitos constitui uma falácia) dos que advogam a necessidade de longos períodos de “observação” dos candidatos à profissionalização, é o de que esses, em princípio jovens, aspirantes a cientista, estão afinal em formação e devem por conseguinte ser tratados como estudantes.
Começaremos por dar conta de dois exemplos ilustrativos desta posição para de seguida nos referirmos ao défice de recursos humanos da investigação no quadro europeu e à necessidade de rever a situação laboral dos candidatos a investigador tendo em conta a importância social da sua função e sem perder de vista a natureza específica da actividade que desenvolvem.
Os estudantes graduados como força de trabalho precária nas universidades americanas
I used to think graduate students were apprentices learning scholarship and not employees in the normal sense of the word. But over the last 20 years or so, we have turned graduate students into a very significant and very underpaid part of the academic workforce.
Clara Lovett, President, American Association for Higher Education[i]
Por decisão de 13 de Julho último, tomada por 3 votos contra 2, o National Labour Relations Board dos EUA considerou que os estudantes graduados da Universidade de Brown, contratados para exercer funções como assistentes de ensino e investigação, não são “empregados” (employees, no texto em inglês) no sentido da definição legal que consagra direitos e regalias sociais reconhecidos aos trabalhadores em geral, em particular, o direito à negociação colectiva.[ii] A decisão incidiu sobre o requerimento do sindicato United Auto Workers [iii] que pretendia representar legalmente cerca de 450 estudantes graduados da Universidade de Brown, naquelas circunstâncias, e vem revogar uma outra decisão sobre idêntico pedido respeitante a estudantes graduados da Universidade de Nova Iorque que mereceu, há 4 anos, decisão favorável.
A NLRB sustentou a decisão de considerar os estudantes graduados como non employees no argumento de que eles são “em primeiro lugar estudantes, e que a relação que mantêm com a sua universidade é antes de mais educativa e não de natureza económica”. Consideram ainda haver o perigo de que a imposição neste contexto da negociação colectiva perturbe o relacionamento académico da universidade com os estudantes.
Por seu lado, os membros que votaram vencidos, observam que “a negociação colectiva por parte de estudantes graduados é um facto que está cada vez mais presente na vida das universidades americanas”e que “a decisão está lamentavelmente desfasada da realidade académica contemporânea”. Em consequência da decisão “as universidades não só não são obrigadas a tratar com as associações sindicais de estudantes graduados como podem exercer represálias sobre aqueles que desenvolvam acções colectivas em defesa das suas condições de trabalho”.
Esta questão tem especial importância pelo facto de as universidades americanas recorrerem cada vez mais a estudantes graduados para o desempenho de funções docentes e de apoio à investigação.
A Secção do Ensino Superior da American Federation of Teachers (AFT) trouxe recentemente a público dados elucidativos sobre esta matéria. [iv]
De acordo com o estudo publicado, o número de estudantes graduados empregados nas escolas superiores no conjunto do sistema educativo americano ultrapassava os 250 000 em 2001-2002, número que representava cerca de 20% de todo o pessoal docente. Estes estudantes graduados cuja média de idades é próxima dos 33 anos, preparam graus académicos e são contratados a tempo parcial para dar assistência a aulas teóricas e de laboratório e a trabalhos de investigação. Estes estudantes passam vários anos da sua vida a trabalhar para obter um grau (tipicamente 7 anos no caso dos doutorandos). Um terço deles possui pessoas a cargo, normalmente filhos menores. São uma parte significativa da força de trabalho com funções docentes de nível superior, precária, mal paga e marginalizada no plano profissional.
De acordo com a AFT as condições oferecidas a estes estudantes graduados pelas entidades que os empregam deixam muito a desejar em vários aspectos. Quer no plano da remuneração que não é suficiente para cobrir despesas obrigatórias [v]; quer no que respeita a seguros de saúde, de vida e de incapacidade, a descontos para planos de reforma, ao apoio a descendentes menores. Esta situação reflecte-se naturalmente nos conflitos que se geram à volta do exercício dos direitos sindicais e de representação destes estudantes graduados e confere toda a importância às movimentações sindicais que têm obtido localmente resultados positivos.
As oportunidades de emprego estável para os que completam um grau tendem a diminuir ao mesmo tempo que cresce o recurso ao emprego precário de estudantes graduados chamados a assegurar a docência de parte significativa dos cursos pré-graduados (undergraduate)[vi]. A AFT fala de uma crise do emprego académico (academic staffing crisis) e nota que se impõe uma reforma sistémica com o regresso ao modelo sobre o qual foi construído e ganhou fama o sistema de ensino superior do país, a saber, um modelo assente num corpo docente de carreira (tenured), em regime de tempo integral, protegido pelas liberdades académicas e com voz nas tomadas de decisão no seio das instituições.
O impacte da Directiva 1999/70/EC do Conselho Europeu no vínculo contratual dos post-docs
The parties to this agreement recognise that contracts of an indefinite duration are, and will continue to be, the general form of employment relationship between employers and workers.
They also recognise that fixed-term employment contracts respond, in certain circumstances, to the needs of both employers and workers.
in ETUC-UNICE-CEEP framework agreement on fixed-term work, ANNEX to the EUROPEAN COUNCIL DIRECTIVE 1999/70/EC of 28 June 1999 concerning the framework agreement on fixed-term work concluded by ETUC, UNICE and CEEP[vii]
A directiva 1999/70/EC do Conselho Europeu sobre contratos a termo, de Junho de 1998, foi transposta para o direito interno do Reino Unido e entrou em vigor em Outubro de 2002. O objectivo afirmado da directiva que é de âmbito geral e não dirigida em especial ao sector da investigação, é o de disciplinar o recurso à contratação a prazo estabelecendo limites à duração dos contratos e à sua renovação sucessiva. De acordo com uma notícia recentemente publicada na revista Nature [viii], existe no seio dos Conselhos de Investigação britânicos (os research councils) o entendimento de que a nova regulamentação vem tornar obrigatória a celebração de contratos sem temo com os chamados post– docs, no prazo máximo de quatro anos. De acordo com a mesma notícia, as situações de contrato a prazo que se mantenham ao fim de três anos carecem de ser justificadas por escrito. As primeiras situações deste tipo poderão ocorrer a partir de Outubro de 2005.
Refere a revista Nature que há preocupação nos meios científicos ingleses, entre chefes de equipa e de laboratório, pelo impacte negativo da aplicação desta regulamentação ao sector da investigação científica. Esta preocupação, explica a Nature, prende-se com o facto de, normalmente, os contratos (a prazo, entenda-se) se prolongarem no tempo enquanto existir financiamento e o responsável científico estiver satisfeito com a prestação do contratado. A revista faz notar que o sistema tem sido criticado por “encurralar” (trapping) os jovens post–docs em sucessivos contratos de curto prazo, sem segurança de emprego e com fracas perspectivas de alcançar um lugar permanente. Outros defendem que o sucesso de um grupo de investigação “depende da chegada dos jovens que trazem novas ideias e novas direcções de trabalho”. Por oposição a este modelo aponta-se o caso francês que os mesmos defensores da precariedade do emprego científico vêem como um sistema rígido, baseado, no fundamental, no trabalho de investigadores permanentes.
Na opinião das chefias que criticam as novas regras, elas não levariam ao aumento do número de situações permanentes, antes obrigariam ao despedimento prematuro de colaboradores. Já que não é realista esperar que em três ou mesmo quatro anos o jovem investigador possa demonstrar através da publicação de resultados que possui a qualidade necessária[ix].
A força de trabalho no sector da I&D
O corpo de investigadores [x] na União Europeia a 15 aproxima-se do milhão e meio de pessoas[xi]. Reconhece-se que este número deve ser substancialmente aumentado para concretizar o ambicioso plano de elevar o nível médio do investimento comunitário em investigação do valor actual de cerca de 1,9% para 3% do PIB, até 2010.[xii].
No entender da Comissão Europeia, o aumento do investimento na investigação irá fazer crescer a procura de investigadores, e afirma que “para além da substituição prevista desta força de trabalho à medida que vai envelhecendo, estima-se que sejam necessários cerca de 1,2 milhões de pessoas adicionais no sector da investigação, incluindo 700 000 novos investigadores, para atingir o objectivo previsto” [xiii] Sublinhe-se a expressão “força de trabalho”.
Podendo embora discutir-se os objectivos e orientações estratégicas que devem determinar esta evolução, parece que haverá consenso sobre a necessidade de empregar um número de pessoas consideravelmente superior àquele que actualmente absorve o sector de actividade da I&DE.
No entender da Comissão, há que “transformar a Europa na economia baseada no conhecimento, mais competitiva e dinâmica do mundo, condição de um crescimento económico mais forte e sustentado”.
E faz notar que, “em comparação com os seus principais concorrentes, o investimento europeu em novo conhecimento é ainda insuficiente. (…) A Europa precisa de mais investigação se quer consolidar a retoma da economia e promover a competitividade a longo prazo”[xiv]. No enunciado dos pontos fracos que importa colmatar refere “as insuficiências e a rigidez das carreiras de investigação, que fazem com que excelentes recursos humanos abandonem a investigação ou saiam da Europa”[xv].
Muitas pessoas não partilham as opções de fundo subjacentes às posições reflectidas nos documentos da Comissão Europeia e consideram que se trata de prosseguir e desenvolver um modelo de crescimento que comporta sérios riscos para o futuro da Humanidade. Essas pessoas pensam que as extraordinárias aquisições do trabalho e do pensamento humanos, materializadas em novo conhecimento científico e nas realizações técnicas que dele decorrem, possuem um enorme potencial emancipador que deve ser colocado ao serviço da erradicação dos grandes flagelos sociais, a fome, a doença, as guerras, a destruição dos ecossistemas. E pensam que este objectivo não é compatível com a natureza das relações de produção dominantes.
Entretanto, parece indubitável que também estes não contestarão a necessidade de engrossar as fileiras dos profissionais que trabalham em I&DE. E dirão mais que é também necessário reforçar a base de investigação pública, isto é, as estruturas especializadas do sistema público de investigação, designadamente, os organismos e laboratórios de investigação do Estado. E dirão também que é necessário e que é indispensável, elevar significativamente a cultura científica dos cidadãos, começando pelos jovens em idade escolar, que tendem hoje a fugir à escolarização científica mais elementar com a complacência das autoridades educativas, elas próprias tal como a maioria dos responsáveis políticos, vítimas do analfabetismo científico enraizado na sociedade.
Neste Simpósio foram de algum modo já afloradas questões que terão de ser enfrentadas seriamente e satisfatoriamente resolvidas num prazo talvez de uma geração. Questões como a produção de alimentos, a disponibilidade de água potável e de medicamentos essenciais, a conservação da biodiversidade e outras que não foram aqui abordadas, como a questão da energia e as alterações climáticas, pensará alguém minimamente informado que poderão ser atacadas sem a intervenção de poderosos meios técnico-científicos devidamente organizados em estruturas operacionais em que a componente de I&D deve prevalecer como elemento vitalizador por excelência?
A vínculação laboral dos investigadores científicos
A situação laboral dos investigadores considerada num plano nacional, apresenta aspectos específicos próprios do país em questão e apresenta, dentro de cada país, variações conforme a entidade patronal e a natureza da actividade desenvolvida. Poder-se-ão todavia encontrar traços e tendências comuns mesmo entre sistemas nacionais de tradição marcadamente distinta como se encontram na “velha Europa” e nos EUA. Na Europa a 15 a distribuição deste corpo de investigadores pelos três sectores normalmente considerados, é a seguinte: 14%, trabalham no sector Estado (Government sector, na terminologia em língua inglesa); 35% no sector do ensino superior; 50 % no sector privado (Business enterprise). Esta repartição por sectores varia consideravelmente de país para país reflectindo o nível de desenvolvimento das forças produtivas e a pujança das respectivas infraestruturas científicas e tecnológicas[xvi].
O caminho para a profissionalização dos jovens candidatos a investigador passa hoje, pode dizer-se, sem excepção, por uma graduação (licenciatura) seguida de uma pós-graduação (doutoramento). A licenciatura e o doutoramento são graus académicos conferidos por universidades, e, em consequência, o percurso pré-profissionalização do aspirante a investigador é feito normalmente no seio de uma instituição de ensino superior e em qualquer caso é sempre tutelado por ela. O trabalho dos estudantes graduados que preparam uma tese de doutoramento representa hoje uma contribuição muito significativa e por vezes decisiva para os resultados dos grupos de investigação e dos centros em que estão inseridos, inclusivamente com reflexos, ainda que indirectos, no plano financeiro, isto é, no financiamento dos centros[xvii]. Esta realidade pesa particularmente naqueles países em que a maior parte da força de trabalho da investigação (50, 60, ou até 70 %) está localizada no sector do ensino superior[xviii]. Por outro lado, os estudantes graduados, paralelamente à sua actividade principal de investigação, de que decorre a sua condição de estudante graduado, prestam muitas vezes serviços às instituições em que trabalham, sem obter uma compensação adequada. O facto de estas pessoas serem candidatos a investigador e se encontrarem efectivamente num trajecto de profissionalização é usado como pretexto para lhes negar um conjunto de garantias no plano laboral e de benefícios sociais que a legislação do trabalho contempla. Isto acontece independentemente da natureza da remuneração que auferem e que é frequentemente uma bolsa de estudo mas pode ser também um contrato com uma entidade patronal, ambas as situações configurando uma relação de emprego precária.
Naturalmente, as questões de fundo que se levantam aqui são, por um lado, a de saber em que situações se justifica o vínculo precário e quais as condições contratuais que lhe devem estar associadas, e, por outro, a de saber quando deve o vínculo ser permanente e não precário.
É evidente que estas questões têm já há muito tempo respostas estruturadas e em boa parte consagradas em lei se se entenderem como respeitando aos trabalhadores em geral, embora a lei nem sempre seja respeitada. Aqui, estamos a colocá-las em relação à força de trabalho que são os investigadores científicos, e as respostas que se procuram devem ter em conta as características especiais da sua actividade[xix]. Creio que se trata de questões que, para além dos próprios, interessam às associações profissionais e sindicais que representam investigadores e, em boa verdade, devem interessar a toda a sociedade, na medida em que esta tome consciência da importância estratégica da existência de um aparelho científico e técnico à altura dos grandes desafios que temos pela frente.
Embora com motivações que decorrem dos seus próprios objectivos estratégicos, parece reconhecer-se, hoje em dia, nos círculos dirigentes dos países desenvolvidos, que o desenvolvimento da força de trabalho da investigação constitui uma necessidade social. As posições da Comissão Europeia, a este respeito, reflectiriam esse reconhecimento. Seria assim de esperar que se revissem posições que, ao contrário de atrair os jovens para a profissão, tendem objectivamente a diminuir a capacidade de atracção do trabalho de I&D. Isto é tanto mais grave quanto se reconhece que “mesmo mantendo os níveis actuais de actividade de I&D, será difícil o recrutamento de novos investigadores para substituir aqueles que se reformam, em alguns países onde a força de trabalho científica e técnica é relativamente idosa, em especial se se tiver em conta a preocupante quebra da capacidade de atracção entre os estudantes, de algumas áreas curriculares das ciências naturais, e da engenharia e tecnologia”[xx]. Entendemos que é responsabilidade do Estado oferecer aos jovens candidatos a investigador condições favoráveis de formação e profissionalização, com destaque para garantias adequadas de estabilidade de emprego e remuneração justa.
A sociedade deve colocar ao investigador uma exigência de qualidade, que há de ser correctamente aferida, mas não a do sacrifício de uma vida pessoal e familiar normal que seria o preço a pagar pela suposta oportunidade de realização intelectual ou a satisfação de um gosto pessoal.
Embora os contratos sem limitação temporal devam constituir a forma normal da relação de emprego, admite-se que em determinadas situações o contrato a termo certo se justifique.
Assim será, nomeadamente, na fase de pré profissionalização, caracterizada por uma forte componente de formação e em que a avaliação das capacidades do candidato é determinante para a decisão final[xxi]. Nesta fase, como se sabe, é corrente o recurso a bolsas que são uma forma de vinculação precária do candidato a investigador a uma instituição. A bolsa dispensa o empregador de um certo número de obrigações sociais que constituem direito estabelecido da generalidade dos trabalhadores.
Advogamos que as bolsas sejam substituídas por contratos a termo certo regulamentados nos termos da lei geral. As remunerações devem ser ajustadas aos valores de mercado correspondentes a níveis equivalentes de habilitação e experiência.
Mais flagrantemente injustificável é a situação daqueles a quem se pode chamar falsos – bolseiros, que mesmo quando envolvidos em programas de formação são chamados a desempenhar funções indispensáveis à prossecução dos objectivos da entidade empregadora de forma que em muitas situações deles depende o funcionamento dos serviços.
Outra questão que importa analisar é a de saber quando é atingida a profissionalização. Parece-nos que para o investigador, já não o candidato a investigador mas o investigador confirmado, a regra deve ser o contrato sem limite temporal, sujeito às disposições da legislação geral do trabalho.
Coloca-se aqui a questão dos chamados post – docs e a situação que muitas vezes ocorre, de sujeição destes investigadores a uma longa sucessão de contratos a termo certo com prejuízo da sua vida pessoal e familiar.[xxii]
Entre investigadores seniores, incluindo dirigentes de organismos e equipas de investigação, está bem representada, embora com peso variável de região para região ou de país para país, uma corrente de opinião que defende que o investigador só deve ver reconhecido o direito a um lugar permanente alguns anos depois do doutoramento, após uma primeira experiência de trabalho científico pós – doutoramento bem sucedida. Esta posição assenta no entendimento de que a preparação com êxito de um doutoramento não é por si só garantia de que o candidato possua as qualidades necessárias para poder vir a afirmar-se entre os seus pares por um desempenho adequado durante um longo período de tempo.[xxiii]
A avaliação do “desempenho adequado” é em si mesma problemática parecendo que os padrões de referência a adoptar não devem ignorar a realidade social da comunidade em que se insere o investigador.[xxiv] A posse de um lugar permanente não diz respeito apenas à pessoa interessada; tem reflexos no funcionamento do organismo ou instituição em que ela se insere e, em última análise, em todo o edifício do sistema científico e técnico nacional. Entretanto, importa dizer que um bom sistema, em teoria, pode falhar completamente se não houver condições sociais para que o processo de avaliação funcione correctamente. Esta é uma das questões mais difíceis de resolver[xxv].
Conclusão
A investigação científica exige daqueles que a praticam que tenham desenvolvido ou adquirido em grau suficiente um conjunto de qualidades e capacidades indispensáveis para que os resultados do trabalho sejam compensadores no plano social. Deve assim ser dada especial importância aos aspectos de formação profissional e de avaliação de desempenho no contexto da carreira do investigador.
Entretanto, importa que aos candidatos a investigador na fase de pré-profissionalização e com maioria de razão aos investigadores confirmados, sejam garantidos os mesmos direitos laborais garantidos a qualquer trabalhador nos termos definidos na legislação geral do trabalho, sem restrições fundamentadas em argumentos falaciosos, como os que frequentemente são invocados em relação aos chamados bolseiros.
Esta é não só uma exigência de justiça social como uma necessidade decorrente da situação de clara escassez de recursos humanos para a investigação, na Europa e no mundo. Naturalmente, as soluções a aplicar deverão ter em conta a situação concreta do país ou região a que se destinam, designadamente o seu o nível de desenvolvimento, em particular o nível de desenvolvimento das estruturas de ciência e tecnologia, bem como os objectivos que se pretende atingir.
A comunidade científica e antes de mais os dirigentes que dela emergem e por vezes ascendem a lugares de decisão política, devem ser os primeiros a entender a necessidade de encontrar as soluções mais adequadas para os problemas que neste âmbito se colocam e a trabalhar para as por em prática.
Considerados os vários aspectos do problema parece razoável admitir a conveniência de um período probatório pós–doutoramento a que se seguiria a profissionalização definitiva (tenure) e mesmo de um segundo período probatório considerado como de acesso à profissionalização definitiva (tenure track).
O essencial seria a limitação regulamentar do número e duração dos contratos sucessivos, correspondendo a diferentes fases do percurso profissional; a possibilidade real mas não automática da transição; remuneração compatível e direito a todas as regalias sociais nas condições da legislação geral do trabalho.
[i] Citada na ref. iv
[ii] NLRB Press Release R-2533, July 15, 2004 202/273-1991, www.nlrb.gov . Ver também “The Scientist” www.the-scientist.com, Daily News, July 26, 2004
[iii] A United Auto Workers, representa dezenas de milhares dos chamados academic student employees (ASEs), de várias universidades, entre as quais, a Universidade de Nova Iorque, a Universidade da California, e a Universidade de Massachusetts
[iv] “Recognition and Respect. Standards of good practice in the employment of graduate employees”, AFT Higher Education, A Division of the American Federation of Teachers, June 2004
[v] No caso dos doutorandos, segundo a AFT, a taxa média de cobertura não vai além de 64% (id. p.7)
[vi] Esta situação é relativamente mais marcada nas chamadas “research universities”
[vii] Union of Industrial and Employers’ Confederations of Europe (UNICE), the European Centre of Enterprises with Public Participation (CEEP) and the European Trade Union Confederation (ETUC)
[viii] Nature 431, 6 (02 September 2004)
[ix] Um responsável de laboratório, citado pela Nature argumenta assim: “We have to tell potential postdocs that we can’t guarantee more than 3–4 years. What if it takes 4½ years to get that crucial paper?”
[x] Researchers (research scientists and engineers, RSEs) include the occupational groups ISCO-2 (Professional Occupations) and ISCO-1237 (Research and Development Department Managers). See the “Frascati Manual” (OECD 1993).
[xi] Cerca de 27% são mulheres. A contagem dos efectivos totais em “equivalente a tempo integral (ETI)” conduz a um valor próximo de 1,1 milhões correspondendo a uma taxa média de ocupação de cerca de 70%. Este valor corresponde a cerca de 5,7 em permilagem da população activa.
[xii] Meta do Conselho Europeu de Barcelona de Março de 2002.
[xiii] Cf. “Investir na investigação: um plano de acção para a Europa”, Comunicação da Comissão, Bruxelas, 4.6.2003, COM(2003) 226 final/2
[xiv] “Towards a European Research Area – Science, Technology and Innovation – Key Figures 2003-2004”, Preface, European Commision, Directorate-General for Research, EUR 20735 EN (2003)
[xv] COM(2003) 226 final/2
[xvi] Embora dependa também dos modelos organizativos adoptados
[xvii] Isto é ainda mais verdade no caso dos jovens investigadores já doutorados (post-docs) com bolsas ou outras formas de contrato precário
[xviii] Casos da Grécia, Portugal, Espanha, Polónia, Eslováquia, Turquia, na região europeia.
[xix] Há aliás outros grupos profissionais que são ou devem ser objecto de tratamento especial, como por exemplo os bailarinos.
[xx] “More Research for Europe: Towards 3% of GDP”, Communication from the Commission, COM(2002) 499 final, Brussels, 11.9.2002
[xxi] Esta foi a filosofia adoptada na estruturação da Carreira de Investigação Científica instituída em Portugal a nível nacional em 1980. Neste aspecto a revisão de 1999 constituiu um retrocesso.
[xxii] Convém notar aqui que os inconvenientes desta prática não têm a mesma acuidade em sociedades desenvolvidas onde as oportunidades de emprego científico são mais numerosas e noutras onde elas escasseiam. Por outro lado, há que ter em conta as reais vantagens da chamada “mobilidade” dos investigadores, procurando formas de conciliar mobilidade e segurança de emprego.
[xxiii] Cf. Consensus Conference on the theory and practice of research assessment, Anacapri, 7-9 October 1996, in European Science Policy Briefing, 3, June 1998, ESF, p.22. O consenso a que se chegou está expresso na seguinte frase: “Working group C1 agreed to define the start of a researcher’s career as the first postdoctoral appointment and focused on this stage of development rather than entry into doctoral training as it was felt that it was at this point at which a career could really be said to begin. Indeed, it was felt that the first postdoctoral job opportunity in research really proves the research ability of potential researchers. This was given as one reason why the post should not be permanent.”
[xxiv] Pense-se por exemplo nos EUA, em Portugal e no Senegal, para reconhecer que a análise a as conclusões devem ser diferenciadas
[xxv] É frequente encontrarem-se na imprensa especializada (eg Nature) referências que condenam os mecanismos de promoção para lugares de topo nas carreiras académicas pelos resultados práticos da sua aplicação, embora assente em análises curriculares elaboradas levadas a cabo por júris. Ver a respeito da situação na Universidade portuguesa, neste particular, a crítica demolidora do Prof. Michael Athans, em “Portuguese Research Universities: Why not the best?” (June 18, 2001) http://matagalatlante.org/nobre/down/MITvsIST.pdf