Homenagem a Ernest Rutherford — “pai da Física Nuclear” — no centenário da descoberta do modelo atómico que o celebrizou
Em Março de 1911, Ernest Rutherford, um dos maiores vultos da Física de todos os tempos, profere na Sociedade Literária e Filosófica de Manchester, em cuja universidade detinha a cadeira de Física, uma palestra cujo conteúdo veio afirmar-se um marco principal na caminhada do Homem para o conhecimento da natureza. Tratou-se da demonstração pela experiência de um aspecto fulcral da arquitectura interna do átomo: a existência de um núcleo de dimensões quase pontuais (10 mil a 100 mil vezes inferior às do próprio átomo), núcleo onde se concentra toda a carga eléctrica positiva que o átomo contém. As conclusões de Rutherford vieram contrariar o modelo atómico defendido por J.J. Thomson, que na altura dirigia o Cavendish Laboratory em Cambridge. O modelo de Thomson assentava numa distribuição uniforme da matéria atómica no volume do átomo o que as descobertas de Rutherford vieram a por em causa.
O modelo atómico de Rutherford decorreu dos resultados experimentais da dispersão (“scattering”) de partículas alfa, por ele reconhecidas como núcleos do átomo de hélio.
A designação de “partículas alfa” ou “radiação alfa” foi introduzida por Rutherford, tal como a de “radiação beta”, esta constituída por electrões, uma e outra emitidas nos processos de transformação espontânea de átomos instáveis — a radioactividade, fenómeno descoberto por Henri Becquerel em 1896. Também a radiação gama emitida pelos núcleos radioactivos foi identificada e baptizada por Ernest Rutherford. Outra das contribuições mais notáveis de Rutherford para a Física Nuclear foi a prova experimental de que o núcleo atómico de uma espécie química pode ser transformado no núcleo de outra espécie química através do bombardeamento com partículas alfa. Foi sob a sua orientação que pela primeira vez se obteve a cisão de um núcleo atómico (lítio) utilizando partículas aceleradas (protões). Dois estudantes de então, John Cockroft e Ernest Walton foram os autores da proeza. Rutherford previu, ainda, a existência do neutrão que viria a ser descoberto por James Chadwick em 1934.
Prova de que a Ciência é uma construção colectiva, importa dizer que, como aconteceu com outros cientistas famosos, a herança intelectual de Ernest Rutherford, filho de um camponês e artesão que emigrou para a Nova Zelândia em fins da década de 60 do século XIX, para aí “cultivar o linho e criar muitos filhos”, não é devida apenas ao seu próprio esforço e génio experimental, mas deve-se também ao sucesso dos estudantes que orientou e dos discípulos que formou, entre os quais os já referidos Chadwick, Cockroft e Walton, mas também Hans Geiger e Ernest Marsden que levaram a bom termo a trabalhosa experimentação que permitiu caracterizar o fenómeno da dispersão de partículas alfa num alvo material, no caso, uma fina folha de ouro para a qual eram dirigidas as partículas emitidas por um material radioactivo.
Ernest Rutherford foi agraciado com um título nobiliárquico — Lord Baron Rutherford of Nelson — circunstância que de algum modo contribuiu para a sua morte prematura, com apenas 66 anos. Rutherford sucumbiu a uma hérnia umbilical operada fora de tempo porque na altura as rígidas regras do protocolo britânico exigiam que um par do reino só pudesse ser operado por outro par do reino. Um médico-cirurgião com tal distinção não foi prontamente encontrado e chegou tarde de mais.
Ernest Rutherford recebeu o Prémio Nobel da Química em 1908 “pelos seus trabalhos de investigação sobre a desintegração dos elementos e a química de substâncias radioactivas”. Está sepultado na Abadia de Westminster, junto a Isaac Newton.