
Estação Nacional de Fruticultura
Vieira Natividade
É mesmo para destruir?
Reproduz-se abaixo o texto da entrevista concedida pelo Eng.º A.S. Curvelo Garcia*
ao jornal de informação técnico-agrícola CRISOPA, de Alcobaça, com data de 15 de Março de 2013.
Agradece-se ao entrevistado e ao director do jornal a autorização para a reprodução.
As imagens incluídas foram introduzidas pela OTC.
Nos últimos anos o nome da ENFVN sofreu diversas modificações. Justificam-se e traduzem-se numa melhor ENFVN?
Durante os últimos anos, as pretensas reestruturações e revitalizações da investigação agrária, no âmbito do Ministério da Agricultura, têm constituído um total fracasso, de onde ressalta efectivamente a mudança de designações. Veja-se o próprio INIA (Instituto Nacional de Investigação Agrária): nos últimos dez anos, teve quatro designações, resultante de junções com outros laboratórios de Estado e de sequentes cisões.
Até 2007, as subunidades (as Estações) não sofreram quaisquer alterações nas suas designações. A partir desse mesmo ano, com o Dr. Jaime Silva como Ministro da Agricultura vimos assistindo a um autêntico “terramoto” na estrutura da instituição, com a destruição de toda uma organização que, com defeitos e virtudes, funcionava desde meados da década de 70 do século anterior. Em 2007, verificou-se o maior ataque à estrutura do Laboratório de Estado INIA! A organização das subunidades (Estações) foi completamente desmantelada, sem quaisquer sucedâneos minimamente credíveis.
Mudanças de nomes de instituições de investigação, com visibilidade nacional e internacional, são criadoras de enormes confusões. O nome de um centro de investigação é uma marca, e mudar o nome de uma marca é um profundo erro, que bem ilustra a incompetência e a ignorância de quem o faz.
No caso da ENFVN, retirar o nome de um dos mais ilustres investigadores portugueses (Prof. Vieira Natividade) constitui uma aberração ainda maior, bem reveladora da falta de cultura dos seus autores. Imagine-se como reagiria a comunidade científica se o mesmo acontecesse a instituições como o Laboratório Veríssimo de Almeida, o Instituto Nacional de Saúde Dr. Ricardo Jorge, o Instituto Abel Salazar…
Todas as alterações ocorridas nessas reestruturações nada vieram contribuir para uma maior eficácia dessas instituições.
O património do parque laboratorial e tecnológico e a actualização dos campos de ensaio têm decrescido, as competências instaladas têm fortemente diminuído, os outputs têm diminuído, a intervenção da instituição junto dos parceiros económicos tem decrescido… Digo-o com total conhecimento de causa que poderei evidentemente desenvolver.
• Que interesses justificam tais alterações?
Realisticamente, nenhuns interesses justificaram ou justificam essas alterações.
Penso que a estrutura do próprio Ministério da Agricultura não entende nem nunca entendeu para que serve a Investigação Agrária no seio do próprio Ministério. Assim, cada vez que entra em funções um novo Ministério, o titular da pasta é “convencido” de que tem de reestruturar a instituição de investigação que tutela, socorre-se para o efeito de um ou outro assessor, mais ou menos político e sem qualquer cultura minimamente baseada em experiência e conhecimento, socorre-se ainda de algum amigo professor universitário que poderá ter umas ideias sobre estas questões e… sai reestruturação!
A base dessas reestruturações são pois filhas da incompetência e da incultura… Os resultados estão à vista de todos.
• Em simultâneo observamos ao seu desmembramento. Resta unicamente o equipamento laboratorial que se vai degradando. Um único técnico. Os campos… Quem é responsável por tal situação?
Mesmo o equipamento laboratorial está completamente obsoleto.
Os responsáveis por esta situação são evidentemente as tutelas ministeriais e as direcções das instituições a que me referi atrás, designadamente desde 2002 e sobretudo desde 2007. Nos anos anteriores à fusão do INIA com o IPIMAR, originando o INIAP, assistiu-se a algumas medidas, embora tímidas, para relançar a ENFVN: era então Presidente do INIA o Engenheiro Carlos Amaral e Secretário de Estado da tutela o Engenheiro Vítor Barros. Todo esse esforço abrandou com a criação do INIAP. Depois, em 2007, com o Ministro Jaime Silva começou a destruição de toda a instituição, e portanto da ENFVN. Presenciei de perto essa destruição, pois era também Director da Estação Vitivinícola Nacional (EVN) e verifiquei como essa onda de destruição atingiu toda a instituição.
• Quem e como decide? Os agricultores são ouvidos? Onde estão os investigadores?
Parece-me evidente que as decisões são exclusivamente de ordem política. Hoje, à distância, entende-se que o principal objectivo dessas tão maléficas “reestruturações institucionais” foi simplesmente o de destruir o que ainda havia de investigação agrária do Estado no nosso país! Se não houve esse objectivo, e os resultados parecem demonstrar que houve, então, nesse caso, poderemos concluir que houve apenas uma estrondosa incompetência em compatibilizar missões institucionais com estruturas organizacionais que lhe dariam suporte, criando uma orgânica completamente ineficiente e até ridiculamente incapaz de cumprir minimamente as suas funções!
Os agricultores e as suas organizações poderiam e deveriam ser ouvidos nos órgãos consultivos próprios, quer do INIA quer do Ministério. Mas houve o cuidado de não se fazer funcionar estes órgãos, previstos nas respectivas leis orgânicas…
Essa audição só existiu em casos pontuais e por iniciativa de elementos dos corpos científico e técnico da instituição.
Considero também que os Investigadores do INIA deveriam também ter tido um papel mais activo e interveniente na defesa da instituição, embora tenha havido algumas acções meritórias e corajosas, colectivas ou individuais. Mas tem havido também muitos silêncios perante os ataques havidos contra o INIA… da parte dos que preferem manter o status quo que lhes garante o seu ordenado no fim do mês!
Durante estes tempos, apenas um aspecto não teve altos e baixos: a gradual quebra de pessoal, designadamente de pessoal científico! O corpo científico da instituição INIA tem sofrido uma crescente quebra. Na ENFVN, essa quebra foi quase total: neste momento, como diz, está reduzida a um Técnico Superior!
O manifesto desinteresse que a instituição INIA, hoje INIAV, teve para com a continuação dos Investigadores contratados pela FCT (Fundação para a Ciência e Tecnologia), no âmbito do Programa Ciência 2007 (e 2008), é uma enorme constatação de que não houve, nem há interesse efectivo na ampliação dos quadros científicos, apesar dos tão mediatizados “choque tecnológico” e “rejuvenescimento das instituições do STCN” dos governos de José Sócrates. E esse desinteresse é hoje bem ruidoso!
• Que futuro prevê para a ENFVN?
A não haver uma completa inversão na forma de encarar o papel e a importância de um Laboratório de Estado (LE) para a investigação agrária, o futuro das ex-Estações que compunham o INIA, tal como a ENFVN, é muito negro, adivinhando-se o seu total e completo colapso. Compete ao ainda existente corpo científico da instituição, em aliança com os primeiros utilizadores do conhecimento (os agricultores, as empresas e as suas organizações) pressionar e demonstrar ao poder político a importância decisiva da acção deste LE e o enorme risco para o país se esse colapso se vier a verificar.
• Como ex-Director da ENFVN que medidas entende deveriam ter sido tomadas e quais as que deverão ser incrementadas para que a ENFVN possa vir de novo a ser uma referência na fruticultura nacional?
O ponto a que chegou a ENFVN parece tornar impossível hoje reerguer a instituição que foi. Penso que tudo terá de começar a partir do zero. E não se constrói uma unidade de investigação de um momento para o outro. Tem de se criar escola. É certamente uma tarefa muito árdua, que envolverá muitos atores e parceiros. Mas a enorme importância económica da fruticultura nacional bem o justifica.
Quando, em 2000, fui encarregue da direcção da ENFVN, num prolongamento das funções que exercia enquanto director da Estação Vitivinícola Nacional, comecei por fazer um profundo diagnóstico do organismo, visando a sua recuperação a prazo. Durante alguns meses, ouvi um elevado número de empresas e de associações do sector, incluindo as três principais Confederações nacionais interessadas (CAP, CNA e CONFAGRI). Ouvi os responsáveis das outras unidades do INIA. Ouvi técnicos e dirigentes das Direcções Regionais de Agricultura. Ouvi docentes e responsáveis por diversas escolas do ensino superior. Ouvi até alguns ex-funcionários da ENFVN.
O Relatório que então elaborei, visando pois a recuperação e o desenvolvimento do organismo, foi aprovado pela Presidência do INIA e pelo Secretário de Estado da tutela. Apontava esse Relatório para diversos eixos complementares: crescimento baseado e viável do corpo científico, apoio das outras unidades do INIA com interesses e actividades convergentes (envolvendo o melhoramento, a olivicultura, a viticultura, a fertilização e a química agrícola e evidentemente a actividade florestal), apoio das instituições de ensino superior que contactei e criação de um centro tecnológico para a fruticultura, com envolvimento muito directo da ENFVN. Tanto quanto sei, esta última medida que recomendei foi a única que teve efectivamente desenvolvimento e julgo que com êxito.
• Enquanto seu Director sentiu apoio das entidades locais nomeadamente a CMA?
Deixei a direcção da ENFVN em 2008. De então para cá, não tive quaisquer contactos com a CMA. Até 2008, tive diversos contactos com o Presidente da CMA, sobre a ENFVN. Sempre senti o seu completo alheamento para a importância deste organismo de investigação, de âmbito nacional, estar sediado no concelho de Alcobaça. Gostaria até de, proximamente, e talvez neste jornal, vir a desenvolver esta temática: a importância para as autarquias em terem sediadas no seu concelho organismos de investigação agrária de âmbito nacional (Alcobaça, Torres Vedras, Santarém, Elvas e Oeiras).
• Actualmente decorre um processo com a finalidade da entrega do património da ENFVN ao COTHN** organismo privado. Será benéfico para a fruticultura esta situação, ou deveria continuar como organismo público?
Desconheço em absoluto os pormenores dessa acção, embora já tenha ouvido algumas referências a essa eventual transferência de património.
Já atrás referi o papel meritório que tem sido a acção do COTHN, a cuja génese fiquei aliás intimamente ligado. Sempre considerei e continuo a considerar que a acção a desenvolver pelo COTHN e pela ENFVN (ou qualquer outra unidade de investigação de um Laboratório do Estado) deverão ser complementares mas evidentemente próprias. Isto decorre da própria natureza de um Laboratório do Estado e de um Centro Tecnológico, conforme está definido. Confundir os papéis e atribuições das duas instituições é um mau serviço ao Estado, aos Centros Tecnológicos e portanto ao país. Mas esta eventual confusão reside naquilo que lhe disse no princípio da entrevista sobre a incultura e a impreparação dos poderes políticos para falar e legislar sobre investigação científica.
*António Sérgio Curvelo Garcia, foi o último Director da Ex-Estação Nacional de Fruticultura Vieira Natividade (2000-2008). Investigador Coordenador Aposentado, dirigiu a Estação Vitivinícola Nacional de 1993 a 2008 e foi Presidente do Conselho Científico do INIA/INRB de 2009 a 2011. A área científica do Engº Curvelo Garcia é Enologia, com a especialidade de Química Enológica.
**Centro Operativo e Tecnológico Hortofrutícola Nacional, associação sem fins lucrativos, criada em 2001