TRAÇOS GERAIS DO RELATÓRIO QUE ACOMPANHA A PROPOSTA DE ORÇAMENTO DE ESTADO PARA 2014 NO QUE RESPEITA A “CIÊNCIA E ENSINO SUPERIOR”
Os Orçamentos do Estado (OEs) são habitualmente estruturados em PROGRAMAS e estes subdivididos em MEDIDAS. No caso dos chamados “Serviços e Fundos Autónomos”(SFAs), é apresentado, relativamente a cada um deles, o respectivo “Orçamento Privativo” onde são discriminadas “Receitas” e “Despesas” distribuídas por rubricas orçamentais (por exemplo: despesas com o pessoal ou aquisição de equipamento informático). Nos orçamentos privativos de cada SFA distinguem-se por regra as chamadas “Actividades” dos chamados “Projectos”. As primeiras, correspondem grosso modo a “funcionamento” enquanto as segundas respeitam, também
grosso modo, a “investimento”. Actualmente encontram-se no grupo dos SFAs todos os estabelecimentos públicos de Ensino Superior público, universitário ou politécnico, e os laboratórios do Estado. Isto, naturalmente, no que toca à área que nos interessa aqui.
Da documentação que acompanha os OEs faz parte um Relatório onde se passa em revista a situação económica, financeira e social do País e a previsão da evolução dos diversos factores a ter em conta no futuro, sem esquecer os que decorrem da situação internacional e da sua própria evolução.
No Relatório do Orçamento de Estado proposto para 2014, interessa-nos aqui examinar o Subcapítulo IV.15 — “Ciência e Ensino Superior” (p.192), que se apresenta como segue:
IV.15. Ciência e Ensino Superior (P014) ……………p.192
IV.15.1. Políticas ………………………………………p.192
IV.15.2. Orçamento …………………………………..p.194
O Ministério da Educação e Ciência que é o Ministério 12, é “alimentado”, do ponto de vista orçamental, pelos Programas Operacionais P013 – “Ensino Básico e Secundário e Administração Escolar” e P014 – “Ciência e Ensino Superior”.
Deve notar-se que existe investigação em outros Ministérios, como bem se sabe, e esse facto tem reflexo na estrutura orçamental, em regra fazendo aparecer a palavra “investigação” no nome das Medidas em que ela é contemplada. Nos laboratórios do Estado que têm outras tutelas, por exemplo no caso do Ministério da Saúde que é o Ministério 11, e é todo “alimentado” pelo Programa Operacional 012 – “Saúde”, o Instituto Nacional de Saúde Dr. Ricardo Jorge, é financiado exclusivamente pela Medida 021 “SAÚDE – INVESTIGAÇÃO”. Anote-se a curiosidade de no orçamento Privativo do INSA aparecerem unicamente receitas (e despesas) de “Actividades” e não de “Projectos”, ao invés do que acontece com outras instituições que se sabe terem projectos de investigação, nomeadamente, outros laboratórios do Estado.
Considere-se que o objectivo das observações aqui deixadas mais não é que o de ajudar a desbravar a compreensão do OE e a interpretação da sua estrutura.
Voltemos então à “Ciência e Ensino Superior” (P014).
O Relatório com um total de 225 páginas, dedica 73 páginas às “Políticas Sectoriais para 2014 e Recursos Financeiros”. Dessas, 4 páginas respeitam ao Programa Operacional P014-” Ciência e Ensino Superior”
O capítulo II que respeita à “Estratégia de Consolidação Orçamental”, isto é às formas e conteúdo das medidas de austeridade, ocupa 60 páginas.
No que toca a “Políticas” repisa-se a frase feita em que é afirmado que “(n)a Ciência, é objectivo estratégico do Governo reforçar as capacidades de investigação científica e tecnológica em Portugal, tendo em vista o desenvolvimento de uma economia baseada no conhecimento e de alto valor acrescentado.” Afirmá-lo, é, em si mesmo, absolutamente inócuo, deixando em suspenso a resposta à questão das medidas o governo se propõe tomar para que tal “objectivo estratégico” possa ser atingido. Quem conhece o caminho que o chamado Sistema Científico e Tecnológico Nacional tem vindo a percorrer de há pelo menos dez anos a esta parte, e a forma como o actual mas também anteriores governos, têm agido ou abstido de agir, sobre o sistema, decerto encarará como premente necessidade a de modificar profundamente as políticas seguidas, às vezes ausentes, em geral erradas e persistentemente ignorantes da realidade, da necessidade e das necessidades, de um potencial científico e técnico cuja contribuição para o progresso político, económico e social do nosso País é subestimado ou ignorado.
Vejamos então que medidas concretas são propostas a um Parlamento cujo analfabetismo funcional é, neste campo, infelizmente, muito notável.
- “recrutamento de Doutorados de elevada competitividade internacional” (3º concurso para investigadores FCT)
- “Concurso FCT para Projectos de I&D&I internacionalmente competitivos, com tipologias diversificadas e envelopes financeiros diferenciados”;
- “concurso para avaliação e financiamento das instituições de I&D” (trata-se da conclusão do concurso aberto em Julho do corrente ano). Pretende-se incentivar “estratégias institucionais alinhadas com a “Especialização Inteligente” do país e regiões” determinando-se por essa via “o financiamento institucional a partir de 2015”.
- Concursos para novas “Bolsas individuais de Doutoramento” (não incluídas nos Programas de Doutoramento FCT) e para novas bolsas individuais de “Pós-Doutoramento”
Finalmente:
- Abertura de novo concurso para “programas de Doutoramento FCT”. Com estes Programas pretende-se explicitamente envolver Universidades com Empresas, e Universidades com Centros de I&D portugueses e estrangeiros, apontando para “modelos de formação que combinem ciência e empreendedorismo”.
Mais adiante (p.194), para que não subsistam dúvidas sobre os condicionalismos subjacentes que influirão sobre o grau de concretização destas medidas, refere-se a “actual conjuntura socioeconómica e (que) durante o período do Programa de Ajustamento Económico”, hão-de ser concretizadas medidas “com impacto orçamental”, medidas de poupança ou cortes, se se preferir, de que se depreende estar dependente a aplicação das medidas referidas. Neste contexto, apontam-se como fontes de poupança na área da Ciência e Ensino Superior: rescisões amigáveis e aposentações de pessoal activo, com a correspondente diminuição da contribuição do Ministério para a ADSE; a redução do orçamento de investimento no Ensino Superior, “pela concentração da oferta formativa e melhor coordenação da rede de Instituições, pelo recurso ao financiamento comunitário e pela renegociação das quotas no âmbito da participação nos organismos internacionais”.
É verdadeiramente extraordinário ver-se como, com requintada e pomposa, ainda que brutal, elegância verbal, se procura transmitir a ideia de que é possível compatibilizar os objectivos a atingir, aliás, eles próprios, de duvidosa consistência, com uma crescente e desastrosa contracção dos meios indispensáveis à concretização dos mesmos objectivos.
Repare-se em que os graves problemas que afligem o Sistema Científico e Técnico Nacional, são, no essencial, ignorados. A inexistência de uma orientação quanto às políticas de ciência e tecnologia, global e sectoriais; a prodigiosa escassez de pessoal técnico de apoio às actividades de investigação, desenvolvimento tecnológico, inovação e extensão; o continuado bloqueio do recrutamento de jovens em condições de estabilidade de emprego, que preencha as gritantes lacunas de pessoal investigador e docente; a inexistência de contratos-programa de médio prazo voltados para temas de importância nacional, dotados dos necessários meios humanos, materiais e financeiros. Ao mesmo tempo, insiste-se na continuada promoção de variadas vias de formação de pessoal científico investigador ao nível da pós-graduação, com vista a doutoramento, e em algumas, provavelmente escassas, oportunidades de trabalho precário para novos doutores. Ignora-se a situação inadmissível criada a jovens investigadores, convidados a transformar-se na prática em empresários individuais, já que são instados a procurar pelos seus próprios meios fontes de financiamento que lhes permitam receber um salário ao fim do mês e adquirir boa parte dos meios de trabalho de que necessitam. Há mesmo casos em que a instituição de acolhimento (talvez devesse chamar-se-lhe “asilo”) obriga ao “cumprimento voluntário” de trabalho docente.
A isto se junta, o nada se ficar a saber, sobre as intenções do governo relativamente a oportunidades de futuro para as muitas centenas de investigadores precários envolvidos nos chamados Programas Ciência de 2007 e 2008.
A rubrica do orçamento da Fundação para a Ciência e Tecnologia que “alimenta” o pagamento de “bolsas” cai cerca de 16,5% ou 26 milhões de Euros, entre 2103 e 2014. Entretanto — caso curioso —. a despesa acumulada nesses mesmos dois anos com a aquisição de “software” informático pela Fundação ascende a quase 30 milhões de Euros. E, em 2014, os fundos a transferir para o estrangeiro (países estrangeiros fora da União Europeia, e organizações internacionais) são estimados em 45 milhões de Euros. Seria bom saber a que se destinam e que mais-valia trazem ao País.
Refira-se a terminar, que entre 2013 e 2014 os laboratórios do Estado, perdem 31 milhões de Euros ou cerca de 17% do seu financiamento. A parte da FCT neste financiamento é uma parte menor, ainda que se faça sentir com considerável impacto no que toca ao financiamento de projectos, este muito dependente dos dinheiros da Fundação.
Em 2014, a despesa efectiva total do programa P014 – “Ciência e Ensino Superior” é reduzida em cerca de 97 M€ relativamente a 2013 (cerca de -4,3%). As maiores quedas, segundo a proposta de orçamento para 2014, verificam-se nos montantes atribuídos aos Serviços e Fundos Autónomos (SFA) que perdem cerca de 146 M€ (-7,2%) e nas dotações específicas consignadas ao “Ensino Superior e Acção Social” (p.195 do Relatório) que caem cerca de 80 M€ (-7,6%). De notar, como se disse acima, que os Serviços e Fundos Autónomos englobam a totalidade da instituições do Ensino Superior (incluindo as chamadas “Fundações Públicas”), os laboratórios do Estado e também algumas outras instituições públicas que se sabe ou supõe, desenvolverem actividades de I&DE e que integram o grupo das chamadas “Entidades Públicas Reclassificadas” onde se encontram também as Fundações Públicas.
Em todos os casos acima referidos não foram tidas em conta as chamadas “cativações” de verbas que, todos os anos, introduzem um factor adicional de incerteza acerca dos fundos de que as várias entidades e instituições efectivamente virão a dispor, sendo que, pelo menos em alguns casos, as cativações abrangem também as receitas próprias.
14 de Novembro de 2013