ALTERAÇÕES AO ECIC

 

 

A INVESTIGAÇÃO E OS INVESTIGADORES

SOBRE A IMPORTÂNCIA DE UMA CARREIRA DE INVESTIGAÇÃO CIENTÍFICA

 

Há fortes razões para pensar que o governo, através da Secretaria de Estado da Ciência, prepara, com o beneplácito do Ministro da pasta, uma alteração radical do regime laboral dos investigadores científicos com incidência sobre todos os que praticam investigação. Alteração que se enquadra no processo mais vasto das apregoadas “reformas” do Estado cujas repercussões sobre as condições de vida dos trabalhadores portugueses e da população em geral vêm conduzindo a fracturas sociais que nada de bom auguram para o futuro do País. Futuro em que a Ciência e a Tecnologia, o desenvolvimento científico e tecnológico, têm um papel insubstituível a desempenhar na criação de riqueza e bem-estar económico e social.

 Tudo indica que a desastrosa política de gestão de recursos humanos nesta área, já oportunamente denunciada pela OTC a propósito dos concursos para “bolsas” e para projectos, ascenderá agora a um novo patamar com a tentativa de subversão da Carreira de Investigação sem que daí decorra a desejável melhoria da situação laboral do enorme contingente de pessoal investigador presentemente inserido no sector público na condição de precário. As medidas que se julga estarem em preparação, parecem bem inseridas num processo conducente à degradação do Sistema Público de Ciência e Tecnologia, animado pela repetida utilização do coquetel venenoso que mistura de forma perversa os ingredientes da “excelência”, da “competitividade” e do “empreendedorismo”.

Não é disso que precisamos. Neste contexto, vale a pena lembrar as palavras introdutórias da Carta Europeia do Investigador e Código de Conduta para o Recrutamento de Investigadores: “A Carta fornece um quadro de referência para a gestão de carreira dos investigadores enquanto o Código se destina a garantir abertura e transparência dos processos de recrutamento e apreciação dos candidatos.” Já no corpo do documento pode ler-se: “empregadores e/ou entidades financiadoras de investigadores (seria no nosso caso, designadamente, a FCT) devem fixar uma estratégia específica de desenvolvimento de carreira para os investigadores em qualquer degrau da carreira, independentemente da respectiva situação contratual, inclusive para investigadores com contrato a termo certo”. Encontra-se esta última citação na secção intitulada “Desenvolvimento de carreira”.

A Carta e o Código são, no essencial, até aqui, letra morta entre nós.

Em Portugal, existe e está em vigor um Estatuto de Carreira de Investigação Científica (ECIC) (Decreto-Lei 124/99)

Importa, entretanto, dizer que este ECIC foi desfigurado, ainda no consulado do Ministro Mariano Gago, quando o regime que lhe era anterior, estabelecido no Decreto-Lei 219/92, foi “actualizado” com a publicação do Decreto-Lei 124/99. Não foi por acaso que as categorias de Estagiário e Assistente de Investigação deixaram, para todos os efeitos práticos, de existir. Daí para a frente, passaram a imperar as “bolsas” associadas à figura do “não-trabalhador da investigação”, sem direitos laborais e sem perspectivas de futuro no médio prazo.

No entender da OTC, reafirmando o que dissemos à Comissão Parlamentar de Educação, Ciência e Cultura (ver o sítio www.otc.pt): a política de concursos, para “bolsas” e para projectos, não é uma política que permita desenvolver e consolidar a base humana e material em que deve assentar um Sistema Científico e Técnico Nacional que responda às necessidades do País. Em parte alguma pode construir-se uma base de Investigação Científica, Desenvolvimento Experimental e Inovação Tecnológica avançada, sólida, e capaz de estender os seus frutos à sociedade, objectivo realçado no actual quadro europeu, que assente na precariedade do emprego de investigadores e técnicos, sendo que, no que a estes últimos diz respeito, entre contratados e não contratados, se verifica uma escassez absoluta.

Importa assinalar também que a despesa nacional em I&DE dividida pelo número de investigadores activos é em Portugal inferior a um terço da média da União Europeia a 28. E tem regredido nos últimos anos ao mesmo tempo que se veio a processar o crescimento muito significativo do número de precários a trabalhar em I&D.

Numa verdadeira situação de desastre, agravada também pelo desmantelamento mais ou menos subtil, dos organismos públicos de investigação que se designam entre nós por Laboratórios do Estado, pode estranhar-se que o poder político entenda ser útil ocupar-se de uma possível alteração do ECIC.

A posição da OTC é, em linhas gerais, a seguinte:

  • Reposição das categorias de Estagiário e Assistente de Investigação, como categorias de acesso às actividades de I&DE, definidas como constituindo a fase preliminar, de formação e avaliação de capacidades dos candidatos a investigador. Trata-se de categorias em que a permanência é estatutariamente a termo certo, mas em que são assegurados os direitos e regalias estipulados na legislação geral do trabalho;
  • Os chamados “bolseiros”, em qualquer situação, detentores de um grau académico, incluindo a licenciatura, devem ser integrados (reclassificados) numa das cinco categorias da carreira reposta nos moldes referidos;
  • Deve ser revisto e aperfeiçoado o sistema de avaliação de desempenho dos investigadores quer seniores quer em formação, ou seja, em qualquer das cinco categorias da carreira:
  • As necessidades de recrutamento de pessoal; a progressão na carreira e a transição entre escalões remuneratórios devem ser tidas em conta na fixação das dotações orçamentais das instituições;
  • O sistema de laboratórios públicos deve ser revisto, reconstituído e consolidado, com base numa adequada atribuição de competências, meios humanos e materiais, às unidades que o compõem, garantindo-se-lhes efectiva autonomia administrativa e financeira, e também científica e técnica na medida das necessidades decorrentes da execução dos programas públicos definidos ou que venham a ser definidos, para cada laboratório;
  • Os meios financeiros atribuídos às actividades de I&DE, quer no chamado “sector do Ensino Superior” (onde incluímos os chamados “laboratórios associados”) quer no chamado “sector do Estado”, devem ser no mínimo multiplicados por dois, ficando o País mesmo assim consideravelmente distante da média europeia;
  • A Fundação para a Ciência e a Tecnologia deve ser objecto de uma reforma radical e a sua direcção constituída por elementos reconhecidos pela comunidade científica como comprovadamente competentes para o desempenho da função;

Entendemos que a prática de quem neste momento tem responsabilidades directas na governação do País é incompatível com as medidas acima preconizadas. O que torna mais pertinente a urgência para que sejam expostas e defendidas.

A Direcção

28 de Outubro de 2014