CE BARCELONA

 

 85º Conselho Executivo da Federação Mundial dos Trabalhadores Científicos (FMTC)
Barcelona, Maio 2015
 
Exposição Introdutória do Presidente Jean-Paul Lainé

Senhor Representante do Consejo Superior de Investigaciones Científicas (CSIC)

Caros Colegas

1. Agradecimentos

Gostaria de vos agradecer por aqui estarem e desejar boas-vindas:

aos membros do Conselho Executivo (CE) que puderam libertar-se de outros compromissos para estar presentes;

aos nossos convidados presentes a título de observador, que se mostraram interessados nas nossas actividades, e que connosco vêem trabalhar por alguns dias;

a outros participantes de organizações filiadas ou que desejam vir a filiar-se ― várias organizações, e, por isso, as felicito, participam aqui com uma delegação de 2 ou 3 membros ― e, ainda, aos membros individuais da nossa Federação.

Em nome do secretariado da FMTC, quero agradecer a Elies Molins por ter proposto, há mais de um ano, receber-nos em Barcelona e, ter em seguida, tornado possível a realização desse projecto. Creio recordar-me que foi no regresso da nossa Assembleia Geral realizada na Rússia, que analisámos a questão, na presença de Patrick Monfort, sugerindo este que, em 2014, o 84º CE se realizasse em Meudon, nas instalações do Centre National de la Recherche Scientifique (CNRS). Nesta oportunidade agradeço também a Montse Salas, colaboradora de Elies, a sua preciosa ajuda. Quero agradecer também o acolhimento de La Caixa que nos recebe hoje nestas belíssimas instalações.

             CosmoCaixa-Museu de Ciência, Barcelona, gerido por “La Caixa”

 

 

2. A situação internacional

Em anos recentes comecei a minha descrição e a minha análise em termos alarmistas; este ano nada, infelizmente, me permite atenuar as minha preocupações.

Aqui recordo os aspectos que então descrevi e que não se têm senão agravado:

1) o aprofundamento do recurso à guerra em detrimento de esforços diplomáticos e de negociação;

2) a crise política, económica e social que se agrava na Europa e na América do Norte, não sem consequências em todo o mundo;

3) o crescente “fechar-se em si”, o agravamento da intolerância e do irracional; o papel dos meios de informação e comunicação social;

4) a crise ambiental, o esgotamento dos recursos, a desregulação climática, a questão da energia.

Acrescento que a assustadora situação que se vive no Iraque, na Líbia, na Síria, no Iémen, nomeadamente; a vontade manifesta do governo israelita de impedir a criação efectiva de um Estado palestino; a situação catastrófica dos países que não têm de “Estado” ― entre aspas ― senão o nome, como a Somália, a Eritreia, o Sudão do Sul, são semente de desestabilização a nível planetário (fanatismo, migrações, pandemias, banditismo, terrorismo). Estas situações não são fatalidades; são produto de uma história, de decisões políticas.

Elas são, desde logo, o produto de uma história colonial e neocolonial; da pretensão das potências europeias desde os finais da Idade Média, de se apropriar dos recursos naturais e humanos do mundo inteiro, ao serviço das necessidades da acumulação capitalista, enquanto a China se isolava, o mundo árabe-muçulmano sob o domínio otomano, entrava em declínio, os poderes nas sociedades pré-colombianas rapidamente se desmoronavam. O século XIX assistiu ao apogeu daquela pretensão: em Berlim, em 1885, as potências partilharam e desenharam o mapa político da África, ao mesmo tempo que cada uma instalava feitorias na Índia ou na China. Esta partilha levaria rapidamente a confrontações: os capitalismos marcaram o século XX com duas guerras mundiais e destruições sem precedentes. Os povos colonizados forma arrastados para essas guerras pelas potências beligerantes. Neste nosso século XXI, depois do episódio da existência da União Soviética e da “guerra fria” ― paradoxalmente, factor de equilíbrio e paz ― coincidindo com a emergência de um “terceiro-mundismo” liderado por Nasser, Nehru e Tito, entre outros, com o fim dos impérios coloniais, os Estados Unidos e seus aliados pretendem decidir o destino dos povos, propondo-se oferecer-lhes a sua democracia, a sua concepção de democracia, mas principalmente procurando apropriar-se de recursos energéticos e matérias-primas. Eles intervêm militarmente com ou sem mandato da ONU, directamente ou através de potências regionais subordinadas.

Este breve olhar sobre a História, não pretende ser entendido como posição oficial da FMTC; é de resto, esquemático e incompleto: não é mais que um exemplo de abordagem possível: os assassinatos mais hediondos, os milhares de mortes por afogamento no Mediterrâneo, os ataques suicidas, não são uma fatalidade, não são consequência de um qualquer fenómeno físico ou da perfídia de alguns e não podem por isso ser resolvidos apenas com medidas repressivas, securitárias ou mesmo humanitárias. Só uma abordagem histórica, etiológica, como se diz em medicina, pode apontar uma via de solução, sustentar o nosso próprio posicionamento, não esquecendo que será uma luta política que conduzirá à solução.

Quereria que ao olhar a situação internacional se tivessem presentes no espírito estas perguntas: qual é o nosso papel de intelectuais, de investigador, de trabalhador científico, quer como pessoas quer como membros da nossa organização, nacional, associativa ou sindical e, uma vez que para tanto aqui estamos: qual é o nosso papel como Federação Mundial dos Trabalhadores Científicos?

Vou prosseguir debruçando-me sobre as questões que são para mim mais importantes nestes primeiros anos do século XXI.

A guerra ou a negociação e a resolução política dos conflitos

O envolvimento directo das grandes potências, o enfraquecimento do papel da ONU e, ao contrário, o reforço das alianças militares e nomeadamente da NATO, a utilização de armas mais sofisticadas (os drones militares, por exemplo), a guerra ideológica e psicológica de que é acompanhada: tudo isto contribui para a extrema gravidade de uma situação sem precedente, para dizer o mínimo, desde há meio século.

As populações civis, incluindo mulheres e crianças, são as principais vítimas. Síria (mais de 200 mil mortos), Iraque (mais de 300 mil mortos), Líbia, Palestina, Somália, Ucrânia, África Central… Se as situações não podem ser confundidas, sofrimentos e humilhações, crise humanitária, caos económico e político gerador de desespero, são nelas elementos comuns. A humilhação e desespero são a semente dos extremismos, dos fanatismos que levam à luta dos explorados, das vítimas, dos mais fracos de entre eles, tudo em benefício dos mais poderosos.

Recordo, brevemente, uma data: 26 de Junho de 1945, data da assinatura em S. Francisco da Carta das Nações Unidas. Não sei se estão previstas comemorações oficiais neste ano do septuagésimo aniversário da assinatura, mas eu sei e a FMTC, sabe que aquela data, o surgimento de um direito internacional, de um direito universal, deve ser marcada com uma pedra branca no caminho para o desenvolvimento humano, a emancipação humana. Decidimos, em Paris-Meudon, no nosso Conselho Executivo precedente, iniciar uma reflexão que deve conduzir a propostas de futuro. André Jaeglé preparou um texto que encontram na vossa pasta. Esse será um dos pontos importantes para o trabalho do grupo “Desarmamento, Cooperação e Paz” e uma das tarefas delegadas neste Conselho.

Por fim, não esqueçamos a comemoração do 8 de Maio de 1945, dia da capitulação nazi, como não esqueceremos nos próximos dias 6 e 9 de Agosto a utilização da bomba atómica pelo exército americano, há 70 anos.

As políticas económicas e a austeridade

No que respeita às políticas internas conduzidas na Europa, mas também nos Estados Unidos e no Canadá, que, sob o pretexto de lutar contra os défices públicos e contra a inflação, são instrumentos da rentabilidade do capital e, portanto, da financeirização, pela prioridade que é dada aos produtos financeiros e não à produção real de bens e serviços, são numerosas as vozes que se levantam para denunciar tal mistificação. A aceleração desta política por meio dos tratados de comércio livre, surge à luz do dia apesar dos esforços de ocultação mediáticos. Os povos começam a dar-se conta, porque o estão a viver, o pôr em causa das protecções e benefícios sociais arrancados ao longo de gerações pelas lutas sociais. Saudemos o povo grego que longe de optar por uma via ultra conservadora e xenófoba, escolheu a via corajosa do combate aos privilégios, da exigência da contribuição dos mais afortunados para garantir direitos básicos como o de ter onde viver, poder aquecer-se, ter acesso a cuidados de saúde.

O conceito de bem comum, de bem público, a justiça social pela redistribuição e a repartição, o princípio do emprego seguro e protegido: tudo pode voar em estilhaços. Ora todas essas conquistas de sucessivas gerações e que ainda não passam de um sonho para milhões de seres humanos, são questões-chave para a qualidade de vida e de trabalho, questões-chave para viver em paz, questões-chave para a criação científica e artística. O que introduz um outro eixo prioritário de trabalho para nós: as nossas condições estatutárias, materiais e morais de trabalho e de vida. O projecto da UNESCO de revisão da sua Recomendação de 1974 sobre a condição dos investigadores científicos é uma oportunidade para pôr na ordem do dia estas questões. Este é um outro eixo prioritário de trabalho para nós. O grupo de trabalho “condição da investigação e condição dos trabalhadores científicos” vai obviamente tratá-lo.

No capítulo das políticas económicas, importa dizer que as medidas tomadas em relação aos povos europeus e norte-americanos fazem lembrar estranhamente os planos de ajustamento estrutural impostos aos estados e, portanto, aos povos do “sul”.

A dívida é um instrumento habitual do sistema capitalista e um argumento de propaganda: historiadores que se especializaram no período contemporâneo fizeram-me notar que o instrumento da dívida foi utilizado nos anos 30, na Europa, transferindo para os contribuintes uma dívida da banca tal como foi repetido em 2008. A mesma arma está actualmente a ser usada e fortemente reactivada, contra o governo da Argentina

Na medida em que ― vê-lo-emos ao longo desta exposição ― as escolhas económicas comandam o enquadramento de toda a nossa vida profissional, não seria desejável que criássemos um grupo de trabalho sobre esta matéria?

Vou terminar este capítulo com notas positivas. Um vento de liberdade e de justiça chega-nos da América Latina que tende a retomar posse dos seus recursos, o que tende a quebrar a sua sujeição ao grande vizinho do norte, o que tende a devolver a dignidade, os direitos de igualdade a todos, e nomeadamente aos povos ameríndios. A reeleição muito clara do primeiro presidente “indígena”, Evo Morales, é uma demonstração de sucesso. A África não está condenada a guerras civis, aos abusos de grupos a meio caminho entre a política e o gangsterismo: a magnífica explosão do povo do Burkina Faso que correu do poder com o amigo da França e liquidatário da experiência anticolonial do governo Sankara.

A concluir este capítulo, gostaria de pensar naquele aperto de mão entre Raul Castro e Barack Obama por ocasião da recente Cimeira das Américas no Panamá e, a este propósito, louvar a coragem e a perseverança dos dirigentes e do povo cubano, e também o realismo, o pragmatismo do presidente americano. Reli uma entrevista de Obama concedida após uma cimeira anterior (sem a presença dos cubanos) em que ele diz isto: “Fiquei impressionado com a simpatia que Cuba granjeou em todo o subcontinente com o envio de milhares de médicos para ajudar esses países”. E acrescenta: “é necessário ter consciência, de que nós, os Estados Unidos, se a nossa relação com esses países não for além do combate à droga e somente envolver o sector militar, não poderemos desenvolver laços diversificados que tornem possível desenvolver a nossa influência”. Estas palavras e aquele aperto de mão são um testemunho da marca deixada pelos êxitos da revolução cubana e levam-nos a esperar que o pragmatismo dos dirigentes dos EUA levará ao fim do bloqueio. Lamento que os nossos amigos do SNTECD (Sindicato Nacional de Trabajadores de la Educación, la Ciencia y el Deporte, de Cuba) e do SNTC (Sindicato Nacional de Trabajadores de las Ciencias, de Cuba) não tenham podido estar presentes neste CE, por uma questão de incompatibilidade de datas com algumas das suas próprias iniciativas.

O movimento das ideias ― o domínio dos meios de informação ― a educação

Disse na minha introdução que estamos a assistir ao aprofundamento do “fechar-se sobre si”, da intolerância e do irracional e fiz a ligação com o papel dos meios de informação e comunicação.

Efectivamente penso que a ascensão dos partidos de extrema-direita em quase todos os países europeus, o desenvolvimento do fundamentalismo religioso, da xenofobia, em geral, tem várias fontes: os sofrimentos reais que são consequência das políticas praticadas (as guerras, a violência, a injustiça, a austeridade, a miséria), mas também a procura de bodes expiatórios para raivas acumuladas, propaganda que é projectada sobre um pano de fundo de ignorância, a ausência de pensamento crítico. Linguagem e ideias simplistas, o regresso às chamadas raízes, a exploração do medo do novo e do “outro”, religião e etnia vistas como bandeira e como protecção: tudo isso só pode funcionar pela lavagem ao cérebro, pela influência dos principais meios de informação e comunicação, pelas insuficiências dos sistemas educativos, das instituições escolares e universitárias. Foi por isso, aliás, que o Secretariado Internacional propôs que o nosso simpósio de 2014 fosse consagrado à questão da educação. Para aqueles que não puderam participar, referirei as três ideias-força aí colocadas: a necessária partilha do saber (elevar, em todo o mundo, o nível dos conhecimentos e reduzir as desigualdades de acesso, ligadas à origem social, ao género, à etnia); a educação que permita aceder ao método racional, ao espírito crítico, isto é, à verdadeira autonomia de cada um, o acesso enfim a um conhecimento mínimo das ciências da natureza que deve ser inserido em uma dimensão histórica e epistemológica. Durante o Fórum Social Mundial de Tunis, na Secção “a Universidade do Século XXI” insistimos nestas ideias: sublinhou-se o papel do Estado para garantir o serviço público, ou seja, o carácter gratuito, a acessibilidade, a igualdade de acesso mas sublinhando também, neste contexto, os perigos de saberes não “vivos”, não debatidos, não “críticos”. Um colega da Universidade de El Manar fez notar que, curiosamente, bom número de fundamentalistas fanáticos eram produto da faculdade de ciências (ciências naturais e matemáticas) o que dá que pensar.

A educação, bem comum e serviço público, é muitas vezes ainda um direito a construir e deve ser constantemente defendido. Dou um exemplo. De há uma dezena de anos a esta parte, as multinacionais investem nos países em desenvolvimento; governos corruptos ou sem recursos delegam em empresas privadas a construção de estabelecimentos de ensino, da escola à universidade, os conteúdos curriculares e o recrutamento de docentes: tudo é estandardizado, posto em rede, ligado a um servidor, com o docente de tablete na mão. É o “Mac Do”, o “low cost” da educação.

Deveríamos alargar esta reflexão abordando o impacto do digital e da internet sobre o saber, a sua aquisição, a formação ideológica, a evolução das mentalidades, sem esquecer o que se sabe já e está infelizmente muito presente: o impacto sobre as liberdades individuais, a sua instrumentação pelos poderes instituídos que, a pretexto da luta contra o terrorismo, instalam sistemas de vigilância intrusiva generalizada.

É claro que as ferramentas digitais são técnicas indispensáveis, no entanto, como todas as técnicas, são ambivalentes e, tal como para qualquer outro instrumento, colocam-se questões: para quê? Para quem? De que modo?

Qual foi a sua contribuição para as revoltas que levaram ao afastamento dos ditadores Ben Ali e Moubarack? E nas chamadas “revoluções” na Sérvia, na Geórgia e na Ucrânia? Diz-se que um grande especialista das técnicas digitais, um tal Srdja Popovic, dispondo dos recursos financeiros e técnicos da CIA e da “Golden Sachs”, incluindo milhões de endereços de correio electrónico, teria ajudado a formar e ajudado na acção, bom número de originários daqueles países. Devo acrescentar que isto não apaga os sofrimentos, as razões objectivas que levaram, nomeadamente, jovens a manifestar-se até ao sacrifício.

Ao fechar este capítulo, gostaria de prestar homenagem aos jornalistas que ousam exercer um espírito crítico, que ousam manifestar independência face aos poderes políticos, económicos e religiosos.

Concordando ou discordando com o que escrevem ou caricaturam pelo desenho, são indispensáveis e devem, por isso, ser protegidos.

Neste contexto, saúdo a memória das oito vítimas francesas recentes ― encontrareis nas vossas pastas a minha declaração feita em nome da FMTC ―  pensando também nos jornalistas argelinos massacrados nos anos 90, e, em geral, na centena de jornalistas que pagam todos os anos com a vida a dedicação à profissão.

A crise ambiental e a questão da energia

Nas grandes reuniões internacionais, como a de Copenhaga ou do Rio de Janeiro, nenhuma medida de aplicação obrigatória pôde ser adoptada. O que irá acontecer na próxima grande conferência sobre o clima que se vai realizar em Paris no fim deste ano? As nossas organizações devem empenhar-se no sentido de que aí se venha a chegar a medidas concretas para proteger as condições de vida das gerações futuras: os estudos mais recentes apontam para alterações climáticas mais brutais, desastres climáticos extremos mais frequentes num próximo futuro. Foi na perspectiva desta conferência de Paris que decidimos dedicar à questão energética o debate público e Simpósio associado a este nosso 85º Conselho Executivo.

Trata-se de questões que dizem respeito a necessidades básicas da humanidade, como a questão do acesso à água, que é tratada também no nosso Grupo de Trabalho 2, “energia e clima”.

 S. Tserenchimed, Conselho Nacional dos Cientistas da Mongólia (Presid.)

O trabalho muito proveitosos que ontem realizámos dispensa-me de acrescentar algo mais. Poderemos sem dúvida prosseguir esse trabalho nos próximos dias, nomeadamente durante a reunião daquele grupo de trabalho, amanhã de manhã. Estas questões estão no coração da articulação ciência-sociedade-política. Estão por isso no centro do nosso campo de intervenção.

3. A situação de ciência, da investigação e dos trabalhadores científicos

A ciência, a situação da investigação e do pessoal da investigação, estão sujeitos à mesma pressão geral, imposta pelas multinacionais e pelos estados que a transmitem. Neste sentido, a nossa declaração de Nijni- Novgorod é mais do que nunca pertinente. Dela retiro este trecho: “os objectivos financeiros são largamente favorecidos em detrimento de objectivos económicos, sociais, ambientais e culturais. Neste contexto, a investigação fundamental é sacrificada. Os saberes e os graus universitários tornam-se um objecto de comércio”. A pesquisa é, então, uma ferramenta de participação de mercados e só interessa aos poderes políticos e económicos pelo seu possível impacto na inovação. Uma das consequências desta evolução é a precarização dos investigadores, particularmente dos jovens investigadores, um fenómeno que parece internacionalizar-se. Mas, mais geralmente, são todas as profissões ou actividades na investigação pública e privada que estão em perigo: a estabilidade e os direitos são particularmente visados. A profissão de investigador é atacada, se não mesmo negada como tal, em especial na Europa sob a influência do modelo anglo-saxão. Felizmente a situação no mundo é mais contrastada. Como disse no ano passado, um voluntarismo de Estado (na China e na Argélia, por exemplo), as tradições industriais (na Alemanha, no Japão) explicam sem dúvida um financiamento da investigação mais importante nesses países. Esse esforço de financiamento tem consequências positivas, nomeadamente em termos de postos de trabalho e, portanto, num refluxo da fuga de cérebros (que alguns países continuam a sofrer).

Outra consequência desta concepção redutora da ciência é o recuo organizado da democracia nas escolhas científicas. Situação inquietante tendo em conta o impacto da investigação na nossa vida de todos os dias.

A nossa federação, as nossas organizações filiadas, têm, assim, todas as razões para intervir no debate aberto pela UNESCO com vista à actualização da Recomendação de 1974 sobre o estatuto dos investigadores científicos. Como disse atrás, esse será uma dos eixos do trabalho dos próximos dias.

Quero dizer algumas palavras sobre a imagem e sobre o estado da ciência e dos cientistas. Abordo estas questões uma vez que são centrais no nosso campo de intervenção, onde as associações profissionais, as organizações sindicais, as pessoas que trabalham em ciência, esperam de nós que as representemos nos debates, nos media, nas instâncias internacionais.

Há algumas contradições, desfasamentos ou abordagens contraditórias. Tenho a ideia que a ciência é vista de forma muito positiva, que os progressos do conhecimento e os progressos tecnológicos são vistos como a única carta boa para responder aos desafios com que a humanidade se defronta, ao passo que os dirigentes políticos, esses, são muito desvalorizados. Há aqui a marca de um “cientismo profundo”, herdado do século XIX, que no entanto, coexiste com o desenvolvimento de uma corrente anti ciência, anti tecnociência, para não falar de crenças sectárias, de meta- ou pseudo ciências. As tecnologias biológicas, as nanotecnologias, as tecnologias no domínio da neurologia, fascinam e assustam ao mesmo tempo. Alguns cientistas são instrumentalizados para justificar escolhas políticas e, usados como “fusível”, se um drama acontece. Toda a comunidade dos trabalhadores científicos acaba por ser afectada por uma tal utilização de “peritos”.

Contento-me em dar aqui, simplesmente, algumas ideias e alguns elementos dos debates em que participamos, nomeadamente no quadro do Fórum Social Mundial, da sua componente específica, o Fórum Mundial Ciência e Democracia, mas também nas comissões especializadas da UNESCO.

A fechar este capítulo, evoco um símbolo positivo da “aventura científica”, da cooperação internacional, da aventura humana por excelência: a sonda “Rosetta” que se aproximou de um cometa noutro sector do sistema solar para aí colocar, após uma viagem de 10 anos, um módulo integralmente cheio de sensores.

Preferimos a cooperação à competição, a Europa da tecnologia ao serviço do conhecimento, àquela que exporta as armas mais sofisticadas e as usa também.

4. O papel, a actividade, a vida interna e a organização da FMTC

O papel da FMTC

Fui apontando ao longo da minha apresentação temas relevantes que envolvem a nossa responsabilidade.

Desenvolvo-os agora, precisando o conteúdo:

$1·      A paz, a prioridade à negociação, o reforço do papel da ONU como única entidade com legitimidade para se interpor ou intervir em situações de crise;

$1·      A energia, o clima, a vinculação a medidas preventivas e um direito internacional a desenvolver;

$1·      O ensino público e gratuito, até à universidade; a formação do cidadão autónomo e crítico e não apenas do trabalhador;

$1·      As ferramentas digitais, a pluralidade e independência do jornalismo;

$1·      As condições de trabalho e de vida dos trabalhadores científicos garantindo a independência e a qualidade do trabalho;

$1·      O desenvolvimento conjunto, harmonioso, da investigação fundamental e da investigação aplicada;

$1·      Ciência e ética; a responsabilidade social, individual e colectiva, dos cientistas.

Acrescento ainda outros temas, directa ou indirectamente relacionados com a minha apresentação:

$1·      O desenvolvimento da humanidade no seu conjunto; as migrações forçadas; o desafio demográfico e democrático

$1·      A destruição dos arsenais de armas de destruição massiva

$1·      A militarização da investigação.

Em alguns destes tópicos as nossas organizações filiadas não se sentem com capacidade para intervir (por razões de disponibilidade na maioria dos casos). É o que acontece com questões de política internacional ou da relação ciência-sociedade ou ainda questões de ética: aí delegam em nós o cuidado de organizar a reflexão, o debate e a intervenção pública.

No que toca às questões ligadas ao exercício e às condições da profissão, somos um elemento de transmissão e de apoio às actividades que se desenvolvem no plano nacional e, em contrapartida, alimentamos a necessária reflexão sobre tais questões mediante a partilha de informação no plano internacional.

Intervimos na qualidade de ONG com estatuto de partenariado no trabalho das agências das Nações Unidas. Consideramos ter legitimidade para tomar posição sobre tudo o que toca aos trabalhadores científicos e à ciência e tecnologia. Em algumas circunstâncias bem definidas (atentados, massacres), tomamos posição como representando cidadãos, homens de bem.

A actividade e a vida da FMTC

Reunião do Secretariado Internacional da FMTC (Paris)

A nossa organização está hoje bem estabelecida, especialmente desde que na nossa Assembleia Geral em Nijni-Novgorod adoptámos novos estatutos com a criação de um Secretariado Internacional, instrumento que tínhamos vindo a pôr à prova desde o Conselho Executivo de Argel e que tem vindo a funcionar de modo excelente. Esta é uma questão central da nossa organização: as reuniões regulares do secretariado. Podem encontrar nas vossas pastas as actas das reuniões mensais. As actas são enviadas aos membros do Conselho Executivo para lhes permitir acompanhar o seguimento que é dado às decisões tomadas na reunião anual do Conselho, informar as suas organizações e permitir o seu próprio envolvimento nas actividades. Gostaria de lembrar os principais marcos da actividade da organização:

$1·      A Assembleia Geral, de 4 em 4 anos ― normalmente designada por “congresso” no mundo sindical ― que define a política, as grandes orientações e elege os membros dos vários órgãos estatutários, em particular o Presidente e o Tesoureiro;

$1·      O Conselho Executivo, que se reúne anualmente, é a instância dirigente (órgão legislativo) entre duas Assembleias Gerais e é actualmente composto por 30 membros. Desde há muitos anos que associamos a reunião anual do Conselho a um seminário ou simpósio, o que nos permite convidar o público local, incluindo colegas e activistas do país de acolhimento. Na mesma ocasião, convidamos também as organizações e pessoas que encontrámos em congressos e conferências em que estivemos como convidados.

$1·      O Secretariado Internacional (SI) é um órgão executivo, de oito membros, que se reúne mensalmente em teleconferência.

Refiro finalmente alguns outros instrumentos que permitem agilizar o nosso funcionamento:

$1·      Para preparar e executar o trabalho do SI, André Jaeglé (Presidente Honorário), Pascal Janots (Tesoureiro), Smati Zhogbi (Secretário Geral) e eu próprio, constituímos um secretariado operacional, e reunimos uma equipa de colaboradores franceses, funcionando em conjunto como um secretariado da sede central. Este grupo tem sobretudo a seu cargo questões de logística (finanças, instalações, assistência de secretariado para a publicação da Newsletter), o trabalho de ligação com a UNESCO, a actualização do nosso site na internet, os conteúdos da Newsletter e a expedição/distribuição das nossas tomadas de posição oficiais.

$1·      Para assegurar o acompanhamento e aprofundamento da nossa acção, seleccionámos temas prioritários e criámos grupos de trabalho. Actualmente são três, que podem ser extintos ou outros ser criados, por decisão do Conselho Executivo.

A visibilidade e o carácter internacional da Federação têm vindo a acentuar-se. O seu pensamento e acção colectiva têm enriquecido.

No corrente ano prosseguimos uma política de abertura e de crescente visibilidade, através da presença em congressos e conferências: em Buenos Aires, a convite dos nossos amigos da Fedun (Federación de Docentes de las Universidades, Argentina); em Havana, a convite dos nossos amigos “reencontrados”, SNTC e SNTECD; em Sète, França, a convite do SNTRS (Syndicat National des Travailleurs de la Recherche Scientifique). Participámos numa iniciativa conjunta com o SUDES (Syndicat Unique des Enseignants du Sénégal). Alguns dos que hoje aqui estão connosco, estão-no em resultado desses contactos.

Sublinho a importância das iniciativas comuns, do trabalho com organizações filiadas, algo que é duplamente vantajoso: para as organizações filiadas e para a Federação. Ajuda também as organizações filiadas a gerar maior disponibilidade para participar na vida da Federação.

O trabalho realizado pela nossa “equipa UNESCO” ― André Jaeglé, Josette Rome-Chastanet e Hélène Carteron ― leva-nos a desempenhar um papel cada vez mais importante na Comissão de ligação “UNESCO-ONGs”. Na sequência do Fórum de Yamoussoukro, a Comissão encarregou um grupo de ONGs, em que está incluída a FMTC, da organização de um Fórum sobre o Diálogo de Culturas, provavelmente em Xangai, na China.

No entanto, paradoxalmente, estamos a viver uma situação de crise na Federação, devido a esta evolução positiva, devido aos constrangimentos decorrentes da fraqueza dos nossos recursos, quer no plano financeiro ― aspecto que oportunamente discutiremos ― quer também fraqueza de recursos humanos para responder ao que se espera de nós. Teremos de trabalhar a questão da sustentabilidade dos nossos recursos financeiros.

Como disse em Paris no ano passado, o próximo passo deve ser o do empenhamento de cada um dos membros do CE na vida da FMTC, nomeadamente, na animação dos Grupos de Trabalho. Estes Grupos cuja criação foi adoptada na Assembleia Geral de 2009, não encontraram ainda uma forma satisfatória para conduzir o seu trabalho. A disponibilidade de tempo de cada um dos seus membros, o problema das traduções, contribuem para a dificuldade: mas não é fatal. Será necessário que o trabalho da FMTC tenha a relevância que interessa às vossas organizações: vós mataríeis dois coelhos com uma só cajadada! Ora eu estou certo que, para todos os temas de trabalho já seleccionados e todos os outros que abordei esta manhã ― que podem aliás ser desdobrados em subtemas ― é possível encontrar colegas, mesmo fora do Conselho Executivo, com entusiasmo e algum tempo para lhes dar vida e trabalhar connosco.

De um modo mais geral, a relação entre as organizações filiadas e a Federação deve ser pensada de forma a ser benéfica para todas as partes. Os artigos, jornais, declarações, comunicados mais importantes, devem circular, ser traduzidos e ser enviados para as listas de endereços relevantes. As publicações da FMTC não esperam outra coisa que não seja que as organizações filiadas e outras com interesses próximos se apropriem delas, e que sejam difundidas e divulgadas entre todos os seus membros e o público em geral no país respectivo.

É sobre esta relação FMTC-Organizações filiadas que concluo a minha exposição.

Tendo em conta a dupla qualidade do nosso Conselho Executivo, parlamento da FMTC, mas também sede de apresentação da FMTC ― apresentação “dinâmica”, e deliberação em comum ― quis, por um lado, fornecer elementos de informação e reflexão que vão ajudar-nos a definir o nosso “roteiro” para os próximos meses e, em segundo lugar, enunciar princípios e métodos relativos ao nosso funcionamento e posicionamentos.

Desculpando-me por ter sido um pouco longo, desejo-nos ― bom trabalho!

Barcelona,12 de Maio de 2015

Jean-Paul Lainé