Rómulo de Carvalho
In Palestra, Revista de Pedagogia e Cultura, nº1, Lisboa, 1958
É fácil averiguar que nas últimas décadas decorrentes bastante se tem avançado na compreensão do significado social da Arte. É claro que não nos referimos à escolha de motivos sociais para sua expressão em forma artística mas a disposição benevolente do público em se esforçar por acreditar que o artista não é um ornamento da sociedade mas um dos seus elementos imprescindíveis, com uma função a cumprir, definida e indispensável.
Numa apreciação superficial deste tema talvez parecesse que já houve tempo em que o artista teve maior conceito social do que hoje e que, sendo assim, a sua valorização teria vindo a declinar, desse apogeu, até aos tempos modernos. Certamente já o artista teve privilégios que hoje não aufere, teve o favor dos reis e de todos os grandes da Terra, encheu as arcas de benesses e a fronte de glória. Era então um deslumbrante ornamento, mas julgamos que nunca ninguém pensara, como agora, que a sua actividade fosse necessária como factor de progresso.
Em nosso sentimento (e o tema é para discussão) o artista e o cientista são dois destinos paralelos embora em fases díspares da sua evolução. Ambos desempenham na sociedade o mesmo papel de construtores, de descobridores, de definidores: um, do mundo de dentro; outro, do mundo de fora.
Precisemos melhor a questão. Não estamos apenas a afirmar (o que certamente teria o aplauso geral) que o artista e o cientista são pessoas igualmente estimáveis, merecedoras do mesmo respeito e ambos imprescindíveis numa sociedade. Estamos a querer exprimir mais do que isso, que um e outro ocupam lugares de igual necessidade, que aqueles mundos de dentro e de fora são de transcendência equivalente, que ambos esses mundos exigem a permanente busca, a orientada investigação que, em nossos dias, é considerada apenas apanágio da Ciência. Quando dizemos que o cientista e o artista são destinos paralelos queremos ampliar ainda e dizer que a Ciência e a Arte decorrem segundo linhas paralelas, o que nos parece mais claro para fazer entender o que pretendemos.
Consultando a História da Ciência encontramos primeiro o Homem como um descobridor isolado, entretido numa busca que só a ele interessa, e de que outros virão a aproveitar-se quando lhe descobrirem a utilidade. O investigador científico é então um sonhador, um «maduro» e um inútil no aspecto social. Quando muito acha-se-lhe graça e aprecia-se-lhe a persistência com que trabalha. Numa segunda fase passa o cientista a ser um homem que convém auxiliar e consultar. É uma pessoa que tem ideias e as suas ideias conduzem, às vezes, a fins utilitários que tomam a vida melhor. A sociedade dispõe-se a dar atenção ao cientista, a aceitá-lo, a respeitá-lo e a esperar dele coisas úteis. Na fase actual, que é a terceira deste quadro, o cientista torna-se um homem imprescindível, o homem que é necessário colocar em condições de se lhe facilitarem as tarefas. A sociedade já não se resigna a esperar que o cientista surja na pessoa de um estudante mais prometedor mas deseja que a mocidade seja estimulada, que as vocações sejam acordadas, para que os cientistas se multipliquem e dêem conta das mil imposições da vida moderna. Os governos das nações clamam que os cientistas não chegam e pagam-nos a peso de ouro para os terem ao seu serviço.
Assim evoluiu o cientista de «sonhador» a «homem que merece atenção» e daqui a «elemento imprescindível para o progresso da sociedade».
Comparando esta linha evolutiva com a do artista encontramos este, em nossos dias, na situação daquela segunda fase, ainda saído de fresco da fase de «sonhador». Agora é, socialmente, um «homem que merece atenção». A terceira fase virá a seu tempo, longinquamente decerto, mas estamos convencidos (e suportamos o risco de tão dispa ratada afirmação) que um dia os Governos fomentarão apressadamente o surto das vocações artísticas e clamarão a necessidade urgente de mais poetas, de mais pintores, de mais escultores, de mais compositores musicais, para o progresso das suas nações, exactamente como hoje se pedem avidamente físicos para satisfação das investigações nucleares.
Não nos parece caso muito assombroso este desfasamento entre os estádios evolutivos da Ciência e da Arte. E sabido que o Homem, intrincada e complexa rede de elementos vários num só, e (à maneira de um feixe de luz solar de aparência tao simples mas desdobrável em múltiplas radiações visíveis e invisíveis) um feixe de sensibilidades que aguarda o prisma que o há-de desdobrar, aquele mesmo luminoso feixe que Fernando Pessoa desdobrou nos seus tão discutidos heterónimos. No mesmo homem uns elementos dormem, outros labutam, outros comentam, outros observam, todos em graus de evolução diferentes, sujeitos a desfasamentos tão flagrantes e inesperados que chegam a tornar desesperado o acto de conhecer alguém. Surpreende a atitude de uma mesma criatura perante os problemas vários da existência e se defronte de um se mostra da mais aguda sensibilidade, de fronte de outros pode portar-se como o mais insensível dos viventes. Em cada um o homem-cientista, o homem-técnico, o homem-político, o homem-religioso, o homem-artista, e quantos mais, vivem na serena ignorância uns dos outros, alheios em si mesmos, evoluindo separadamente como se fossem representantes de épocas históricas distintas. No mesmo homem pode encontrar-se a mentalidade de um cientista do século XX reunida à mentalidade de um político do seculo XIX, de um retórico do século XVIII, de um moralista do seculo XVII, etc. Tal indivíduo (e parecem-nos frequentes estes exemplos) evoluiu muito diferentemente nos múltiplos aspectos que ao mesmo homem são dados conseguindo–se até aliar a brutalidade primitiva à mais requintada civilização moderna.
Toda a gente reconhece, no dia-a-dia da existência, a verdade desta afirmação. Quando se assiste a qualquer cena pouco edificante e se comenta que «parece impossível que num país civilizado» essa cena possa ter lugar, está-se precisamente a comentar este desfasamento entre as várias evoluções.
Um exemplo. Seria inadmissível, e asperamente censurado, que, dentro das possibilidades da Técnica moderna, a nossa capital não possuísse carros eléctricos. Contudo, ao assistirmos, à hora de maior trânsito, à maneira truculenta como a população se acotovela, se comprime, luta e até se agride, para conquistar lugar nos mesmos eléctricos, somos levados a reconhecer que, no aspecto cívico, o atraso dessa mesma população é flagrante. Os responsáveis que entendem, sem hesitação, que a nossa capital deve possuir uma rede de carros eléctricos, nunca sentiram o imperativo de organizar o modo de nos servirmos deles porque esse imperativo só pode ser ditado numa fase da evolução do homem-cívico que ainda não foi atingida.
Outro exemplo: será incrível que, suponhamos, um bacteriologista cuspa no chão? E muito crível. O bacteriologista, como profissional, sabe da existência dos microorganismos, conhece-lhes os perigos e está em dia com a ciência a que se dedica. Contudo, como homem-social, pode viver completamente desinteressado do mal que, porventura, poderá vir a causar a outros cuspindo no chão. E cuspirá.
Parecem-nos estes desfasamentos mais do que evidentes. Pois não vivemos nós numa época na qual, ao mesmo tempo em que se lançam bombas sobre populações indefesas no meio das quais se encontram milhares de crianças, se movimentam, por outro lado, todos os recursos da Ciência, numa bela conjugação de esforços alheia a fronteiras, para salvar uma outra anónima criança que precisa de um determinado medicamento o qual chega de longe, de milhares de quilómetros, num avião de jacto?
O desfasamento entre a Ciência e a Moral é um tema de conversa frequente. Sirva o paralelismo para se entender o que queremos dizer: que existe semelhante desfasamento no que respeita a Arte.
Toda a glória do progresso humano reside nas conquistas da Ciência e da Técnica mas, em muitos outros planos de actuação, o atraso é evidente. Na Moral, na Filosofia, no Direito, etc., a evolução tem sido extremamente lenta a tal ponto que ainda actualmente se recorre, com frequência, a paradigmas das Antiguidades grega e Romana para exemplos edificantes de Moral, de Filosofia ou de Direito. Entretanto ninguém se lembraria de recorrer hoje à Física de Aristóteles como paradigma da Física, o que alias ainda não há muito tempo se fazia. A própria Geometria de Euclides, que tão fecundos serviços prestou à Humanidade, já é totalmente inválida em certos campos da investigação científica. É claro que poderia objectar-se que a Filosofia grega, por exemplo, não foi superada, e continua a ser norma válida de pensamento em muitos aspectos, porque atingiu um nível extremamente elevado, o que realmente nada significa sem sabermos o que virá depois de nós.
A Medicina, por exemplo, tem evolucionado tão lentamente que continua a haver legiões de criaturas que recorrem a curandeiros e bruxas, mesmo na capital e entre pessoas de elevados recursos económicos. O facto não se pode atribuir só a ignorância de quem a ela recorre mas a estoutro facto de que os curandeiros às vezes curam e os médicos às vezes não curam. A Medicina está dependente do conhecimento do Homem, físico e psíquico, e muitas melhorias de que tem gozado devem-se aos progressos da Química e aos das variadíssimas técnicas de que depende.
No campo da Arte o desfasamento é também notável. O público continua a exigir que o artista lhe apresente coisas fáceis, diríamos bonitas, agradáveis aos olhos ou aos ouvidos, de imediata recepção sensorial, que lhe forneça, sem o menor esforço, a sensação de descanso e de esquecimento, que, na aparência, são os mais desejáveis lenitivos da vida. O cinema, arte popular por excelência, é bem uma pedra de toque. O grande público detesta as fitas de tese, desinteressa-se das superiores interpretações, não repara no pormenor que comove e chega a soltar gargalhadas em actos de flagrante e confrangedora tragédia, quando o natural e humano seria chorar. E incontestável, que a finalidade do cinema não é divertir afastando o individuo dos problemas humanos, embora seja esta a opinião de um número esmagador de indivíduos. Se o número tivesse valor para tais opiniões então o cinema seria para divertir, a poesia um processo de alcançar pernas de galinha corada (como já foi), a pintura seria a arte de copiar a Natureza, etc., etc. Mas quem manda é a minoria. Sentir é um privilégio.
É frequente encontrar homens de fina sensibilidade, esclarecidos e atentos aos problemas universais, que permanecem atónitos em presença de certas obras de arte modernas. Não ficam indiferentes porque são esclarecidos mas ficam atónitos porque não «entendem».
É extremamente curiosa, elucidativa para o nosso fim em vista esta preocupação, sem dúvida honesta, de querer «entender» a obra de arte à primeira observação feita (mormente a pintura e a escultura) e repudiá-la por não a ter conseguido entender. Chamando à liça a questão da Ciência (cuja linha de evolução ― repetimos ― nos parece paralela à da Arte, embora desfasada) é interessante verificar que ninguém hoje se preocupa com o «entendimento» dessa mesma Ciência nem lhe exige expressão fácil. Perante os quadros da Ciência moderna não passa pela cabeça de ninguém o exigir-lhe que seja compreensível, exigência que se estabelece, por exemplo, para as obras de pintura moderna. Aceita-se (porque a fase da evolução científica é mais avançada do que a da Arte) que é da própria natureza da Ciência só ser acessível a alguns, aos iniciados, e aceita-se assim com resignação, sem que o apreciador se sinta diminuído no seu valor humano ou no seu orgulho de entendedor. Ora a Ciência e, na verdade, incompreensível, as suas conclusões são impostas e não entendidas, a despeito de, como sucede na Matemática, ser possível demonstrar o que se afirma. Teremos de reparar, entretanto, que demonstrar não é tornar claro nem entendível um conhecimento científico; é apenas o desenrolar de uma técnica que se destina a enquadrar um certo conceito num plano histórico de aquisições perfeitamente articuladas entre si, que não ferem a lógica na sua articulação, e que, pela fluidez com que decorrem umas das outras, nos dão a impressão de que conduzem a coisas acessíveis ao nosso entendimento. Cremos, contudo, que não são para fazer entender. Já Louis de Broglie, num livro célebre, receia que o fim da Física, seja a impossibilidade de traduzir os conceitos abstractos em esquemas concretos. Entretanto cá nos vamos arranjando supondo uns electrões que se movem em labirintos orbitários em redor de núcleos, necessidade urgente para iludir a nossa incompreensão e nos supormos em condições de entender os mistérios que revolvemos. Mas a verdade e que é só por intermédio de semelhantes ingenuidades que edificamos o aparato da nossa pseudo-compreensão.
Afirma-nos a Teoria da Relatividade que uma velocidade não pode ultrapassar aquele limite vertiginoso dos trezentos mil quilómetros por segundo das ondas electromagnéticas no vazio. Quem entende que a Natureza ou a Técnica se oponham à possibilidade de uma velocidade exceder um dado valor, por maior que seja? Ninguém. A massa de um corpo, essa grandeza que já foi uma constante física para cada corpo qualquer que fosse o seu estado de repouso ou de movimento, é variável com a sua velocidade. Aumenta quando a velocidade aumenta; diminui quando a velocidade diminui. Quem entende isto? Ninguém. O Universo está em expansão. Não tem limites definidos. Respira. É um ser vivo. É um coração que pulsa. Quem entende isto? Ninguém. A gravitação é consequência de uma deformação do espaço-tempo (o que impede que o Universo seja euclidiano), deformação essa que se propaga com a velocidade da luz. E o oceano dos positrões de Dirac?
Ninguém entende estas coisas embora se repitam nos livros, nas conferências, nas salas de aula, com toda a naturalidade, e dela se parta, como verdades entendíveis, só porque o decorrer da demonstração da dialéctica a elas nos conduz. Mas ai do pintor que estampe na tela uma linha ou uma cor que se afaste do mundo imediatamente sensível.
É claro que a Ciência enveredou por aquela bela, larga e luminosa estrada que conduziu à Relatividade, à Mecânica Quântica e à Mecânica Ondulat6ria, inculpadamente, sem intenção reservada. Limitou-se a deixar-se prosseguir, o que só poderia ter-se passado como se passou e nunca de outro modo. A interpretação da Natureza já não cabe nos moldes clássicos que obrigavam Kelvin a exigir uma representação mecânica para todas as concepções científicas. A Ciência foi por ali como um curso de água vai pelo seu leito. Era o único caminho possível.
E a Arte? E a pintura moderna? Não teria sido ela obrigada a seguir também o curso do seu leito, percorrendo um caminho que era o único possível dentro das circunstâncias históricas em que se desenrolou? Ou será admissível o absurdo de a pintura se ter «transviado»? Será crível aceitar-se que uns tantos homens, em todo o mundo, telepaticamente combinados, resolveram exprimir-se de um modo diferente só para ser diferente? Não será violência exigir-se que o poeta ou o pintor, esses que buscam interpretar um mundo de compleição transcendente, que inclui o mundo dos físicos e mais um outro, imponderável e insuspeitado, estejam sujeitos a imposição de serem fáceis, imediatamente entendíveis? A Arte, como a Ciência, saiu dos quadros da compreensão fácil e imediata, o que não impede que numa e noutra não continuem a verificar-se expressões da mais total acessibilidade.
A educação científica da mocidade escolar e, de certo modo um entrave ao desenvolvimento da sua capacidade de recepção artística. Parecem-nos dois os mais agudos aspectos desse entrave: o culto da «evidência» como frequente recurso didáctico e o emprego da demonstração como via de compreensão. Um e outro prejudicam a boa compostura mental do individuo em presença da obra de Arte moderna.
No que respeita ao primeiro aspecto é realmente um processo geral (e inevitável quase, por espontâneo) o recurso à evidência do aluno para facilitar a tarefa do mestre em transmitir conhecimentos. Dirigida a pergunta ao aluno, sobre o assunto ainda não estudado, espera-se que ele, aproveitando a natural evidência, responda acertadamente à pergunta feita. O processo seria louvável se, realmente, a evidência fosse garantia de verdade, o que não sucede. Bastaria perguntar ao aluno se é o Sol que se move em tomo da Terra ou esta em redor daquele para que o rapaz, se nunca tivesse ouvido ou lido a exposição do assunto, recorresse à evidência para afirmar ser o Sol que se move em tomo da Terra. Quando, no ensino liceal, chega a vez de se falar sobre a queda dos graves e o professor pergunta a qualquer aluno se acha que uma pedra de cem quilos cai com maior velocidade do que uma de um quilo, logo o aluno lhe responde, convencido, que sim senhor, que a de cem quilos cai mas depressa. É sempre um motivo de espanto ouvir-se afirmar que ambas caem com a mesma velocidade. Como casos destes são frequentes toma-se condenável o recurso à evidência como processo de ensino e parece-nos de necessidade urgente convencer os estudantes de que sempre que há coincidência entre o que supõem e o que realmente sucede, isso não resulta de qualquer excelência da nossa capacidade de supor mas apenas de uma assaz feliz coincidência sem o menor significado científico.
O segundo dos aspectos do ensino da Ciência a que nos referimos como sendo prejudicial ao desenvolvimento da recepção artística é o emprego da demonstração como via de compreensão. Parece-nos fora de dúvida que as demonstrações não conduzem à compreensão do assunto a que se referem mas apenas, como já dissemos, a reconhecer o bom funcionamento da aparelhagem técnica empregada no processo. Demos um exemplo comezinho, dentro também do âmbito do ensino liceal.
Estudada a potenciação na Matemática elementar trata-se de ensinar aos alunos o valor numérico de uma potência de expoente zero. Quanto valerá, por exemplo, 5 levantado ao expoente zero? O aluno que sabe que o expoente indica o número de vezes que o valor da base se deve multiplicar por si mesmo, pensa, sem qualquer sombra de dúvida, que 5 levantado a zero é igual a zero pois aquilo significa que o número 5 se multiplica por si pr6prio zero vezes, ou seja vez nenhuma, o que dará zero. O professor, porém, demonstra-lhe que não é assim; que 5 levantado a zero (como aliás qualquer outro número levantado a esse mesmo expoente) é igual á unidade. Os alunos seguem a demonstração, reconhecem-na impecável, sorriem pelo inesperado do resultado, e quando o professor lhe pergunta «perceberam?» todos respondem «percebemos». Ora o que é que eles teriam percebido? Que um número multiplicado por si mesmo zero vezes é igual à unidade? Certamente que não. O que eles perceberam foi a legitimidade da aplicação das regras já estabelecidas, e anteriormente asseguradas, a cada um dos passos da demonstração, a sua justa articulação, a sua fundamentação impecável. Contudo (e é este o perigoso erro educacional) os alunos ficaram convencidos de que alcançaram a compreensão do resultado.
O anterior aspecto que citámos, o recurso à evidência, faz perigar o sentimento artístico porque o jovem aceita o que vê como garantia de verdade e se não há ninguém que tenha a cara verde, o auto-retrato de Van Gogh e um disparate. O segundo aspecto de se crer convictamente que se entende o que se demonstra e que a demonstração e um selo de garantia de verdade é outro perigo porque desvaloriza o que não é demonstrável e uma obra de arte não tem demonstração possível.
Estes perigos do ensino científico aliados à quase ausência do ensino artístico nas nossas escolas, desequilibram fortemente a educação da mocidade. Felizmente há uma Natureza que se encarrega de corrigir muitos males e é exactamente na juventude que vamos encontrar os mais entusiastas admiradores da Arte moderna. Isto explica-se porque na atmosfera, além das sabidas percentagens de oxigénio e de azoto, e de outras varias coisas identificáveis pelas suas constantes físicas, há um fluido imponderável que penetra em todos os interstícios, que enche os olhos e os pulmões, uma coisa indefinida que flutua e cuja antena é a juventude. Ela não sabe o que é, mas sente-o. Porque tudo forma um todo e a Arte moderna é a consubstanciação de tudo quanto por aí pulsa e ressoa, do tubo fluorescente que ilumina a cidade, da torre que destila o petróleo, do cérebro electrónico que deriva e integra, do helicóptero que paira, do homem que experimenta o escafandro que o levará aos outros planetas.