Vulto maior da comunidade científica e da nossa intelectualidade, Mário Ruivo, deixou-nos, aos 89 anos.
Militante de múltiplas causas, científicas, culturais, ambientais, cívicas, sociais, políticas, Mário João de Oliveira Ruivo, nascido em Campo Maior, no Alentejo, era o associado nº198 da Organização dos Trabalhadores Científicos, em que se inscrevera em 17 de Janeiro de 1975. Licenciado em biologia pela Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa em 1950, inclinou-se para a Oceanografia que o levou a doutorar-se em Paris, na Sorbonne, quatro anos mais tarde, especializando-se em Oceanografia biológica e recursos marinhos. O tema da tese de doutoramento foi a sardinha. Ao longo da vida desenvolveu uma actividade multifacetada, designadamente, no plano científico, nos domínios da Biologia Marítima e dos recursos oceânicos. Ainda enquanto estudante, na Faculdade de Ciências de Lisboa, em 1947, foi perseguido e preso pela polícia política do regime fascista, quando integrava a Direcção Universitária de Lisboa do Movimento de Unidade Democrática (MUD) juvenil. Na Faculdade de Ciências trabalhara com Flávio Resende, professor e cientista eminente, demitido pelo Estado Novo, naquele mesmo ano de 1947. Concluído o douramento decide regressar a Portugal embora lhe estivesse vedada a docência universitária e mesmo o trabalho como investigador no então Instituto de Biologia Marítima, dirigido pelo ilustre professor e homem de ciência Alfredo Magalhães Ramalho. Pôde apesar de tudo prosseguir uma actividade de investigação na área das pescas. Da excelente nota biográfica que escreveu Helena Pato, respigamos a seguinte breve mas significativa nota: “(Mário Ruivo) não deixou de investigar na área das pescas. Foi assim que, em 1954, passou a ir todos os anos com os bacalhoeiros até à Terra Nova e, depois, a bordo do Gil Eanes até à Gronelândia e, também, nos bacalhoeiros, até ao Círculo Polar Ártico.” Em 1961 prevenido de prisão iminente, Mário Ruivo, exila-se em Itália. Nessa nova fase da sua vida, que se prolongou por 13 anos, até 1974, participou em projectos e missões para o desenvolvimento da ciência no domínio da Biologia marítima e dos recursos oceânicos. Em Roma, foi convidado a trabalhar no departamento de pescas da FAO, organização especializada das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura, onde chegou a director da Divisão de Recursos e Ambiente Aquático. Depois do 25 de Abril, regressado a Portugal, ocupou lugares nos executivos em três governos provisórios presididos por Vasco Gonçalves: Secretário de Estado das Pescas e por último Ministro dos Negócios Estrangeiros no 5º Governo Provisório.
A fundação, em 1991, da Federação Portuguesa das Associações e Sociedades Científicas (FEPASC), a que presidiu, insere-se na faceta de activismo social de Mário Ruivo que procurava contribuir para a transformação da realidade, neste caso em prol da Ciência e do trabalho científico no nosso país. A OTC integrou os órgãos sociais da FEPASC onde foi representada por António Pedro Alves de Matos, membro da actual direcção.
Em 2000, Mário Ruivo foi co-fundador do EurOcean-―Centro Europeu para a Informação nas Ciências e Tecnologias do Mar. O EurOcean, com sede em Lisboa, é uma ONG científica independente, à qual Mário Ruivo presidiu entre 2002 a 2008. Deve destacar-se também a contribuição decisiva que deu para a constituição da Agência Europeia para a Segurança Marítima, criada em 2002. A Agência, EMSA, na sigla em inglês, é uma agência descentralizada da União Europeia, criada em 2003, que tem a sua sede em Lisboa.
Mário Ruivo, homem de ciência e democrata consequente, que serviu o país e a comunidade internacional na sua área de especialidade, deve ser recordado como exemplo inspirador por quantos trabalham para consolidar um sistema científico e técnico nacional voltado para as necessidades do país.
31 de Janeiro de 2017