EMPREGO CIENTÍFICO NO JAPÃO

Insegurança de emprego na ciência

Seiji Yuasa, JSA―Japan Scientists’ Association

Os investigadores no Japão

No Japão actual (país tipicamente capitalista, que costumo designar por “Japão Corporativo”), as regras de mercado prevalecem em todas as actividades, tendo o governo e as empresas um papel consertado no sentido de impor aos investigadores objectivos prioritários: 1) garantir que a sua actividade científica assegure lucros; 2) mostrar ser um combatente eficaz no terreno das corporações; e 3) ser um vencedor na luta pela existência.

Os aspectos desta política que urge denunciar são: 1) os investigadores serem insistentemente convidados a integrar actividades de investigação com fins militares, às quais o governo pretende alocar importantes verbas orçamentais; 2) os investigadores poderem ser abrangidos por uma legislação de prevê o não pagamento de horas extraordinárias; e 3) os investigadores poderem ser confrontados com regras de despedimento flexíveis.

Os investigadores empregados no sector empresarial corporativo foram expostos a muitos tipos de desregulação determinada pelas regras do mercado. Um certo número de investigadores foi sujeito a acções coercivas por administrações discriminatórias e forçados a sobreviver submetendo-se à lei da selva. Nos locais de trabalho, toda a liberdade académica e autonomia desapareceram completamente. A importância das ciências básicas diminuiu gradualmente, enquanto as ciências aplicadas e as ciências de cariz tecnológico mais lucrativas foram incentivadas, sendo os investigadores obrigados a trabalhar sob a pressão dos resultados a atingir. Uma vez que o orçamento para investigação e o salário auferido pelos investigadores são extremamente reduzidos, os investigadores têm necessidade de angariar fundos fora da organização em que estão inseridos para realizar trabalho de investigação próprio.

Os investigadores sempre enfrentaram riscos profissionais, como a demissão e a transferência de local de trabalho ou actividade. No entanto, os direitos dos investigadores têm sido constantemente e claramente violados. Os investigadores têm sido vítimas de variados tipos de assédio [prepotência, assédio sexual e académico (incluindo na formação académica)], “bullying” e intimidação. Trabalho compulsório, incluindo trabalho em excesso não pago é a regra nos locais de trabalho referidos. Estas situações podem levar os investigadores, em última instância, a: 1) a abandonar a carreira; 2) recorrer a internamento ou tratamento hospitalar; 3) “Karoshi” (a morte resultante de excesso de trabalho); ou 4) o suicídio. Não vê, de facto, uma perspectiva de futuro.

Envolvimento na investigação militar

Opomo-nos à política governamental que visa envolver mais investigadores na investigação militar. Os argumentos que justificam a nossa oposição assentam na limitação da liberdade académica e da autonomia que esta política introduz. Sem liberdade académica e autonomia não pode haver uma verdadeira contribuição para a construção da paz.      

No ano de 2015, o governo introduziu um programa conjunto envolvendo o Ministério da Defesa e instituições de investigação, incluindo universidades, para promover a investigação militar. A este programa foi atribuído em 2015 um orçamento de 300 milhões de ienes (aproximadamente 2.5 milhões de euros), o qual duplicou em 2016. Embora o governo designe este programa por “projecto de investigação colaborativo”, a situação da investigação nas universidades e no Ministério da Defesa no que respeita à investigação militar é diferente. O propósito do governo é aliciar investigadores e transformar universidades em instituições subordinadas ao serviço da política governamental de reforço da capacidade militar.

Nunca apoiaremos programas de investigação para fins militares, porque entendemos que todas as actividades de investigação devem contribuir para a consolidação da paz.

Para cativar o envolvimento da academia na pesquisa militar, o governo recorreu o conceito de investigação de “dupla finalidade” (“dual-use”) cujos resultados contribuiriam para os interesses académicos mas também para o desenvolvimento em defesa. No entanto, um projecto de investigação patrocinado pelas autoridades de defesa não pode ser um projecto em que os objectivos sirvam de modo equivalente objectivos militares e académicos. O governo vem reduzindo continuamente o orçamento público das universidades “nacionais”, o que significa que este esvaziamento orçamental programado conduz a um sistema de limitações salariais e consequentemente a investigadores mal pagos. Pode referir-se o caso dos EUA onde alguns psicólogos estiveram envolvidos na tortura de prisioneiros e suspeitos de acções terroristas a fim de obter confissões de conveniência. No Japão, no futuro próximo, investigadores das ciências sociais e humanidades, bem como cientistas das ciências físicas, podem ser persuadidos e arrastados para pesquisas militares. Devemos rejeitar toda a investigação militar para sempre.

Devemos opor-nos a um projecto de lei que contempla “horas extraordinárias a custo-zero” no salário dos investigadores

Tem-se assistido a uma consciencialização crescente do público relativamente à proposta governamental de revisão da Lei Geral do Trabalho que introduz um sistema salarial sem horário, tendo-se popularizado a designação de “salário com horas extraordinárias a custo-zero”. No entanto, parece que ninguém no mundo empresarial aprecia esta designação de “salário com horas extraordinárias a custo-zero”. Os círculos empresariais enfaticamente consideram que o projecto de lei vem permitir aos empregadores avaliarem quantitativamente o salário dos funcionários, não com base no número de horas trabalhadas, mas na qualidade do seu desempenho no trabalho.   

Na realidade, este projecto de lei é construído para criar um sistema que permita às empresas retirar parte dos seus trabalhadores administrativos e engenheiros (sob certas condições) de categorias profissionais regidas péla lei geral do trabalho. Recentemente, a morte de uma jovem investigadora da maior empresa de publicidade, “Den-tsu”, por trabalho excessivo “Karoshi”, veio alertar a opinião pública para os riscos deste sistema.

Se o projecto de lei for promulgado, os trabalhadores abrangidos não irão receber pagamento de horas extraordinárias, nem pagamento adicional por trabalho fora das horas regulamentares, como por exemplo trabalho nocturno ou feriados. Mesmo que os trabalhadores morram por excesso de trabalho (Karoshi), os empregadores não poderão ser culpados pela morte do trabalhador, dado poderem alegar auto-responsabilidade do trabalhador.       

Em 2007, a primeira tentativa do Gabinete Abe (o actual chefe do Governo) para estabelecer este sistema de trabalho foi frustrada, dada a crítica severa da opinião pública, alegando que a implementação do regime de “salário com horas extraordinárias a custo-zero “e “a promoção de Karoshi” eram faces da mesma moeda. Mas, actualmente, os círculos empresariais estão a tentar desvirtuar o criticismo de que têm sido alvo as alterações do regime de trabalho para ajudar a promulgar o projecto lei o mais rapidamente possível.       

A razão pela qual a alcunha de ” pagamento-zero para horas extraordinárias ” dada ao projecto de lei é largamente aceite pelo público é a de que o nome descreve bem o que a lei pretende implementar. Os círculos empresariais não podem encobrir a verdadeira natureza do projecto, por mais que tentem.

A nossa verdadeira razão para lutar contra a promulgação do projecto de lei e exigir a sua eliminação, prende-se com o impacto extremamente negativo na carreira de investigação, que inevitavelmente conduzirá ao seu congelamento.

Estamos contra a “flexibilização das rescisões de contrato de trabalho” para os investigadores

O Ministério do Trabalho criou recentemente um painel para discutir a flexibilização da legislação que regulamenta a rescisão de contrato de trabalho. O que o governo pretende é introduzir um sistema que permita despedimentos injustos com base numa compensação monetária.Este método de despedimento foi tentado por duas vezes no passado, mas foi bloqueado por uma forte oposição do público e dos sindicatos.     

A alteração das leis de trabalho tem sido regularmente solicitada pelas associações empresariais. No entanto, ao contrário da França e da Alemanha, onde na Administração Pública as reduções do número de funcionários públicos são regulamentados por legislação própria, no Japão há muito poucos obstáculos legais ao despedimento. Por exemplo, a Lei do Contrato de Trabalho do Japão diz que, se numa rescisão “faltarem motivos objectivamente razoáveis ​​e não for considerada apropriada socialmente “, o despedimento é inválido. A lei não indica critérios claros de julgamento no que se refere à determinação de “motivos objectivamente razoáveis”. Perante uma legislação fraca, a introdução de um sistema de compensação monetária para despedimentos injustificados equivale a dar à entidade patronal plenos poderes para a rescisão de contrato dos seus funcionários.      

Numa altura em que muitas empresas estão a reduzir a mão-de-obra de forma escandalosa, por meio de despedimentos colectivos e “lock-out”, o que agora é necessário é criar uma legislação que anule um despedimento, caso não sejam cumpridos quatro requisitos estabelecidos pelo Supremo Tribunal com base em precedentes judiciais: 1) necessidade de despedimento; 2) esforços para evitar despedimento; 3) racionalidade na escolha de quem deve ser despedido; e 4) negociação com os sindicatos.      

Além disso, a legislação de rescisão contratual deve incluir cláusulas que garantam a segurança no emprego aos trabalhadores que decidam apresentar reclamação legal sobre os motivos do despedimento, permitindo que esses trabalhadores possam regressar aos seus locais de trabalho originais após decisão favorável do tribunal; que proíbam as empresas de forçar os trabalhadores a aceitar reformas antecipadas; e que exijam a consulta prévia de todos os interessados, incluindo os responsáveis locais dos sindicatos, nos casos de encerramento da empresa ou despedimento colectivo.

Tradução editada do texto original em inglês de Seiji YUASA (November 11, 2016)

O presente artigo é uma contribuição do Prof. Seiji Yuasa, membro da Associação dos Cientistas Japoneses (JSA), para a campanha contra a insegurança de emprego na Ciência lançada pela Federação Mundial dos Trabalhadores Científicos em finais de 2016 e que prossegue no corrente ano. O prof. Seiji Yuasa é membro do Conselho Executivo da FMTC e um dos vice-presidentes desse órgão.