UNIVERSIDADE E INVESTIGAÇÃO

CARREIRA DE INVESTIGAÇÃO: FACTOR DE CONSOLIDAÇÃO DO SISTEMA CIENTÍFICO E TÉCNICO NACIONAL E DE COOPERAÇÃO INTER-INSTITUCIONAL

Aos 15 dias do mês de Maio de 2018, tomaram posse no Grande Auditório da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, com apropriada solenidade, os novos Director e cinco sub-Directores da Faculdade.

Ouviu-se por seis vezes a frase sacramental: “Afirmo solenemente que cumprirei as funções que me são confiadas, com respeito pelos deveres que decorrem da Constituição e da Lei.” A cerimónia foi encerrada com uma intervenção de 20 minutos, a vários títulos notável, do Reitor António Cruz Serra. Referiu-se com inusitada franqueza a uma lei da República que, não se duvide, não deixará de respeitar tal como com certeza os atrás referidos empossados. A lei é a Lei nº 157/99, de 14 de Setembro, em vigor: Estatuto da Carreira de Investigação Científica. Lê-se no nº6 do Preâmbulo daquele diploma legal o seguinte: “(…)na prossecução do  propósito já assumido nos anteriores estatutos de aproximação do Estatuto da Carreira de Investigação Científica ao Estatuto da Carreira Docente Universitária e visando, também, o incremento da permeabilidade entre aquelas carreiras e a carreira do pessoal docente do ensino superior politécnico, ainda que respeitando a especificidade de cada uma, o presente diploma vem consagrar um conjunto de regras específicas que determinam a elaboração de uma disciplina própria que se pretende aplicável, não apenas aos laboratórios do Estado, mas a todas as instituições públicas que se dediquem às actividades de investigação científica e tecnológica, incluindo os estabelecimentos de ensino superior.” É esta a Lei que hoje rege a relação contratual com o Estado do pessoal investigador em funções públicas. Com grande ligeireza intelectual e estilística, Cruz Serra, mau grado desempenhar funções de alta responsabilidade, se exprime assim:

«Devo dizer que discordo completamente da carreira de investigador e tudo farei para acabar com ela».

Aparenta esquecer quem assim se exprime que a Carreira de Investigação Científica é uma carreira de âmbito nacional aplicável, “(…) não apenas aos laboratórios do Estado, mas a todas as instituições públicas que se dediquem às actividades de investigação científica e tecnológica, incluindo os estabelecimentos de ensino superior.” Repetimo-nos deliberadamente para que se decante nos espíritos o sentido do regime legal, em perigosa suspensão num fluido ideológico determinado por interesses particulares. Quem tudo se dispõe a tudo fazer para acabar com alguma coisa tem pelo menos a obrigação de entender que coisa é essa, que alcance tem, e porque lhe repugna a sua existência.

A existência da carreira de investigação científica não é um instrumento dissolvente da integridade das instituições de Ensino Superior, muito menos daquelas que entendem apresentar-se como “universidades de investigação”. É contudo de fundamental importância para o sector dos Laboratórios do Estado e outras instituições públicas de investigação. A defesa, reabilitação, renovação destes organismos e o lançamento e arranque de novos laboratórios públicos em áreas hoje a descoberto, como a área do medicamento, é de importância crucial para o desenvolvimento do País. A universidade não deve ignorá-lo. Uma colaboração estreita entre os vários pilares do sistema nacional de Ciência e Tecnologia, uma adequada delimitação de campos de acção e a harmonização de tarefas entre eles, é condição sine qua non do progresso geral. Temos lá fora abundantes exemplos de uma tal organização geral de meios institucionais, desde logo em Espanha ou na França, países vizinhos, ou na República Federal Alemã, onde mesmo a investigação livre é em larga medida desenvolvida em laboratórios públicos não universitários, como o CSIC, em Espanha, ou o CNRS, em França. Em todos eles existem carreiras de investigação científica ou relações contratuais que são fonte de estabilidade laboral e garantia de trabalho com direitos. Enquanto em Portugal o número de investigadores ETI nos laboratórios do Estado é menos de 5% do número correspondente no sector do Ensino Superior, em França, por exemplo, o pessoal investigador está repartido pelos dois sectores com peso sensivelmente igual, em ambos.

Lamentavelmente, entre nós, há nos círculos universitários, ao mais alto nível mas não apenas a esse nível, uma perturbadora falta de consciência da importância e do papel que devem desempenhar os laboratórios públicos, não universitários. Pelo nosso lado, tudo faremos para acabar com este estado de coisas.

 

Frederico Carvalho

21 de Maio de 2018