Paul Craig Roberts
Estará o Capitalismo a Matar-nos?
Economistas-ecologistas como Herman E. Daly têm assinalado que, uma vez que os custos externos da poluição e o do esgotamento dos recursos não são incluídos no Produto Interno Bruto, não sabemos se um aumento do PIB representa um ganho ou uma perda.
Os custos externos são significativos e estão a aumentar. Historicamente, as empresas industriais e transformadoras, a agricultura industrializada, os sistemas de saneamento urbano e outros transgressores habituais transferiram os custos das suas actividades para o ambiente ou para terceiros. Recentemente, surgiram vários relatórios, muitos dos quais sobre o herbicida Roundup da Monsanto, cujo principal ingrediente, glifosato, se crê ser cancerígeno.
Uma organização dedicada à saúde pública, o Environmental Working Group, anunciou recentemente que os seus testes revelaram a presença de glifosato em 43 de 45 alimentos para o pequeno-almoço de crianças, incluindo granola, aveia e barras de cereais produzidas pela Quaker, Kellogg e General Mills.
Estudos realizados no Brasil descobriram que o leite materno de 83% das mães continha glifosato.
O Instituto Ambiental de Munique revelou que 14 das cervejas alemãs mais populares contêm glifosato. https://sustainablepulse.com/2016/02/25/german-beer-industry-in-shock-over-probable-carcinogen-glyphosate-contamination/#.W3XKtC-ZOGQ
O glifosato foi encontrado na urina de agricultores mexicanos e nos lençóis freáticos do país. https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC5486281/
A revista Scientific American reportou que mesmo os ingredientes inertes do herbicida Roundup podem matar células humanas, em particular nos embriões, placentas e cordões umbilicais.
https://www.scientificamerican.com/article/weed-whacking-herbicide-p/
Um toxicologista alemão acusou o instituto federal alemão de avaliação do risco e a Autoridade Europeia de Segurança Alimentar de fraude científica, por terem aceitado as conclusões de um grupo de missão sobre o glifosato liderado pela Monsanto segundo o qual esta substância não é cancerígena.
A controvérsia acerca desta conclusão resulta do facto dos cientistas financiados pela indústria não encontrarem uma relação entre o glifosato e o cancro, ao contrário do que sucede com os cientistas independentes. Tal não deve surpreender-nos, uma vez que um cientista financiado pela indústria não é independente e dificilmente concluirá o contrário daquilo que foi contratado para concluir.
Existe também controvérsia acerca do nível de contaminação necessário para que os produtos adulterados com glifosato sejam classificados como perigosos. Segundo parece, as concentrações aumentam com a utilização e o tempo. Mais cedo ou mais tarde, a concentração torna-se suficiente para causar danos.
Para este artigo, a questão fundamental é que se o glifosato é cancerígeno, os custos associados à perda de vidas e despesas médicas não são suportados pela Monsanto/Bayer. Se esses custos não fossem exteriores à Monsanto, ou seja, se a empresa tivesse de suportá-los, o custo do produto tornaria a sua utilização não-económica. O custo seria superior às vantagens.
É muito difícil descobrir a verdade, porque os políticos e as autoridades de regulação são susceptíveis de subornos e a fazer favores aos seus amigos de negócios. No Brasil, os deputados estão, neste momento, a tentar desregulamentar o uso de pesticidas e proibir a venda de alimentos de agricultura biológica nos supermercados.
No caso do glifosato, porém, os ventos podem estar a voltar-se contra a Monsanto/Bayer. O Supremo Tribunal do Estado da Califórnia confirmou a decisão das autoridades do Estado de juntarem o herbicida glifosato à lista de substâncias cancerígenas, ao abrigo da lei conhecida como Proposition 65.
A semana passada, o júri de um tribunal de São Francisco concedeu ao antigo encarregado de uma escola uma indemnização de $289 milhões por perdas e danos devidos ao cancro provocado pelo herbicida Roundup. A Monsanto irá, quase certamente, recorrer da sentença e o processo arrastar-se-á pelos tribunais até o encarregado ter morrido. Mas a sentença constitui um precedente e revela que os jurados estão a começar a desconfiar da ‘ciência encomendada’. Há aproximadamente 1000 processos semelhantes pendentes perante os tribunais.
https://www.cnn.com/2018/08/10/health/monsanto-johnson-trial-verdict/index.html
O que é importante ter em conta é que se o Roundup é cancerígeno, é apenas um produto de uma empresa. Isso dá-nos uma ideia da possível escala dos custos externos. Efectivamente, os efeitos nocivos do glifosato vão muito além daqueles que são descritos neste artigo.
Os alimentos para animais com OGMs também estão a produzir efeitos negativos na pecuária.
http://educate-yourself.org/cn/Mike-McNeil-Whats-Killing-the-Cows-Day8-24July2018-55mins.mp3
Pensemos agora nos efeitos adversos sobre o ar, água e terras – os recursos da agricultura que recorre aos produtos químicos. O Estado da Florida sofre com o crescimento descontrolado de algas, resultante do escoamento para as águas dos fertilizantes usados nos terrrenos agrícolas, e a indústria açucareira conseguiu destruir o Lago Okeechobee.
https://www.miamiherald.com/news/politics-government/state-politics/article216329745.html
O escoamento dos fertilizantes pode provocar um crescimento descontrolado de algas que destrói a vida marinha e é nocivo para os seres humanos. Actualmente, a água do Rio St. Lucie, na Florida, apresenta um nível de toxicidade 10 vezes superior ao normal e não pode ser usada.
https://weather.com/science/environment/news/2018-08-10-florida-algae-bloom-st-lucie-microcystin
As chamadas ‘marés vermelhas’, um crescimento descontrolado de certas algas, podem ocorrer naturalmente. Contudo, o escoamento dos fertilizantes potencia o seu crescimento e persistência. Além disso, a contribuição da poluição para o aumento da temperatura também favorece tais marés vermelhas, tal como a drenagem das zonas húmidas para projectos imobiliários, que provoca um fluxo rápido da água sem filtração natural.
http://www.wafb.com/story/38850029/graphic-red-tide-off-fl-gulf-coast-kills-marine-life
Precisamente quando a qualidade da água se deteriorava e as algas proliferavam, o Estado da Florida decidiu reduzir o seu programa de monitorização de águas.
https://www.miamiherald.com/news/local/environment/article215993665.html
Se considerarmos estes custos externos substanciais da agricultura industrializada, facilmente concluímos que os valores atribuídos ao açúcar e produtos agrícolas no Produto Interno Bruto são excessivos. Os preços pagos pelos consumidores são demasiado baixos e os lucros obtidos pelas agro-empresas demasiado elevados, pois não incluem os custos das mortes em grande escala no meio marinho, a perda de negócios turísticos e as doenças causadas nos seres humanos pela proliferação de algas que resulta do escoamento de fertilizantes.
Neste artigo, apenas abordei superficialmente a questão dos custos externos. O Estado do Michigan sabe agora que a sua água canalizada não é segura. Os produtos químicos usados durante décadas nas bases militares e no fabrico de milhares de bens de consumo estão presentes nas fontes de abastecimento de água.
https://www.cnn.com/2018/08/16/health/tap-water-crisis-toxic-michigan-pfoa-pfas/index.html
Em jeito de exercício, escolhamos uma empresa qualquer e pensemos nos custos externos que lhe estão associados. Consideremos, por exemplo, as empresas dos EUA que externalizaram a sua produção e postos de trabalho para a Ásia. Os lucros dessas empresas aumentaram, mas a matéria colectável federal, do Estado e autoridades locais, diminuiu. As contribuições para a Segurança Social e o sistema de saúde Medicaid reduziram-se, pondo em causa esses dois importantes pilares da estabilidade social e política nos EUA. A matéria colectável para financiar as pensões dos professores e outros funcionários públicos diminuiu. Se as empresas que deslocaram esses postos de trabalho para países estrangeiros tivessem de absorver tais custos, não teriam lucros. Por outras palavras, muito poucos ficaram a ganhar ao empurrarem para cima de outros custos muito elevados.
Ou então consideremos algo simples como uma loja de animais. Os donos da loja e os consumidores que venderam e compraram coloridas cobras pitão, jibóias e anacondas de 18 a 24 polegadas não pensaram nas grandes dimensões que estas iriam atingir, como não o fizeram as entidades reguladoras que permitiram a sua importação. Quando confrontados com criaturas capazes de devorarem animais de estimação e crianças e de sufocarem adultos robustos, os seus proprietários desembaraçaram-se delas nos pântanos dos Everglades, onde tiveram um efeito devastador sobre a fauna e são agora demasiado numerosas para serem controladas. Os custos externos excedem muitas vezes o preço total de todas as cobras vendidas pelas lojas de animais.
Os economistas-ecologistas sublinham que o capitalismo funciona numa “economia vazia”, onde a pressão dos seres humanos sobre os recursos naturais é reduzida. Mas o capitalismo não funciona numa “economia plena” onde os recursos naturais se aproximam do ponto de exaustão[*]. Os custos externos associados ao crescimento económico, medido em termos de PIB, podem ser mais elevados do que o valor daquilo que é produzido.
Tudo indica que essa é a situação em que nos encontramos presentemente. O desaparecimento de espécies, o aparecimento de toxinas em alimentos e bebidas, na água, no leite materno, na atmosfera e terrenos, as tentativas desesperadas para obter energia através do fracturamento hidráulico (fracking) que destrói os lençóis freáticos e provoca sismos, etc. são sinais de um planeta sob pressão. Quando olhamos para a raiz de tudo isso, concluímos que os lucros que o capitalismo gerou ao longo dos séculos se devem provavelmente ao facto dos capitalistas não terem tido de absorver a totalidade dos custos da sua produção. Esses custos foram passados para o ambiente e para terceiros e as poupanças obtidas embolsadas como lucros.
Actualização: Herman Daly assinalou que, no ano passado, o jornal médico britânico Lancet estimou o custo anual da poluição como representando cerca de 6% da economia global, enquanto que a taxa anual global de crescimento económico se cifrou em cerca de 2%. A diferença representa um declínio anual de cerca de 4% no bem-estar das pessoas, não um aumento de 2 pontos percentuais. Por outras palavras, podemos encontrar-nos já numa situação em que o crescimento económico não é rentável. Ver https://www.usnews.com/news/world/articles/2017-10-19/study-world-pollution-deadlier-than-wars-disasters-hunger
© Paul Craig Roberts
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Sobre o Dr. Paul Craig Roberts
Paul Craig Roberts, economista, doutorado pela Universidade de Virgínia (EUA), com uma carreira académica que envolveu diversos compromissos universitários como professor e investigador, distinguiu-se também no jornalismo e no exercício de funções públicas. É presidente do Instituto de Economia Política (Institute for Political Economy).
Dr. Roberts foi nomeado pelo presidente Ronald Reagan, secretário adjunto do Tesouro para Política Económica. Foi editor associado e colunista do Wall Street Journal e colunista da Business Week, do Scripps Howard News Service e do Creators Syndicate. Ele teve muitos compromissos universitários. As suas colunas de internet atraíram um público mundial. Os últimos livros do Dr. Roberts são “A ameaça neoconservadora à ordem mundial”, “Como a América foi perdida” e “O fracasso do capitalismo laissez-faire”, que foram traduzidos para várias línguas na Europa e na Ásia.
[*] Cf. Herman E. Daly, “Economics In A Full World”, Scientific American, September 2005, 293, 100-107
https://www.scientificamerican.com/article/economics-in-a-full-world/ (Nota OTC)