ESTUDOS SOBRE A CIÊNCIA EM PORTUGAL

 

Rui Namorado Rosa é o autor da obra

cujo título completo é

Estudos sobre a Ciência em Portugal

(do século XVII até agora) .

Na ocasião do lançamento ocorrido no início de Setembro corrente, o Colega Augusto Fitas, da Universidade de Évora, fez a apresentação do livro. A Apresentação, abaixo reproduzida, confere à obra um valor acrescido e merece tal como o livro uma leitura atenta. Rui Namorado Rosa é um dos fundadores da OTC e preside actualmente à Mesa da Assembleia Geral da Organização dos Trabalhadores Científicos. A OTC agradece ao Prof. Augusto Fitas a autorização para publicar no nosso sítio o texto da sua Apresentação.

  Apresentação de

Rui Namorado Rosa (2018). Estudos sobre a Ciência em Portugal

(do século XVII até agora). Lisboa, ed. Página a Página.

Augusto Fitas

1.Pediram-me umas breves palavras de apresentação do livro Estudos sobre a Ciência em Portugal (do século XVII até agora) do nosso amigo Rui Namorado Rosa e é o que farei sem me alongar em demasia e gastar as vossas reservas de paciência, pois a maior parte de vós estará muito mais interessado em ouvir o autor e, quiçá, questioná-lo sobre a problemática abordada… Devo portanto começar por agradecer à editora o convite que me foi feito e estender a minha gratidão ao meu amigo Rui Namorado Rosa, o autor do livro, conivente na convocação da minha presença ― muito obrigado! E sem quebrar o compromisso que aceitei, isto é, apresentar a obra, aventuro-me por outro trilho, talvez mais sensível e relativamente mais difícil, mas necessário para se entender o contexto da matéria escrita. Proponho-me começar por falar um pouco sobre o autor. Prometo-vos ser parcimonioso em palavras, sobretudo, em adjectivos.

2.Quem ler a contracapa do livro percebe de imediato que Rui Namorado Rosa é um cientista ― palavra de amplas conotações, mas que aqui assumo como sinónimo de um estudioso da Natureza, entendida esta como o conjunto dos «fenómenos físicos» ―  um homem cuja formação especializada inicial foi feita no Reino Unido em Física dos Plasmas e que, ao fim de alguns anos, optou por se dedicar ao estudo de uma temática mais ampla, os recursos naturais e a energia. A par desta sua característica, a de cientista, sempre manifestou uma preocupação forte com as diversas questões que sobressaem da função social da ciência; não é de estranhar portante que a sua prática científica fosse sempre acompanhada pelo entendimento das implicações sociais dessa mesma prática. E, porque ciência e sociedade, nas suas trajectórias profundamente inter-relacionadas, se influenciam historicamente, também não é de estranhar que o cientista se interrogue sobre o significado histórico destas influências mútuas e, muito em particular, o porquê da ocorrência de determinados factos num tempo e num espaço bem determinado. Esperávamos este livro.

3.É neste contexto que pode ser entendido a unidade geral do conteúdo destas 250 páginas: alguns contributos para uma avaliação histórica da prática científica no espaço português ou, por outras palavras,Estudos sobre a Ciência em Portugal (do século XVII até agora) que é o título da obra em apreço.O autor não se intitula Historiador da Ciência e também lhe poupamos esse epíteto (apesar de entre nós existir uma fortíssima cumplicidade quando da sua iniciativa em criar, na Universidade de Évora, um Núcleo de Estudos de História e Filosofia da Ciência, embrião de um futuro centro de investigação apoiado pela FCT), todavia percebe-se bem que existiram historiadores da ciência que o influenciaram. Rómulo de Carvalho, a quem neste livro são dedicadasquase duas dezenas de páginas, é talvez a figura mais marcante dessa presença. Escreve o autor: «A investigação histórica de Rómulo de Carvalho toma partido no confronto entre a historiografia nessa época dominante emPortugal e a corrente historiográfica em que ele viria a inserir-se (…), a primeira exaltando as Descobertas, a Expansão e o respectivo legado científico (…) a segunda (…) encontrar, a influência real da revolução científica na nossa cultura, em particular na ciência e na técnica e no ensino» (Rosa, 2018: 187). Eis uma explicação possível para as balizas cronológicas escolhidas por Namorado Rosa para delimitar o seu trabalho. Fugindo à tese redutora, e assaz simplista, de que a nossa cultura científico-filosófica no passado tinha tido a sua época de ouro no século XVI — onde avultavam figuras como Abraão Zacuto, Gaspar Nicolas, Pedro Nunes, Garcia de Orta, André de Avelar, João de Castro e os Conimbricenses,o que correspondeu ao período das descobertas — para depois mergulhar num obscurantismo absoluto, o nosso autor — a exemplo de Rómulo de Carvalho — procurou descobrir, nos séculos seguintes, contributos diversos da actividade técnico-científica nacional e a sua razão de ser numa perspectiva histórica. É a partir desta visão geral que Namorado Rosa segue um caminho próprio, distanciando-se, pela escolha dos temas, de caminhos já trilhados por outros estudiosos.

4.Talvez seja necessário fazer um pequeno parêntesis: os capítulos do livro, até mesmo os seus subcapítulos, constituem unidades independentes, textos escritos com propósitos diferentes (em épocas diferentes) que se juntaram agora sob a capa de uma temática unificadora. Este parêntesis tem sentido porque, sem destruir a unidade conseguida pelo autor, eu vou procurar desmontá-la e focar a minha atenção naquilo que penso serem as contribuições mais interessantes conseguidas por este livro, e que o percorrem transversalmente em todos os capítulos, e que passo a expô-las.

(1) A importância das instituições, em particular das Academias, Escolas e outros organismos similares estatais, no progresso dos conhecimentos científico e técnico do Portugal dos séculos XVII em diante; é dado uma ênfase muito especial nos marcos mais importantes do ensino técnico-científico, o que se pode exemplificar com o conteúdo de vários e sucessivos capítulos: Academia Real das Ciências de Lisboa (fundada em 1779) e a Academia Real Marítima, Geográfica e Militar (1798-1807), Academia Real de Fortificação, Artilharia e Desenho os Observatórios Astronómicos e o esforço destas instituições, a par com a Universidade de Coimbra, nas Explorações Científicas e Cartografia das colónias portuguesas de então; sobre o ensino no século XVIII. (2) O papel dos estrangeiros, que a pretextos diversos são convidados a fixar-se no país, incorporando o seu saber nas necessidades de desenvolvimento de Portugal; e também dos estrangeirados, mas sobretudo como foi necessário «importar» homens e saberes para que o país não se atrasasse irremediavelmente em relação aos outros países europeus; exemplifico: ao nível do ensino, « (…) um influxo de especialistas estrangeiros, são criados mais dois regimentos de artilharia, e, com data de 1763, são criadas Aulas de Artilharia em quatro regimentos do reino (.)» (Rosa, 2018: 20) e na delimitação dos territórios, «(…) O esforço de levantamento cartográfico da América meridional foi um incentivo para o recrutamento de especialistas estrangeiros alguns dos quais vieram a fixar-se em Portugal ou no Brasil, contribuindo para o rejuvenescimento da Ciência e do Exército português (…)» (Rosa, 2018: 30), muito mais se poderia acrescentar. (3) A importância da instrumentação e do aperfeiçoamento de artífices na criação de um saber especializado e aplicado à modernização técnica do país; uma transferência de conhecimentos que vai transitando entre as diferentes instituições e que, em muitos casos, se vai consolidando associando-se ao ensino; cito: « (…) Em meados do século xix estava a funcionar em Lisboa a oficina de instrumentos científicos da Cordoaria Nacional. Porém, logo em 1852 foi criado o ensino industrial em Portugal, com o Instituto Industrial de Lisboa e a Escola Industrial do Porto (…) « (Rosa, 2018: 57). (4) Por último, embora sem grandesdesenvolvimentos, em todo o corpo de análise, ao longo dos diversos capítulos, há a preocupação de evidenciar a situação económica, as razões de estado e os valores culturais dos diferentes períodos históricos; o autor não esquece como determinadas condições socioeconómicas determinam a necessidade de desenvolvimento científico e técnico…

5.Porque as características gerais atrás apontadas estão patentes em todas as temáticas tratadas, isto é, percorrem transversalmente todos os capítulos do livro,faz-se sentir como uma falta que urge colmatar― julgo que esta questão é mais dirigida à editora que ao autor―a existência de um índice remissivo que muito enriqueceria este livro.

6.A finalizar, e valendo-me aqui do privilégio de apresentador, gostaria de apresentarduas ou três questões para discussão sobre matérias afloradas no texto:(1) muitos materiais colectados nas explorações filosóficas dos naturalistas ao serviço de Portugal «que muito enriqueceram os Museus da Ajuda e da Academia das Ciências de Lisboa (e posteriormente da Escola Politécnica de Lisboa). Apreciável soma delas foram entregues ao naturalista Geoffroy Saint-Hilaire do Museu e Jardim Botânico de Paris aquando e após as invasões francesas, o mesmo tendo acontecido com apreciável soma de matrizes ou de provas de registos gráficos colhidos nas mesmas explorações» (Rosa, 2018:34-35); e aqui permito-me pôr em dúvida o ponto de vista expresso ― o naturalista francês foi alvo de uma entrega pacífica (dentro do espírito de uma colaboração recíproca, prática frequente entre oficiais do mesmo ofício) ou pilhou os materiais (enquanto membro do séquito de Junot quando da primeira invasão francesa em 1808)? Inclino-me para a segunda posição, mas é um tema a debater…(2) Sobre a década de 50 do século passado, «o cenário havia mudado. A investigação científica e o progresso tecnológico era agora, na década de 50, uma opção do estado, materializada em investimentos de razoável vulto em laboratórios de investigação científica ou tecnológica e na formação avançada de bolseiros, em proporções não comparáveis às da década de 30» (Rosa, 2018:140); e também aqui me permito pôr em dúvida o ponto de vista do autor ― relembro, porque estudei o tema, que só na primeira metade da década de trinta do século passado (vinte anos antes), quando do fundamento da JEN (Junta de Educação Nacional) foram distribuídas cerca de 350 bolsas anuais para estágios no estrangeiro, o que correspondeu, porque muitos bolseiros pediram a prorrogação das bolsas por vários anos consecutivos, a cerca de uma centena e meia de estudantes; tudo isto nas mais variadas áreas de trabalho (Ciências, Engenharias, Medicina, Humanidades e outras) ―será que na década de 50 se atingiu este patamar? (3) Por último, escreveu Namorado Rosa, «Físicos e Químicos encontravam-se organizados naSociedade Portuguesa de Física e Química desde o princípio doséculo (vindo a separar-se em 1974)» (Rosa, 2018:144); sabemos ter sido o autor, está escrito na contracapa, um dos sócios fundadores da Sociedade Portuguesa de Física; assim, perante estes dois factos, seria bastante interessante estar incluído neste livro o seu testemunho histórico sobre a fundação desta sociedade científica.

7.Termino. Para quem pretender conhecer na História portuguesa a marcha das instituições de ensino técnico-científico, o papel dos estrangeiros que contribuíram com o seu conhecimento para o desenvolvimento do nosso país, a relevância da instrumentação e do aperfeiçoamento oficinal no saber especializado, e tudo isto devidamente enquadrado nos valores culturais do período histórico entre os séculos XVII e XX (ou parte do XXI), deverá ler Estudossobre a Ciência em Portugal (do século XVII até agora) do Rui Namorado Rosa…Os meus parabéns ao autor e muito obrigado pela vossa atenção!

9 de Setembro de 2018

Augusto Fitas