Conferência “Inovação e Conhecimento”
Teve lugar em 8 de Janeiro último na Assembleia da República a Conferência “Inovação e Conhecimento”, inserida no quadro da actividade desenvolvida pela Comissão Eventual de Acompanhamento do Processo de Definição da Estratégia «Portugal 2030» (CE PT 2030). A OTC, representada pelo Presidente da Direcção, foi convidada a participar nos trabalhos que decorreram ao longo do dia, desdobrados em três painéis. Frederico Carvalho interveio no Painel “INFRAESTRUTURAS E INSTRUMENTOS – NECESSIDADES FUTURAS”.
A amplitude do tema proposto prestava-se a abordagens variadas reflectindo as diversas experiências e interesses dos oradores convidados ainda que tivessem de ser obrigatoriamente curtas e sintéticas dado o elevado número daqueles. Os participantes representavam na sua maioria unidades ou centros de investigação do universo das instituições do ensino superior ou agregados desses centros ou unidades. Participaram também representantes de unidades de interface sector púbico-sector empresarial com vocação para promover a inovação tecnológica do nosso aparelho produtivo, em alguns casos com ligações internacionais. Esteve presente um Laboratório do Estado.
Participaram nos trabalhos deputados dos Grupos Parlamentares do PSD, PS, CDS, BE e PCP, que intervieram no final da sessão da manhã e no final da sessão da tarde.
Os trabalhos foram dirigidos pelo deputado Alexandra Quintanilha com o habitual rigor que não exclui gentileza e flexibilidade q.b..
As intervenções convidadas
Na apresentação dos objectivos da Conferência sublinhava-se a importância de aprofundar a reflexão e o debate sobre a configuração da chamada estratégia “Portugal 2030” e do quadro financeiro plurianual que lhe possa estar associado, uma e outro, em boa medida, condicionados pelas opções que prevalecerem no próximo Programa Quadro Comunitário de Investigação e Desenvolvimento que cobrirá os anos 2021 a 2027. Neste contexto, a estrutura e programação financeira do Programa Quadro será um aspecto determinante a ter em conta na perspectiva da possível captação de fundos para investimento no Sistema Científico e Técnico Nacional. Assim, seria expectável que as condições dessa captação e os possíveis montantes envolvidos surgissem com especial relevo nas abordagens da temática proposta adoptadas pelos vários participantes.
Não foi exactamente isso que aconteceu, tornando-se aparente no decurso das intervenções que as preocupações da generalidade dos intervenientes extravasavam largamente o quadro restrito da possível contribuição de fundos comunitários para a resolução de carências e dificuldades de vária ordem que se sabe existirem no Sistema Científico e Técnico Nacional. Assim, veio claramente à boca de cena a preocupação de fundo traduzida na afirmação de que para vencer essas dificuldades e carências será indispensável alterar ou reformar significativamente as regras e os montantes do financiamento, seja por fundos nacionais, seja por fundos comunitários. Estes — foi sublinhado — deverão complementar e não substituir os primeiros. Quer dizer a captação de financiamento comunitário não deverá servir de pretexto para não aumentar os fundos nacionais alocados às actividades de Investigação Científica, Desenvolvimento Experimental e Inovação. Várias intervenções sublinharam a importância de dispor de instituições fortes o que pressupõe estabilidade e previsibilidade no que toca a recursos humanos e financeiros. Neste sentido foram ouvidas críticas mais ou menos directas e incisivas às formas de gestão desses recursos praticadas pela FCT. Uma nota importante foi a recusa do modelo de “projectivização” que vem predominando, considerado incompatível com a estabilidade institucional, alicerce do sistema de Ciência e Tecnologia. Sem negar a importância do projecto, denunciando embora a excessiva burocratização dos processos de candidatura, foi apontada a necessidade de encontrar modelos mais estáveis, já que o “projecto” tem um horizonte temporal limitado e é, nessa medida, frequentemente incompatível com a exigência de continuidade associada ao sucesso da actividade de pesquisa científica.
Foi observado que a excessiva dependência de fundos competitivos decorrente do modelo de “projectivização” é fonte de grande incerteza que torna praticamente impossível às instituições a programação de investimentos a médio e longo prazo. Numa nota de carácter geral, um orador mostrou a sua satisfação pela possibilidade de participar numa iniciativa — a Conferência — que traduziria, em seu entender, o entendimento de que as questões das políticas de ciência e tecnologia interessavam não apenas ao governo mas interessavam igualmente à Assembleia da República, congratulando-se pela possibilidade dada à comunidade científica de se fazer ouvir ao mais alto nível. Quer dizer, pensamos nós, o Parlamento deve “imiscuir-se” no que tem sido, por regra e no essencial, uma coutada privada do poder executivo. Para isso, acrescentamos nós, terão os parlamentares que se preparar para ter uma intervenção inteligente incompatível com um estado geral, salvo honrosas excepções, de iliteracia científica e desconhecimento das “realidades reais” do sector da I&DE no nosso país.
Um orador alertou para o que chamou de “colonialismo” no seio da Europa por parte dos países do centro e norte relativamente aos países do sul que têm sido ao longo da História um ponto de encontro privilegiado de civilizações e podem dar um contributo fundamental para desbravar os caminhos do futuro. Desbravar, em que as Ciências Socias e Humanas são chamadas a desempenhar um papel de primeira importância, não devendo de modo algum ser menorizadas na atribuição dos meios de sustentação das actividades que lhes são próprias, aliás, com forte carácter interdisciplinar. Um orador referiu a indigência da investigação no domínio das ciências sociais e humanas em Portugal onde o escasso envolvimento de investigadores nacionais depende no essencial de financiamentos comunitários, notando ainda o facto de a FCT se mostrar pouco interessada em financiar projectos de carácter interdisciplinar. Tecnologias emergentes com carácter disruptivo como a Inteligência Artificial não são objecto da necessária atenção. Um caso de estudo, por exemplo, seria o do impacto das tecnologias sobre o mundo do trabalho. Seria importante, neste contexto, foi dito, a criação de um centro de investigação interdisciplinar.
Outra questão que sobressaiu de várias intervenções foi a do fraco impacto na economia dos resultados das actividades de I&DE. A este respeito vários oradores referiram a necessidade de promover o desenvolvimento industrial, em geral, e, em particular, relevando alguns sectores, designadamente o agro-industrial em relação ao qual se entende haver condições para que o conhecimento científico já disponível possa dar um importante contributo. A afirmação de que é muito reduzido o impacto no PIB nacional de múltiplas “start ups” criadas entre nós prende-se com a nota anterior.
A estabilidade ou sustentabilidade do emprego científico foi objecto da atenção de vários dos intervenientes ligando-a à existência de “carreiras de investigação criadas nas instituições”, formulação, a nosso ver, pouco clara de uma necessidade sentida. Referindo embora alguns avanços neste campo, assinalou-se o facto de, no essencial, se manter a “precariedade das posições de investigador”. Neste contexto — afirmou-se — “uma vez mais, a solidez das instituições vai ser essencial para a estabilidade do emprego científico”. A intervenção do representante da Associação dos Bolseiros de Investigação destacou-se pela clareza na caracterização da situação de inaceitável precariedade laboral em que um vasto número de trabalhadores científicos altamente qualificados exerce a profissão com prejuízo pessoal mas também para o desempenho das instituições de investigação e do sistema nacional de ciência e tecnologia no seu conjunto.
Foi exposta e fundamentada a necessidade de criar novas ou desenvolver estruturas existentes que permitam estabelecer ou fortalecer parcerias com o sector produtivo e, a nível internacional, participar em infra-estruturas científico-técnicas orientadas para domínios que interessam ao país como o mar ou o espaço onde, em alguns casos, como referiu um orador, deveríamos assumir uma posição de liderança. Neste (como noutros domínios) esse desígnio pressupõe a existência de uma estratégia nacional com focos bem definidos. Também aqui se sublinhou a importância de dispor de instituições com a necessária solidez, dispondo de financiamento adequado e dos recursos humanos qualificados indispensáveis. Num determinado domínio, abordado por um dos intervenientes, a comparação de montantes de financiamento entre uma infra-estrutura nacional e infra-estruturas congéneres noutros países europeus mostra diferenças de uma ordem de grandeza, 10 vezes, portanto. Vem também aqui ao de cima a necessidade de responder à pergunta: onde ir buscar os fundos necessários. Esta é uma dificuldade cronicamente levantada pelo poder executivo a que há, em nosso entender, que responder com uma revisão ousada não só de prioridades políticas mas de políticas, simplesmente, designadamente no domínio da fiscalidade. Mas como se notou acima não será com o recurso a fundos comunitários que chegaremos onde é preciso. A questão da importância de dispor de grandes infra-estruturas de investigação foi repetidas vezes sublinhada por diversos oradores. Esta questão apareceu associada à necessidade de possuir uma estratégia: saber onde devemos pôr os nossos recursos científico-técnicos e onde não os devemos pôr. Chegámos ao início do século XXI com um tecido de instituições do ensino superior e de investigação que é tremendamente frágil do ponto de vista estrutural e financeiro, foi afirmado, acrescentando que a capacidade de investimento das instituições por decisão própria é praticamente nula. Infra-estruturas sólidas e produtivas implicam recursos humanos muito qualificados com dedicação praticamente exclusiva, gestão flexível e a não dependência quase exclusiva, como acontece, de financiamento competitivo.
A importância do pessoal técnico de apoio à investigação foi sublinhada na afirmação de que “os investigadores não trabalham sozinhos”. A necessidade de quadros de pessoal de apoio, experiente e qualificado, é manifesta, particularmente lá onde a existência de infra-estruturas técnicas de maior ou menor dimensão e equipamentos por vezes muito especializados requer a presença desse pessoal para assegurar a respectiva operação e manutenção. Neste contexto foi lembrado o muito grande desinvestimento ocorrido nos últimos anos em equipamentos científicos, com implicações, na capacidade de transferir tecnologia e trabalhar com empresas, fazendo repercutir na economia resultados do trabalho científico. Foi chamada a atenção para que o grande incremento no número de doutores que se verificou nos últimos anos não foi acompanhado do necessário investimento em infra-estruturas e equipamentos, necessários para tirar o rendimento que se esperaria desse pessoal qualificado.
Como foi sublinhado numa das intervenções, as Ciências Agrárias e Ambientais merecem especial atenção justificada pela especificidade do seu objecto e pelos impactes sociais que podem esperar-se dos resultados da investigação nos respectivos domínios. Foi referida a dificuldade de definir uma estratégia devidamente adaptada às características do território nacional e do sector produtivo agrícola, também aqui, de novo e mais intimamente, associada às dificuldades de financiamento estável. Não é possível definir uma estratégia a longo prazo e em articulação com o sector sem que esteja assegurado um financiamento estável que se mantenha ao longo do tempo. Uma comparação com o que se passa em outros países, nomeadamente europeus, mostra que, no caso nacional, o chamado “core funding” (o financiamento estável não dependente de projectos competitivos ou proveniente de prestação de serviços numa base casuística) é 15 ou mais vezes inferior ao que se verifica em outros países. Neste sector, diferentemente do que acontece em outros, voltados para outros domínios do conhecimento, programas e projectos de investigação têm necessariamente que ter em conta as características próprias, no essencial irrepetíveis em outras paragens, do nosso território, da terra, dos solos, dos impactos das alterações climáticas, entre outros. Como acontece lá fora, o papel do Estado — foi sublinhado — é determinante no controlo e na monitorização de uma estrutura nacional de aquisição e transferência de conhecimento para os produtores, seus utentes. O Estado providencia as infra-estruturas e estabelece as prioridades na aquisição do conhecimento.
Intervenções dos representantes dos Grupos Parlamentares
Conforme previsto no programa da Conferência, representantes dos Grupos Parlamentares referidos acima intervieram no final da manhã, a seguir ao segundo painel, e à tarde imediatamente antes do encerramento.
No essencial, as intervenções dos deputados não trouxeram realmente nada de novo ao debate. Com efeito o que se ouviu foi a reafirmação de pontos de vista e de posições que em outras oportunidades os vários Grupos Parlamentares têm assumido e transmitido. Um aspecto todavia merece ser anotado: as intervenções que ouvimos passaram, com uma ou outra excepção, ao lado das questões levantadas pelas intervenções convidadas. Um pouco como se elas não tivessem existido ou não tivessem sido ouvidas. Não houve de facto debate algum. Contrastando com o que se ouvira nas intervenções convidadas que apontaram problemas, dificuldades e carências do Sistema Científico e Técnico Nacional, com destaque para as questões da precariedade dos recursos humanos, das instituições e dos financiamentos, e uma pesada burocracia, deixando muito claro que não será, no essencial, o recurso a fundos comunitários que poderá vir a resolver esses problemas, dificuldades e carências, os deputados presentes, com uma ou outra excepção, entenderam focar-se em questões levantadas pela experiência de execução do Programa Horizonte 2020, ainda em curso, e em questões ligadas à negociação do próximo programa, Horizonte Europa (2021-27), montantes e condições de acesso aos fundos que poderão vir a ser disponibilizados para Portugal. Como se as críticas que foram feitas à situação actual — o libelo acusatório, na expressão de um dos parlamentares intervenientes — não tivessem na sua origem outra coisa que não os fundos comunitários recebidos ou a receber. É justo notar que os representantes de um dos Grupos Parlamentares presentes, orientaram noutro sentido as suas intervenções, quer de manhã quer de tarde, sublinhando o contributo das intervenções convidadas para a identificação dos reais problemas do Sistema Científico e Técnico Nacional e para soluções e caminhos a seguir para os resolver.
Tudo o que foi dito ao longo do dia está registado e pode ser ouvido em http://www.canal.parlamento.pt/?cid=3484&title=conferencia-inovacao-e-conhecimento.
Nota final
Importa louvar a iniciativa da realização desta Conferência que é, apesar das suas insuficiências, um sinal positivo de aproximação do Parlamento à comunidade científica. Resta saber que aproveitamento fará o Governo do relatório que lhe irá ser entregue pela Comissão Eventual de Acompanhamento do Processo de Definição da Estratégia «Portugal 2030» (CE PT 2030), relatório que deverá ter em conta o resultado das diversas audições, consultas e visitas que a Comissão promoveu, e, naturalmente, os trabalhos da sessões em que se desdobrou esta Conferência “Conhecimento e Inovação” que encerrou o processo consultivo levado a cabo pela Comissão. Os méritos da Conferência devem-se em boa parte ao esforço do Deputado Alexandre Quintanilha que propôs a lista de convidados e coordenou os trabalhos que tiveram lugar no dia 8 de Janeiro.
Aos oradores convidados, foi dada a possibilidade de enviar ao cuidado da Comissão, contribuições escritas sem limite de extensão. A OTC enviou o contributo que pode ser lido aqui.