LEGISLATIVAS 2019

A Ciência, a Investigação, o Sistema Nacional de Ciência e Tecnologia, nos Programas Eleitorais dos Partidos com representação parlamentar na actual legislatura

Procurámos fazer uma análise crítica das medidas e propostas de acção política apresentadas nos programas eleitorais dos Partidos que na legislatura que se termina possuem representação parlamentar. A todos eles a OTC solicitou que lhe fosse dado conhecimento dos respectivos programas referindo ser nosso propósito dar conhecimento aos nossos associados e à comunidade científica em geral do teor do Programa na parte que contemple as actividades de Ciência, Tecnologia e Inovação.

Três forças partidárias responderam à nossa solicitação enviando-nos em formato “.pdf” o que lhes fora pedido o que nos facilitou obviamente o trabalho. Assim aconteceu com o Partido Socialista, o Bloco de Esquerda e o Partido Comunista Português. O Partido Social Democrata, o Partido do Centro Democrático e Social e o Partido Pessoas Animais e Natureza (PAN). remeteram-nos para os respectivos sítios na net.

De um modo geral, a organização do conteúdo dos diferentes programas eleitorais, assemelha-se, no sentido de que, por um lado, se procura fazer uma avaliação da situação do sector e da sua evolução no passado recente, nomeadamente, nos anos da legislatura que está findar, e, por outro, se enunciam propostas e medidas que cada força partidária entende deverem ser tomadas e seguidas no decurso da próxima e no médio prazo.

Em dois casos, Bloco de Esquerda e PAN, são considerados conjuntamente, nos programas, os sectores do Ensino Superior e da Investigação. Nos restantes encontram-se secções que respeitam especificamente este último sector.

Convidamos os interessados a ler os extractos dos vários programas relativos à área de actividade a que nos referimos. Importa todavia ter em atenção que um número significativo de medidas e propostas cuja concretização pressupõe explicitamente a existência de um Sistema Nacional de Ciência e Tecnologia renovado e eficaz, aparecem referidas em outros capítulos dos programas apresentados que não na secção que respeita directamente à ciência e investigação. Esforçámo-nos por inventariar essas medidas e propostas incluindo-as também no levantamento que procurámos efectuar, certamente com lacunas e imprecisões para as quais pedidos a compreensão dos leitores e em especial dos responsáveis partidários que contribuíram para a elaboração dos respectivos programas eleitorais. Essas medidas e propostas vão assinaladas com um asterisco.

Registamos também os links que dão acesso ao texto completo do Programa de cada uma das forças partidárias que analisámos.

https://www.psd.pt/wp-content/uploads/2019/09/programa-eleitoral_web.pdf https://todosdecidem.ps.pt/
https://programa2019.bloco.org/
https://fazsentido.cds.pt/programa.html
https://www.cdu.pt/2019/programa-eleitoral-do-pc
https://pan.com.pt/eleicoes/eleicoes-legislativas-2019/programa-eleitoral/

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Foi naturalmente difícil por razões de tempo e de espaço examinar aqui de forma exaustiva o conjunto das propostas e medidas preconizadas nos vários Programas Eleitorais que de algum modo envolvem o Sistema Nacional de Ciência e Tecnologia nas suas várias vertentes. Assim, procurámos dar atenção àquelas que entendemos terem particular relevância para a evolução futura de “questões quentes” que de há muito vêm preocupando a comunidade científica, procurando discernir o verdadeiro alcance do que é (ou parece ser) proposto, sobretudo quando aparece disperso numa neblina de boas intenções que dificilmente se crê poderem vir a ter a desejada concretização no curto espaço de uma legislatura.

Apontámos, como questões centrais, as seguintes:

Carreiras, recursos humanos e combate à precariedade laboral
Origem e mecanismos de financiamento do sistema
Gestão das instituições e centros de investigação. Composição do sistema
Adequação das políticas às necessidades do país
Ligação aos sectores produtivo e dos serviços


Carreiras, Recursos Humanos e Combate à Precariedade Laboral

PARTIDO SOCIAL-DEMOCRATA

  • Criar estímulos conducentes à contratação transparente e sustentável de docentes e investigadores por parte das instituições de Ensino Superior.

PARTIDO SOCIALISTA

  • Continuar a valorização do emprego científico, prosseguindo com o reforço do regime do contrato de trabalho como regra para investigadores doutorados;
  • Garantir o reforço das carreiras de investigação para níveis adequados à dimensão de cada instituição, bem como rejuvenescer as carreiras docentes do ensino universitário e politécnico, designadamente com recurso a investigadores que tenham tido contratos de emprego científic

BLOCO DE ESQUERDA

  • Revisão dos estatutos das carreiras (ECDU, ECDESP) com definição de critérios claros de avaliação de desempenho;
  • Valorização do Ensino Superior Politécnico, aprofundando o seu financiamento e os mecanismos de ação social, garantindo efetivamente a possibilidade destas instituições ministrarem doutoramentos e reforçando a sua capacidade na área da investigação científica;
  • Revogação do Estatuto de Bolseiro de Investigação Científica para todas as tarefas não formativas e obrigatoriedade de contratação de investigadores e investigadoras ao abrigo do Estatuto da Carreira de Investigação Científica através de um rácio mínimo de pessoal na carreira para aceder a financiamento estatal e/ou comunitário.

CENTRO DEMOCRÁTICO E SOCIAL

  • No espaço da legislatura, deve ser lançada de forma pública, e concluída de forma legislativa, a discussão sobre as carreiras docente e de investigador, e os novos contornos desejáveis para o exercício destas e de outras funções conexas.
  • A nossa opção é clara: atualizar as carreiras de docente e de investigador, numa conformação que permita interligação entre ambas;
  • Introduzir critérios de avaliação que ponderem a realização de investigação em contexto empresarial para efeitos de promoção e progressão, sempre com base no mérito do trabalho realizado.
  • Numa base regular e conhecida, deve haver lugar a concursos, para investigadores de vários níveis – desde bolsas para alunos de doutoramento a posições para cientistas coordenadores –, orientados para as necessidades do país e das instituições.

PARTIDO COMUNISTA PORTUGUÊS

  • Passar a efectivos os trabalhadores com vínculos precários, em falsa prestação de serviços dos falsos recibos verdes ou da externalização de serviços, estágios e bolsas de investigação científica.*
  • Revogação do Estatuto do Bolseiro de Investigação e sua substituição por contratos de trabalho com valorização salarial e integração em carreira; combate a todas as formas de precariedade e defesa de efectiva integração de todos os trabalhadores que suprem necessidades permanentes no SCTN; reintrodução das categorias de Estagiário e Assistente de Investigação no Estatuto da Carreira de Investigação Científica como categorias de formação de pessoal investigador; a valorização dos diversos trabalhadores da Ciência, com a aprovação de carreiras específicas (criação de Carreiras Técnicas de Apoio à Investigação, abertas a candidatos que possuam desde a escolaridade obrigatória até ao grau de doutor, e da Carreira de Operário Especializado ou Prototipista).
  • O recrutamento e formação de 10 mil técnicos e auxiliares de apoio à investigação (…);

PARTIDO ANIMAIS E NATUREZA

  • Clarificar os critérios de progressão remuneratória mínima dos docentes do ensino superior público, eliminando as situações de injustiça criadas por aplicação díspar de instituição para instituição
  • Garantir dotações suficientes para as Instituições de Ensino Superior no sentido de garantirem em devido tempo o respeito pelas progressões a que tiverem direito os seus docentes
  • Eliminar a precariedade dos vínculos laborais no ensino superior, sem prejuízo da figura de professor convidado
  • Tornar públicos os dados sobre a precariedade no ensino superior a partir do ano lectivo 2017/2018
  • Abrir concursos para docentes convidados visitantes do ensino superior cuja carga horária lectiva corresponda a necessidades permanentes de serviço;
  • Substituir bolsas de investigação por contratos de trabalho;
  • Garantir a carreira de investigação e integrar os investigadores na carreira:
  • Permitir a outorga do grau de doutor pelas instituições de ensino superior politécnico, desde que estas cumpram os rácios de doutorados na área científica do programa doutoral, previstos para as instituições de ensino superior universitário

COMENTÁRIOS ― SÍNTESE

O PSD e o PS não fogem a generalidades, que poderão não passar de boas intenções, sem adequada concretização em termos de valores envolvidos ou metas temporais. Em dois únicos casos ― BE e PCP ― é explicitamente referida a revogação do Estatuto do Bolseiro de Investigação e a sua substituição por contratos de trabalho. No caso do BE a medida aparece condicionada de forma pouco clara pelas referências a “tarefas não formativas” e a “um rácio mínimo de pessoal” de carreira para acesso a financiamento estatal ou comunitário. Também a referência ao Estatuto de Carreira de Investigação Científica (presume-se que seja o actual) deixa dúvidas sobre o destino a dar aos investigadores não doutorados. O programa do PCP é o único que refere o propósito de valorizar outros “trabalhadores da Ciência”, não investigadores, com a “aprovação de carreiras específicas”, designadamente, Carreiras Técnicas de Apoio à Investigação. O PAN é claro na posição que defende de “substituir bolsas de investigação por contratos de trabalho” sem restrições, com integração na carreira, o que mais uma vez, coloca a questão de saber de que carreira se trata: a que está em vigor ou uma carreira revista. O BE e o PAN propõem explicitamente a possibilidade da outorga do grau de doutor pelas instituições de ensino superior politécnico. O CDS considera que importa “atualizar as carreiras de docente e de investigador, numa conformação que permita interligação entre ambas”. Entretanto, mostra-se favorável à manutenção da figura da “bolsa de doutoramento”. Não há qualquer referência explícita, nomeadamente por parte do Partido Socialista, aos mecanismos aprovados na legislatura que se termina destinados a combater a omnipresente chaga da precariedade do pessoal investigador, designadamente o PREVPAP e o chamado “regime transitório” instituído pelo Decreto-Lei 57/2016. Nem á manifesta falência desses mecanismos, o que não é sinal de bom augúrio.


Origem e mecanismos de financiamento do sistema

PARTIDO SOCIAL-DEMOCRATA

  • Reorganizar as agências de financiamento como organismos independentes do Governo, visando a autonomia da C&I;
  • Criar condições para que Portugal alcance até 2030 o valor de 5% do PIB de investimento (público e privado) nas três áreas do triângulo do conhecimento (Ensino Superior, Ciência, Inovação, incluindo a Sociedade de Informação);
  • Projetar um Modelo de Financiamento de dimensão material adequada à missão, coerente e transparente, menos burocratizado, mais estável e assente na qualidade e na meritocracia;

PARTIDO SOCIALISTA

Reforçar a previsibilidade e a regularidade do financiamento em ciência:

  • Aumento progressivo do investimento em ciência até atingir 3% do PIB em 2030;
  • Restituição do IVA pago pelos centros de investigação científica sem fins lucrativos com a aquisição de bens ou serviços no âmbito da sua atividade de I&D, desde que os montantes do IVA não sejam dedutíveis;
  • Aprovação de uma Lei da Programação do Investimento em Ciência que, à semelhança da Lei de Programação Militar, conterá a programação do investimento público em ciência num quadro plurianual a pelo menos 12 anos;
  • Abertura anual, regular e na mesma altura do ano, seguida de resolução e divulgação dos resultados, de concursos para: (i) projetos de I&D&I em todos os domínios científicos; e (ii) atribuição de bolsas de doutoramento;
  • Abertura de concursos de apoio a infraestruturas de investigação e equipamentos científicos no mínimo a cada 3 anos e no máximo a cada 5 anos, devendo os mesmos ser devidamente coordenados com o Roteiro Nacional de Infraestruturas de Investigação, possibilitando assim a utilização das referidas infraestruturas e equipamentos em rede;
  • Calendarização, com pelo menos 1 ano de antecedência, das datas relevantes de todos procedimentos concursais, desde a data de abertura dos concursos à publicação dos resultados, com indicação do orçamento disponível;
  • Previsão de prazos máximos de até 9 meses para publicação dos resultados
  • Definitivos de cada concurso;
  • Melhoria da transmissão de informação para a comunidade científica portuguesa quanto a oportunidades internacionais de financiamento e respetivos processos de candidatur

Apoiar e facilitar a execução dos projetos de investigação:

  • Regularização dos fluxos de pagamentos, designadamente através da análise de pedidos de pagamento no prazo máximo de 1 mês da sua receção por parte da Fundação para a Ciência e a Tecnologia e do reembolso no próprio mês em que o mesmo seja aprovado, para evitar situações de dificuldades de tesouraria das unidades de I&D;
  • Flexibilização das regras relativas a transição de verbas entre rubricas;
  • Simplificação dos formulários de pedidos de pagamento e do processo de verificação de despesas dos projetos, com redução da evidência documental e outras burocracias, especialmente para aquisições de valor reduzido;

BLOCO DE ESQUERDA

  • Atingir na legislatura 3% do PIB em investimento em ciência e investigação.
  • Alteração do modelo de funcionamento da FCT, através da contratação de pessoal especializado, mais autonomia na decisão e ação e melhor ligação com o setor científico;

CENTRO DEMOCRÁTICO E SOCIAL

  • Estabilizar o quadro financeiro e regulatório em que a ciência e o sistema científico se insere;
  • Portugal estabeleceu, com a União Europeia, um compromisso de investimento em ciência de 3% do PIB até 2030, sendo um terço desse valor realizado através de investimento público. Essa componente deve estar integrada no Orçamento do Estado, num quadro plurianual de financiamento a 10 anos;
  • Aproveitar os fundos europeus: o PT2020 tem de ter uma execução de 100%. Em junho de 2019,das 2092 candidaturas recebidas na área de I&D só 825 tinham sido aprovadas; dos 3032 milhões de euros de investimento proposto, 912 milhões tinham sido aprovados e só 185 milhões efetivamente pagos. (…) o Estado (…) está a bloquear, em vez de facilitar, a inovação nas empresas.
  • Sistema de Incentivos Financeiros à Inovação e Investigação industrialmente orientada nas empresas, privilegiando as ligações às universidades e aos centros de conhecimento.
  • Regularizar os fluxos de pagamentos, para que não sejam as unidades de investigação a financiar as obrigações do Estado, com grande pressão sobre a gestão de tesouraria e inevitáveis consequências no desenvolvimento das atividades de investigação.
  • Um regime de reembolso de IVA para não perdermos a nossa competitividade: as instituições científicas na Alemanha, França, Espanha ou Reino Unido beneficiam de isenções ou reembolsos. Precisamos de garantir condições semelhantes,
  • Reformar a FCT: dotar a FCT de autonomia política, administrativa e financeira, para que esta possa atuar como uma verdadeira agência de avaliação e financiamento, desenvolvendo a estratégia plurianual, independentemente de ciclos políticos, de forma previsível e estável.

PARTIDO COMUNISTA PORTUGUÊS

  • Inverter o ciclo de subfinanciamento do Ensino Superior público, através de nova Lei do Financiamento, garantindo às instituições de ensino e investigação o orçamento necessário ao desenvolvimento das suas actividades e consagrar o fim do pagamento de propinas para todos os graus académicos e assegurar, simultaneamente, a existência das condições materiais e humanas adequadas ao funcionamento das instituições.*
  • (…) incremento substantivo dos investimentos público e privado, uma profunda alteração na gestão dos fundos comunitários e nas políticas de formação, investigação e desenvolvimento tecnológico (I&DT); *
  • Duplicação, até ao final da legislatura, do investimento por investigador ETI no sector público;
  • Introdução de uma taxa reduzida de IVA para as aquisições de bens e serviços no âmbito de projectos de investigação;
  • Reestruturação da Fundação para a Ciência e Tecnologia, incluindo a divulgação pública anual dos respectivos relatórios e contas;
  • Criação de um Fundo para a Inovação Tecnológica empresarial financiado pelas empresas na proporção de 1% do respectivo VAB acima de 5 milhões de Euros de volume de negócios anual, com co-gestão e co-financiamento públicos;
  • Criação de um Programa Nacional de parcerias para actividades de investigação aplicada e de inovação de produtos e processos a executar por Micro, Pequenas e Médias Empresas, mediante a negociação de contratos de projecto entre empresas e instituições públicas de I&DE, com metas e prazos definidos e com financiamento público a fundo perdido.

PARTIDO ANIMAIS E NATUREZA

  • Garantir dotações suficientes para as Instituições de Ensino Superior no sentido de garantirem em devido tempo o respeito pelas progressões a que tiverem direito os seus docentes;
  • Definir 5% do orçamento da Fundação para a Ciência e a Tecnologia (FCT) para projectos de comunicação de trabalhos científicos, promovendo assim a literacia científica e a aproximação da Academia à população (exemplo: e-books com estudos realizados.
  • Criar linhas de financiamento para a investigação, com vista ao desenvolvimento de estudos Protecção, Saúde e Bem-Estar Animal que viabilizem a adaptação dos animais em segurança, em caso de reconversão dos parques marinhos e/ou a necessidade de deslocação dos animais marinhos para zonas de reserva naturais.*

COMENTÁRIOS ― SÍNTESE

O subfinanciamento do Sistema público de Ciência e Tecnologia é, como acontece em outras áreas da nossa vida colectiva, um obstáculo de monta à necessária renovação, consolidação e expansão do sistema de que naturalmente depende a concretização de numerosas propostas avançadas nos programas partidários. Não se vê que a questão possa ser ultrapassada sem uma profunda alteração das políticas que sucessivos governos vêm adoptando há décadas. O objectivo de duplicar, até ao final da legislatura, o investimento por investigador ETI no sector público ou seja a DIDE pública nacional, exigiria, partindo dos valores actuais, uma despesa anual adicional de 1300 milhões de euros a atingir em 2023, ou seja, cerca de 0,65% do PIB nacional relativo a 2019. Em quatro anos, teríamos de despender mais 5 mil milhões de euros. O investimento por investigador ETI ficaria ainda assim consideravelmente abaixo da média da UE a 28. Como em outras áreas da nossa vida colectiva proclamar-se-á que não há recursos financeiros que permitam tais “loucuras”.

Entretanto, nos quatro anos que vão de 2014 a 2017 o financiamento público das actividades de I&DE ascendeu a cerca de 4 mil e 700 milhões de euros. Nesse mesmo intervalo de tempo, foram transferidos de Portugal para “offshores e territórios com tributação privilegiada”, para utilizar a designação do Ministério das Finanças, ou seja, para territórios onde os impostos são quase nulos ou mesmo nulos, cerca de 23 mil e 200 milhões de euros de riqueza produzida em Portugal ou obtida pelo país devido a transacções, riqueza transferida para o estrangeiro, com prejuízo para o Estado e os cidadãos residentes que a geraram. Se 20% deste montante tivesse entrado nos cofres do Estado o país poderia abraçar aquela “loucura”.

Uma outra questão colocada, quanto a nós, levianamente, em vários programas eleitorais é a ambição (legítima) de atingir até 2030 o valor de 3% do PIB para a DIDE nacional (BE é mais arrojado e propõe-se consegui-lo no prazo de uma legislatura). Amarrados a um valor apontado pelas instâncias europeias, parece não se ter em conta que 2/3 daquele valor corresponderia ao sector empresarial. Em que bases assentará a suposição de que em quatro ou em dez anos, a DIDE das empresas (actualmente de cerca de 0,7% do PIB) se multiplicará por três ou um valor próximo deste? Não suporia tal acréscimo profundas transformações das condições em que as empresas desenvolvem as suas actividades; uma alteração significativa do perfil de especialização da nossa economia? Da evolução da conjuntura externa? Pensamos que sim.

Entretanto, certas medidas propostas, mais modestas embora, devem ser sublinhadas como positivas e viáveis no curto prazo. Assim, a restituição (PS, CDS) ou redução (PCP) da taxa do IVA pago pelos centros de investigação científica. Melhor seria, a isenção, pura e simples.

Outra questão que merece referência é a quase unanimidade em considerar que a Fundação para a Ciência e a Tecnologia, carece, passe a expressão, de “levar uma volta”. Assim, a alteração do modelo de funcionamento da FCT (BE),a reforma da FCT (CDS) ou a reestruturação da Fundação (PCP), parecem ser consensuais. O PSD é mais ambicioso (mas também mais vago) ao propor a reorganização das agências (?) de financiamento como organismos independentes do Governo. Ao PS, sem surpresa, não parecem agradar reformas, reestruturações ou reorganizações. Limita-se a apostar no reforço da previsibilidade e da regularidade do financiamento em ciência, ambição a que o passado recente não empresta grande esperança de sucesso.

Finalmente, e porque se está aqui a olhar para a questão crucial do financiamento, importa questionar à luz das limitações que arrasta desde logo a obsessão pelo equilíbrio das contas públicas só perturbada, sem rebuço, pela ocasional injecção de dinheiros públicos na banca, importa questionar, dizíamos, a viabilidade e, logo, credibilidade, de um vasto conjunto de medidas que se apresentam nos programas eleitorais e que obviamente não poderão ser concretizadas sem grandes volumes de investimento e de ulteriores despesas correntes que assegurem a sua eficácia.

 

Gestão das instituições e centros de investigação. Composição do sistema

PARTIDO SOCIAL-DEMOCRATA

  • Promover a simplificação administrativa e a desburocratização do quotidiano das instituições, através um vigoroso e corajoso programa de simplificação, a todos os níveis, com incidência específica na contratação e aquisição de serviços, no reporte científico e na avaliação institucional;
  • Revisitar a missão dos Laboratórios de Estado e dos Laboratórios Associados, visando clarificar a sua missão;
  • Melhorar a estratégia de recrutamento, definindo uma estratégia abrangente e consensualizada, entre os parceiros para o Ensino Superior, a Ciência e a Inovação. Esta estratégia deve refletir uma visão integrada e incluir um programa-quadro plurianual, estável e transparente, com prioridades, níveis de financiamento e metas bem definidas;

PARTIDO SOCIALISTA

  • Promover a desburocratização e a simplificação de procedimentos na relação com os centros de investigação:
  • Abolição da necessidade de aprovação prévia da Fundação para a Ciência e a Tecnologia em anúncios de bolsas de investigação a conceder pelas unidades de I&D no âmbito dos respetivos projetos;

BLOCO DE ESQUERDA

  • Revisão do RJIES, recuperando o princípio da participação paritária entre corpos e de género nos órgãos de gestão e o princípio da eleição do ou da reitora/presidente por um colégio eleitoral alargado e representativo;
  • Transformar o Laboratório Militar num laboratório nacional de produção de medicamentos e articulá-lo com a investigação científica que se faz em Portugal.*
  • Reforço dos meios humanos e tecnológicos do Instituto Nacional de Investigação Agrária e Veterinária, das Direções Regionais de Agricultura e Pescas e do Instituto de Conservação da Natureza e Florestas *

PARTIDO COMUNISTA PORTUGUÊS

  • Promover um amplo debate nacional sobre a distribuição geográfica das instituições de Ensino Superior público, com ofertas formativas diversificadas, privilegiando uma efectiva rede pública, assegurando que nenhuma instituição pública seja encerrada; reforçar a rede de centros de investigação, criando as condições para a plena integração dos institutos politécnicos no sistema científico e tecnológico nacional.*
  • Defender o carácter unitário do Sistema de Ensino Superior Público com soluções organizativas diferenciadas e âmbitos de intervenção pedagógica diversos, sem prejuízo das diferentes missões do Universitário e Politécnico e revogar o Regime Jurídico das Instituições do Ensino Superior (RJIES) e garantir um quadro legal que valorize o papel do Ensino Superior Público no desenvolvimento económico, social e territorial e revogar o Regime Fundacional nas Instituições de Ensino Superior.*
  • Consagrar uma verdadeira gestão democrática das Instituições de Ensino Superior Público e garantir a participação e a gestão democrática das instituições, de acordo com a Constituição da República, envolvendo docentes, investigadores, estudantes e funcionários.*
  • Revitalização e reorganização da rede do sistema de Laboratórios do Estado com a sua recomposição e alargamento; clara definição das respectivas missões; adopção do «contrato-programa» com o Estado de carácter plurianual como base de financiamento das despesas de investimento; garantia de financiamento público das despesas de funcionamento; autonomia de gestão administrativa e financeira, e de selecção e recrutamento de pessoal e a reafectação da sua tutela, com os correspondentes meios, aos ministérios em que sectorialmente actuam.
  • Criação do Laboratório Nacional do Medicamento*

PARTIDO ANIMAIS E NATUREZA

  • Avaliar a aplicabilidade e exequibilidade do Regime Jurídico das Instituições de Ensino Superior.
  • Aumentar o investimento no Instituto Português do Mar e da Atmosfera (IPMA) em meios humanos e materiais, garantindo a estabilidade dos programas de investigação.*
  • Investir na substituição dos actuais modelos de experimentação animal, por modelos que recorram a outras metodologias até ao limite máximo destas possibilidades, cativando uma parte do orçamento público de cada universidade para efeitos de investigação na criação e melhoria destas alternativas éticas.*

COMENTÁRIOS ― SÍNTESE

O reconhecimento da importância dos Laboratórios do Estado como um dos pilares do Sistema Científico e Técnico Nacional é assinalado em dois dos programas, ainda que em termos distintos, mais vagos (PSD) ou mais precisos (PCP). Em dois casos é preconizada a expansão daquela componente do sistema com a recomendação da criação de um Laboratório Nacional do Medicamento (BE e PCP). No caso do PCP a proposta é mais geral e visa a revitalização e reorganização da rede do sistema de Laboratórios do Estado.

A necessidade do reforço dos meios humanos e tecnológicos afectos ao Instituto Nacional de Investigação Agrária e Veterinária é sublinhada pelo BE. O PAN preconiza o aumento do investimento no Instituto Português do Mar e da Atmosfera (IPMA) em meios humanos e materiais.

Não encontrámos qualquer referência aos laboratórios públicos nos restantes programas.

Outra questão central ― o regime jurídico das instituições do ensino superior ― é colocada nos programas do BE, do PCP e do PAN, ainda que de forma mais audaciosa no segundo caso (revogação) e mais moderada nos dois outros: revisão (BE) ou avaliação da aplicabilidade e exequibilidade (PAN).

O empenho na desburocratização e simplificação de procedimentos (com “vigor e coragem” ― PSD, ou sem outro qualificativo –.PS) é referido explicitamente pelos partidos do chamado “bloco central”. Parece realmente uma boa ideia que, havendo esse empenho, há muito poderia ter sido posta em prática. De resto é, provavelmente, uma medida que não envolveria custos significativos e mesmo talvez algumas poupanças. Veremos se o empenho sobrevive à euforia eleitoral.

 

Adequação das políticas às necessidades do país

PARTIDO SOCIAL-DEMOCRATA

  • Apostar na manutenção e modernização das infraestruturas de C&I, assegurando um conjunto coerente de infraestruturas a nível nacional, regional e local (nomeadamente, a reedição de um programa de reequipamento científico e tecnológico) num quadro estratégico de desenvolvimento do sistema científico e de relevância para a economia e a sociedade;
  • Promover o desenvolvimento da rede de Instituições de Investigação e de Inovação;
  • Promover o papel do conhecimento científico e tecnológico na definição de políticas públicas, visando: reforçar a cultura de aconselhamento científico independente nos vários sectores da administração pública;
  • Promover a investigação científica nas áreas correspondentes aos grandes desafios societais tais como saúde, ambiente, alterações climáticas, segurança alimentar, energia limpa, riscos sistémicos, segurança, espaço e oceanos;
  • No domínio da economia do mar (dar) especial relevância ao papel que as instituições científicas deverão assumir na investigação oceânica e nas pescas.
  • Concretizar no mais breve prazo a instituição do Observatório do Atlântico deve mobilizando os diferentes domínios do conhecimento através de equipas multidisciplinares.*
  • Formular um modelo de avaliação de atividade que reforce a prossecução dos grandes objetivos nacionais, consolide as instituições nas suas missões próprias diferenciadas e dê incentivos individuais e de grupo;
  • Fomentar a inovação em gestão dos recursos hídricos (e da água), impulsionando uma maior ligação às Instituições de Ensino Superior e às suas unidades de investigação, que têm múltiplos projetos de monitorização dos recursos hídricos, das suas margens, usos, etc., e que possuem equipas e equipamentos altamente especializados.*
  • Criação uma Agência do Mar (AMAR) que centralize os resultados da investigação, prospeção, incubação e que possa prestar consultadoria aos agentes científicos e económicos da economia azul. Esta Agência, em concertação com outras entidades, particularmente as universidades e as Regiões Autónomas, aprofundará o mapeamento dos fundos marítimos e a prospeção extração de componentes para as indústrias farmacêutica, cosmética e alimentar, desenvolvendo, em paralelo, a indústria da robótica subaquática.*
  • (Economia Circular) – Promover um esforço significativo de investigação e inovação para encontrar novas soluções tecnológicas e novos modelos de produção que permitam evitar o desperdício e prolongar o ciclo de vida dos produtos.*;
  • Promover a ligação das instituições de C&I à sociedade ao facilitar que esta conheça a qualidade e dimensão da atividade de C&I desenvolvida pelas instituições. Desenvolver a cultura científica dos cidadãos e fomentar o gosto pela Ciência especialmente nas crianças e jovens.

PARTIDO SOCIALISTA

  • Expandir o projeto-piloto dos serviços dos ecossistemas para todos os parques naturais, de modo a evidenciar a economia da biodiversidade e a sua valorização junto dos cidadãos e comunidades locais;*
  • Programar e executar intervenções de conservação e de recuperação de espécies (de flora e fauna) e habitats;*
  • Desenvolver programas de apoio ao restauro de serviços dos ecossistemas em risco, assim como de restauro de biodiversidade funcional (por ex., polinizadores, plantas medicinais, habitats aquáticos);*
  • Reforçar a prevenção e controlo de espécies exóticas invasoras e de doenças e pragas agrícolas e florestais, em particular nas áreas protegidas;*
  • Apoiar a investigação e a inovação ligadas à biodiversidade, designadamente através dos laboratórios colaborativos, a fim de colmatar lacunas de conhecimento de base e estimular a inovação de produtos e serviços;*
  • Assegurar a conservação da biodiversidade e da geodiversidade nas atividades de prospeção, pesquisa e exploração de recursos minerais.*
  • Evoluir para uma agricultura mais sustentável. Apoiar a investigação, desenvolvimento e aplicação de tecnologias mitigadoras associadas com a alimentação animal (digestibilidade e aditivos alimentares) *
  • Aprofundar o relacionamento com a indústria, as universidades e os centros de investigação, para reforçar os clusters empresariais e tecnológicos existentes e identificar novas oportunidades na economia azul *
  • Reforçar a observação e investigação oceânicas. Precisamos de programas de investigação coordenados e cooperativos nos domínios oceânico e marítimo, não apenas para entender o funcionamento dos oceanos e seus ecossistemas, dos quais os seres humanos fazem parte, mas principalmente para gerir sua utilização e os riscos *
  • Promover a investigação e a inovação nacional, com base numa abordagem sistémica, multidisciplinar, colaborativa e de co-design de soluções como alavanca para a mudança.*
  • Promover o uso da tecnologia para a proteção e salvaguarda de ativos florestais e espaços verdes de importância nacional *

BLOCO DE ESQUERDA

  • Apoio à investigação e preservação dos recursos marítimos, envolvendo administração central, universidades, institutos científicos, e associações de pescadores e de defesa do ambiente *
  • Acesso a medicamentos com aposta na produção do Estado. São muitos os exemplos de medicamentos que são retirados do mercado porque a indústria deixa de ter interesse comercial nos mesmos ou de medicamentos que são comercializados a preços excessivamente elevados, dificultando a introdução de novos medicamentos nos países. Portugal tem capacidade instalada para a produção de medicamentos e outros produtos de saúde para uso humano. É preciso investir nessa estrutura e promover a sua articulação com a investigação que se faz em universidades e centros de investigação. Transformar o Laboratório Militar num laboratório nacional de produção de medicamentos e articulá-lo com a investigação científica que se faz em Portugal melhorará o acesso a medicamentos e produtos de saúde*

CENTRO DEMOCRÁTICO E SOCIAL

  • As empresas não têm de adaptar-se à ciência, é a ciência que tem de procurar respostas para as empresas e para a indústria
  • (…) incentivar a investigação clínica em Portugal, e (…) passar da teoria à prática.*
  • Reconhecimento efetivo do tempo dedicado à investigação nos horários dos profissionais do SNS.*
  • (…) dar tempo à investigação científica e educação médica dos profissionais do SNS*
  • Determinar que em cada conselho de administração hospitalar, em particular dos hospitais universitários, exista um elemento especificamente dedicado à promoção da investigação científica e gestão de ensaios clínicos.*
  • (…) responder aos desafios que o território enfrenta, nomeadamente com as alterações climáticas, impõe a aposta numa investigação aplicada concertada entre os vários agentes do sector (agro-alimentar) e as entidades do sistema científico e tecnológico nacional, bem como a aposta na internacionalização das empresas na procura de novos mercados*
  • (…) garantir a disponibilidade de verbas para o financiamento do estudo aplicado da investigação de forma a encontrar soluções para novas pragas e doenças (agrícolas e florestais), desenvolver culturas mais resistentes ao stress hídrico e com maiores produtividades.*
  • (…) garantir a intensificação de uma investigação aplicada, concertada com a academia e os agentes do setor, envolvendo os centros de competência já criados para o sobreiro, o pinheiro bravo e o pinheiro manso, e reforçando a transferência de conhecimento para os produtores.
  • Colocar o Navio de investigação oceanográfica Mar Portugal a funcionar plenamente *

PARTIDO COMUNISTA PORTUGUÊS

  • Definição de uma política de Ciência & Tecnologia que atenda às necessidades e especificidades da economia nacional e consagre a intervenção efectiva da Assembleia da República na elaboração e avaliação das políticas de Ciência e Tecnologia e no acompanhamento da sua execução.
  • Aumento da incorporação de Ciência e Tecnologia e inovação nos processos e nos produtos, para acréscimos na produtividade e na competitividade. *
  • (…) compromisso em defender que os benefícios decorrentes dos avanços tecnológicos sejam aplicados: ao serviço da economia nacional e da melhoria das condições de vida dos trabalhadores e do povo e na segurança social, combatendo a apropriação privada dos ganhos obtidos com o desenvolvimento tecnológico; numa justa repartição da riqueza produzida, na melhoria das condições de trabalho e na segurança no emprego, na redução do tempo de trabalho e na eliminação de tarefas penosas e repetitivas e ritmos intensivos de trabalho.*
  • Programa de avaliação nacional do estado dos recursos (pesqueiros), com reforço da acção dos Laboratórios do Estado e de meios para a investigação.*
  • Fiabilidade e segurança dos serviços (de telecomunicações), investigação e desenvolvimento tecnológicos nas várias plataformas e realizar os investimentos de carácter funcional e tecnológico necessários.*
  • Investimento na investigação científica e no desenvolvimento da tecnologia visando a evolução dos meios de produção e uma actividade económica cada vez menos poluente, com a rejeição do patenteamento da vida e dos organismos geneticamente modificados.*
  • Valorização da investigação fundamental livre em qualquer domínio, e das actividades de investigação no domínio das Ciências Sociais e Humanas, com o reforço dos meios que lhes são atribuídos.
  • Fortalecimento do sistema estatístico nacional com a salvaguarda da sua independência financeira e técnico-científica e o reforço dos meios humanos e materiais do Instituto Nacional de Estatística (INE).

 PARTIDO ANIMAIS E NATUREZA

  • Estimular a investigação e redireccionar apoios públicos para a neutralidade carbónica e fazer da fiscalidade um instrumento de transição para uma economia de carbono zero.*
  • Investir na investigação de novas soluções de produção maremotriz.*
  • Criar uma plataforma de base de dados online gratuita (open access) com o objectivo de integrar os dados existentes nas várias entidades (IPMA, APA, Sistema Nacional de Informação de Recursos Hídricos, ICNF) num instrumento conjunto para facultar informação no apoio à decisão e investigação (exemplo: cartas de solos, ocupação do solo, recursos hídricos, meteorológicos e florestais).*

COMENTÁRIOS ― SÍNTESE

A adequação das políticas às necessidades do país é, também ela, uma questão central que deve ser objecto de séria consideração. Todos os programas eleitorais reflectem, em medidas propostas, a importância da questão. À partida importa lembrar que a ausência de uma política científica vem sendo ao longo dos anos um factor impeditivo de uma adequada e efectiva orientação do trabalho científico desenvolvido entre nós para dar a resposta possível a necessidades sociais, económicas e culturais do país. A leitura atenta dos programas eleitorais apresentados pelas várias forças partidárias leva-nos a dizer que, de um modo geral, não será por não haver consciência daquelas necessidades que estamos onde estamos.

Para o PSD, num “quadro estratégico de desenvolvimento do sistema científico e de relevância para a economia e a sociedade”, importa apostar no “papel do conhecimento científico e tecnológico na definição de políticas públicas”, e entende a importância de “reforçar a cultura de aconselhamento científico independente nos vários sectores da administração pública”. Referindo, de seguida, a necessidade de “promover investigação científica nas áreas correspondentes aos grandes desafios societais tais como saúde, ambiente, alterações climáticas, segurança alimentar, energia limpa, riscos sistémicos, segurança, espaço e oceanos”. Não esquecendo a “economia do mar” e a gestão dos recursos hídricos e da água.

A grande incógnita, como já acima sublinhámos, é saber onde estão os recursos humanos, materiais e financeiros que inevitavelmente terão de ser encontrados para que tanta ambição (positiva) gere os frutos pretendidos. Há em nosso entender uma grande inconsequência neste enunciado de intenções que reside exactamente aí.

O PS não é tão abrangente nos propósitos que exprime focando-se principalmente, em questões que dizem respeito ao meio ambiente, com relevo para a conservação da biodiversidade e da geodiversidade, agricultura sustentável, economia azul, observação e investigação oceânicas. Mesmo assim permanece a incógnita referida atrás.

O BE refere a investigação e preservação dos recursos marítimos, e sublinha a importância da produção nacional de medicamentos. O CDS está claramente mais preocupado com as alterações climáticas e o seu impacto no sector agro-alimentar, pragas e doenças (agrícolas e florestais), culturas mais resistentes ao stress hídrico, investigação aplicada dirigida a espécies florestais, designadamente, sobreiro, pinheiro bravo e pinheiro manso. E ainda a investigação oceanográfica. O PAN sublinha a importância de alcançar a “neutralidade carbónica” na economia e considera necessário investir na investigação de novas soluções de produção maremotriz.

Como se vê, juntando tudo, não faltam pistas para pôr de pé uma política científica orientada para a satisfação das necessidades do país. Resta saber quem a construirá, como a construirá e com que meios.

O PCP, por seu lado, coloca-se numa perspectiva algo distinta, na medida em que enuncia sobretudo linhas de acção política e orientações gerais, mais do que domínios concretos de especialização do trabalho científico a desenvolver. Assim., preconiza expressamente a necessidade de definir uma “política de ciência e tecnologia que atenda às necessidades e especificidades da economia nacional”. E considera que a lei deve consagrar “a intervenção efectiva da Assembleia da República na elaboração e avaliação das políticas de Ciência e Tecnologia e no acompanhamento da sua execução”. Entende que “os benefícios decorrentes dos avanços tecnológicos” devem ser aplicados “ao serviço da economia nacional e da melhoria das condições de vida dos trabalhadores (…) combatendo a apropriação privada dos ganhos obtidos com o desenvolvimento tecnológico”; defende “uma justa repartição da riqueza produzida, na melhoria das condições de trabalho e na segurança no emprego, na redução do tempo de trabalho e na eliminação de tarefas penosas e repetitivas e ritmos intensivos de trabalho”.

Noutro plano, preconiza a avaliação nacional do estado dos recursos (pesqueiros); a investigação e desenvolvimento tecnológicos nas várias plataformas de telecomunicações; um esforço no sentido da evolução dos meios de produção para uma actividade económica cada vez menos poluente, e a “rejeição do patenteamento da vida e dos organismos geneticamente modificados”. Sublinha ainda a importância da investigação no domínio das Ciências Sociais e Humanas.

 

Ligação aos sectores produtivo e dos serviços

PARTIDO SOCIAL-DEMOCRATA

  • Intensificar a ligação ao setor empresarial, adotando estímulos vários de designadamente: desenvolvimento da formação pós-graduada, incluindo doutoramentos com empresas; melhoria dos mecanismos fiscais de estímulo à investigação empresarial; melhoria do acesso ao financiamento com capital de risco; promover o envolvimento de PMEs em projetos de I&D em consórcio; e promover as condições para o crescimento das empresas (“scale up”);
  • Recuperar o programa JTI – Jovens Técnicos para a Indústria, desenvolvendo com o apoio dos Centros Tecnológicos Sectoriais, programas de incentivo à integração dos nossos jovens licenciados, nas áreas científicas, tecnológicas e de gestão, nas empresas portuguesas.*
  • Criar um programa JDI – Jovens Doutorados para a Indústria, desenvolvendo, com o apoio das Associações Empresariais Nacionais, programas de incentivo à integração dos nossos jovens doutorados, nas áreas científicas, tecnológicas e de gestão, nas empresas portuguesas, substituindo, com vantagens para a economia portuguesa, o atual sistema de bolsas de investigação (Estes doutorados, integrados nas empresas, teriam prioridade na contratação, como Professores Convidados, para disciplinas aplicacionais, nas Universidade Públicas – trazendo uma maior ligação entre as universidades e as empresas, entre a teoria e a prática).*
  • Desenvolver, com o apoio dos Centros Tecnológicos Sectoriais, programas de formação, qualificação e certificação de quadros técnicos intermédios, preenchendo, adequadamente a fileira de conhecimento das empresas portuguesas mais dinâmicas.*
  • Adaptar de forma consistente a formação de doutorados ao seu futuro contributo para as empresas e outras organizações sociais, melhorando o estímulo à inserção destes novos doutorados no tecido social, em particular nas empresas;
  • Criar condições para a circulação de investigadores entre o sector académico e empresarial, e para a sua mobilidade geográfica;
  • Fortalecer o ecossistema de inovação, desenvolvendo um plano integrado de promoção da inovação, com políticas e instrumentos coerentes e complementares, capazes de assegurar o desenvolvimento sistémico, eficaz e eficiente, em articulação com os subsistema do ensino superior e da ciência, mas igualmente incorporando a colaboração indispensável das instituições de interface, dos clusters, dos parques de ciência e tecnologia, das incubadoras (sobretudo as de base científica e tecnológica), das grandes empresas, das entidades de formação profissional e de entidades setoriais relevantes;

PARTIDO SOCIALISTA

  • Estreitar as relações entre empresas e entidades do sistema científico e tecnológico nacional, explorando as sinergias entre o tecido empresarial, as instituições de ensino superior e os centros de investigação e desenvolvimento.*
  • Reforçar e expandir os Laboratórios Colaborativos no interior, potenciando a sua integração na rede de suporte ao desenvolvimento tecnológico do território em que se integram.*
  • Criar incentivos à intensificação do registo de modelos de utilidade e de patentes nacionais e internacionais, quando associadas a empresas portuguesas e entidades do sistema nacional, científico e tecnológico;

CENTRO DEMOCRÁTICO E SOCIAL

  • Propomos que, até 2023, pelo menos 20% das Bolsas de Doutoramento concedidas pela FCT sejam destinadas a programas de doutoramento em contexto de empresa – com contratualização entre as três partes quanto às condições do programa e direitos sobre a investigação realizada.
  • Queremos fomentar o agrupamento dos setores industriais em clusters, ligando universidades, institutos politécnicos e centros de investigação com empresas e respetivas associações nos vários setores da indústria portuguesa.
  • Garantir que Portugal se torna no melhor país da Europa para inventar e criar. Reforçar o papel dos Gabinetes de Apoio à Propriedade Intelectual (PI) inseridos nas Entidades do Sistema Tecnológico e nas Universidades, dotando-os de recursos e capacidade para fomentar a PI enquanto valor económico para as empresas e para o país.

PARTIDO COMUNISTA PORTUGUÊS

  • Defesa e desenvolvimento da produção nacional – indústria, agricultura e pescas – analisando os impactos da economia digital sector a sector; potenciando os recursos naturais e humanos do país; qualificando e integrando as suas forças produtivas; desenvolvendo a investigação, a ciência, a tecnologia e a inovação. Uma estratégia de divulgação, pedagógica e formativa, para a compreensão e uso adequado pelos cidadãos das «novas tecnologias», contribuindo para uma sociedade mais justa, inclusiva e desenvolvida.*
  • Dinamização dos investimentos, público e privado, e das acções de investigação e inovação associadas à produção, visando a alteração do actual perfil de especialização da economia.*
  • Criação de um Fundo para a Inovação Tecnológica empresarial financiado pelas empresas na proporção de 1% do respectivo VAB acima de 5 milhões de Euros de volume de negócios anual, com co-gestão e co-financiamento públicos e a criação de uma Agência para o Desenvolvimento e Transferência de Tecnologias que promova e facilite a transferência para o tecido produtivo das descobertas e inovações dos Centros de Investigação e a resposta destes às necessidades das empresas; criação de um Programa Nacional de parcerias para actividades de investigação aplicada e de inovação de produtos e processos a executar por Micro, Pequenas e Médias Empresas, mediante a negociação de contratos de projecto entre empresas e instituições públicas de I&DE, com metas e prazos definidos e com financiamento público a fundo perdido.

PARTIDO ANIMAIS E NATUREZA

  • Criar linhas de apoio à inovação empresarial para a criação de novas empresas e novos produtos no sector agro-alimentar que apresentem soluções para os desafios ambientais e contribuam para a redução da pegada ecológica*
  • Criar um programa de incentivos que assegure a possibilidade de as empresas do sector privado cofinanciarem, conjuntamente com a FCT, as propinas do doutoramento de estudantes em contrapartida de uma futura integração na empresa pelo período mínimo equivalente ao doutoramento.*

COMENTÁRIOS ― SÍNTESE

Com uma ou outra excepção, têm natureza meramente qualitativa, as propostas e medidas contidas nos vários programas eleitorais dirigidas no sentido de promover a ligação das actividades de investigação e desenvolvimento às actividades económicas e, desse modo, fazê-las beneficiar dos seus frutos, desenvolvendo, em quantidade e qualidade, a produção nacional. Propostas e medidas que não exprimem mais do que intenções: de promover, intensificar, criar, adaptar, defender, estimular, interagir, criar mecanismos e parcerias intersectoriais. O que na realidade iria ou não acontecer se pudessem ser concretizadas, é algo dificilmente previsível, não só pelo facto de que quase tudo o que se propõe depende para ter êxito da outra parte: as empresas e agentes económicos em geral. E a forma como estes se mostrarão dispostos a uma colaboração que implicará aceitar condições contratuais a definir no futuro. Numa economia de mercado este é um aspecto essencial. Estreitar relações, explorar sinergias, é naturalmente importante. No entanto, há sempre mais do que uma parte envolvida e, uma delas, o poder público ― importa sublinhar ― frequentemente não mostra, em políticas e acções concretas, ser capaz de defender o interesse nacional. Assim, é grande a probabilidade de que as ligações da ciência, da investigação e da inovação aos sectores produtivo e dos serviços sirvam menos os interesses da comunidade científica e o interesse nacional do que os interesses dos grandes grupos empresariais. Não é esse em nosso entender o caminho a seguir.

Certas formulações que se encontram em alguns dos programas eleitorais relevam, não tanto uma qualquer realidade objectiva, mas antes o que em inglês se chama “wishful thinking”: “garantir que Portugal se torna no melhor país da Europa para inventar e criar”(CDS) ou “traze(r) uma maior ligação entre as universidades e as empresas, entre a teoria e a prática” dando “prioridade na contratação, como Professores Convidados, para disciplinas aplicacionais, nas Universidade Públicas” a “doutorados, integrados nas empresas” (PSD).

Outras formulações são excessivamente vagas como: “fortalecer o ecossistema de inovação, desenvolvendo um plano integrado de promoção da inovação” (PSD). A fraca apetência do sector empresarial pelo recrutamento de doutores poderia segundo o PAN ser minorada levando as “empresas do sector privado” a cofinanciar, “conjuntamente com a FCT, as propinas do doutoramento de estudantes em contrapartida de uma futura integração na empresa pelo período mínimo equivalente ao doutoramento”. Por seu turno, o PS propõe o reforço e expansão, no interior do país da, em nosso entender, duvidosa figura dos Laboratórios Colaborativos.

Poucos são os casos em que se apresentam medidas com alguma quantificação. É o caso do CDS que propõe que “20% das Bolsas de Doutoramento concedidas pela FCT sejam destinadas a programas de doutoramento em contexto de empresa”, “bolsas” que o partido, naturalmente, acha que devem manter-se.

Por sua vez, o PCP subscreve algumas medidas “arrojadas”, desta vez, satisfatoriamente especificadas e quantificadas. Assim, propõe a “criação de um Fundo para a Inovação Tecnológica empresarial a financiar pelas empresas na proporção de 1% do respectivo VAB acima de 5 milhões de Euros de volume de negócios anual, com co-gestão e co-financiamento públicos”. Propõe ainda “a criação de uma Agência para o Desenvolvimento e Transferência de Tecnologias que promova e facilite a transferência para o tecido produtivo das descobertas e inovações dos Centros de Investigação e a resposta destes às necessidades das empresas”. E, finalmente. “a criação de um Programa Nacional de parcerias para actividades de investigação aplicada e de inovação de produtos e processos, a executar por Micro, Pequenas e Médias Empresas, mediante a negociação de contratos de projecto entre empresas e instituições públicas de I&DE, com metas e prazos definidos e com financiamento público a fundo perdido”.


Damos aqui por terminada a análise crítica das medidas e propostas de acção política nos domínios da ciência fundamental, tecnologia e inovação, apresentadas nos programas eleitorais dos Partidos com representação parlamentar na legislatura que se termina. Certamente imperfeita e incompleta, poderá, entretanto, ter alguma utilidade para quem quiser aprofundar o sentido e credibilidade das intenções programáticas propostas ao escrutínio dos cidadãos eleitores que entendam pronunciar-se no próximo dia 6 de Outubro.


28 de Agosto de 2019