EMERGÊNCIA CLIMÁTICA E ACTIVIDADES HUMANAS
OS LIMITES AO CRESCIMENTO
Frederico Carvalho
Intervenção no Debate promovido pela Associação Intervenção Democrática,
Hotel Roma, 7 de Dezembro de 2019
Em 1971, foi dado a público o resultado de um estudo, encomendado a uma equipa de investigadores do Instituto de Tecnologia de Massachusetts pelo chamado Clube de Roma. O estudo tinha por objectivo prever as consequências a médio e longo prazo para as sociedades humanas e o mundo natural, do prosseguimento de um caminho de desenvolvimento económico e social assente no contínuo crescimento da produção de bens materiais, acompanhado do crescimento acelerado da população mundial que se verificava e hoje continua a verificar-se. O estudo tirou partido de um programa de simulação em computador criado por um investigador daquele instituto. Em 1972 o relatório do estudo foi publicado em livro com o título “Limites ao Crescimento” [1] Desde então foram vendidos cerca de 30 milhões de exemplares em trinta línguas.
Na simulação das consequências da interacção entre os sistemas do planeta Terra e os sistemas humanos, cinco variáveis foram tomadas em consideração na descrição dos padrões de crescimento: população mundial, industrialização, poluição, produção de alimentos e esgotamento de recursos. A problemática das alterações climáticas não estava então ainda na ordem do dia.
Na altura, os autores do estudo resumiram assim, em poucas linhas, o seu pensamento: “Após exame dos resultados das simulações informáticas efectuadas, a equipa de investigadores chegou às seguintes conclusões: tendo em conta o status quo, isto é, a não alteração das tendências históricas de crescimento, os limites do crescimento na Terra tornar-se-ão evidentes daqui até 2072, o que provocará um declínio brusco e incontrolável da população e da capacidade industrial”.
No estudo “Limites ao crescimento” não podiam ser feitas com segurança previsões específicas mas apenas apontadas linhas gerais de uma possível evolução futura das sociedades humanas tendo em conta, por um lado, a finitude dos recursos naturais, ainda que imperfeitamente conhecida, e, por outro, um crescimento exponencial da população e o impacte que necessariamente tem sobre o ritmo de esgotamento desses recursos.
Trinta anos mais tarde, membros destacados do grupo de investigadores, responsável pelo trabalho que conduzira à publicação de “Limites ao Crescimento”, procederam à revisão e actualização da obra publicada em 1972. O novo livro foi dado a público em 2004 com o título “Limites ao Crescimento: Actualização 30 Anos depois” [2] Um dos autores, o Prof. Dennis Meadows, então no MIT, onde dirigiu o Projecto do Club de Roma sobre a “Situação Difícil da Espécie Humana”, deu a público nessa altura uma entrevista na qual, olhando retrospectivamente para as três décadas anteriores, explicou [3]: “Em 1972 era inconcebível para a maioria que os impactos físicos das actividades humanas pudessem avolumar-se a ponto de alterar processos naturais básicos do globo. Mas hoje, rotineiramente, observamos, reconhecemos e discutimos, o buraco do ozono, a destruição das pescarias marítimas, as alterações climáticas e outros problemas globais”. Importa notar que, se na sua versão dos anos 70, o discurso sobre “limites ao crescimento” se focava sobre a questão de como reduzir o ritmo do crescimento, em 2004 a mensagem era outra: “Temos agora que dizer às pessoas como gerir um decréscimo programado das suas actividades para valores abaixo dos limites impostos pelos recursos naturais”. Reparemos na diferença entre crescimento reduzido e decrescimento. É esta a diferença de crucial importância entre o paradigma de desenvolvimento actual e aquele que entendemos ser indispensável adoptar se se quiser assegurar um futuro sustentável no planeta para a nossa espécie.
Dez anos mais tarde, Graham Turner, investigador da Universidade de Melbourne, procura avaliar em que medida a situação existente em 2014 e a evolução verificada ao longo de quase 40 anos, se mostram conformes com as previsões de 1972 do grupo do MIT [4]. Apoia-se numa compilação exaustiva de dados publicados por diversos organismos do sistema das Nações Unidas, da Administração Oceânica e Atmosférica Nacional dos EUA, e ainda de outras fontes como o Relatório Estatístico da British Petroleum sobre a Energia Mundial. O estudo confirma que as previsões do livro “Limites ao Crescimento” se mostram correctas, no fundamental.
As previsões de 72 assentavam na hipótese de um cenário de evolução correspondente à manutenção daquilo que em inglês se designa por “Business As Usual” ― o cenário BAU. Ora, este, numa tradução livre, “o negócio como habitual” é o que de facto, no essencial, se vem mantendo, pelo que as conclusões de Turner não devem ser motivo de espanto.
De acordo com o estudo, o cenário corrente de “Business As Usual” levaria ao colapso global da economia e do meio ambiente em que, em consequência de uma disrupção das funções económicas normais, as condições de vida se degradariam a um ritmo superior ao do crescimento historicamente verificado, impondo, subsequentemente, o decréscimo da população mundial. Teríamos assim em perspectiva um colapso económico e social neste século.
A exploração intensa e desregrada dos recursos naturais associada ao crescimento sem limites dá uma nova dimensão ao impacte das actividades humanas sobre o mundo natural ― clima e ecossistemas da Terra. O impacte global dessas actividades começa a ser significativo a partir de fins do século XVIII com a entrada em cena da máquina a vapor, momento histórico tomado por muitos autores como o início do mais recente período geológico, o chamado Antropoceno. A marca da actividade humana aparece com clareza nos gráficos abaixo.
Concentração atmosférica de CO2 nos últimos 40 000 anos
(em partículas por milhão)
A observação destes gráficos suscita justificada preocupação por mostrarem uma evolução extraordinariamente rápida dos valores das grandezas representadas num muito curto período histórico.
Interessa saber também que desde o início da Revolução Industrial a população mundial é multiplicada por 7. Em 2001 a taxa de crescimento da população mundial era de 1,3% ao ano o que corresponde a uma duplicação em 55 anos.
Por seu lado, o consumo de energia primária aumentou 20 vezes.
O aquecimento global, questão central do nosso tempo
Pesam ameaças graves sobre o futuro da humanidade na Terra.
São ameaças de distinta natureza, a todas sobrelevando, em nosso entender, pelas consequências que lhes estão associadas, a ameaça de guerra nuclear e o aquecimento global. No actual contexto geopolítico em que se assiste a um crescendo de tensões entre potências nucleares e ao recrudescimento de uma corrida aos armamentos, há uma probabilidade não desprezável de que um conflito nuclear possa ser desencadeado por erro de cálculo ou falência técnica de sistemas de alerta. No passado, no chamado período da “guerra fria”, tal já esteve perto de acontecer. A situação é hoje mais séria porque então se mantinham canais de comunicação entre as duas maiores potências nucleares que hoje não existem. Importa também ter em atenção que um conflito nuclear pode ser desencadeado por potências nucleares menores que têm já ou podem vir a ter interesses incompatíveis nas suas zonas de influência. É o caso do Paquistão e da Índia. Mesmo um conflito nuclear regional, digamos assim, poria em risco a sobrevivência da vida sobre a Terra, em consequência da formação de “nuvens de cinzas” constituídas por aerossóis de partículas de carbono, que ascenderiam à estratosfera impedindo a radiação solar de atingir o solo. As cinzas seriam o resultado dos incêndios provocados pelas explosões nucleares e da formação de tempestades de fogo, nomeadamente em zonas urbanas. Em artigo publicado no Boletim dos Cientistas Atómicos, Alan Robock, professor no Departamento de Ciências Ambientais, na Universidade de Rutgers (EUA), diz-nos o seguinte [5]: “ hoje sabemos que os efeitos atmosféricos de um conflito nuclear se prolongariam por pelo menos uma década (…). De acordo com os nossos cálculos, uma guerra nuclear regional entre a Índia e o Paquistão, que usaria menos de 0,3 por cento do arsenal global existente, provocaria uma alteração climática sem precedentes nos registos históricos da humanidade e uma diminuição global do ozono de dimensão idêntica ao buraco actual na camada de ozono mas que se distribuiria por todo o planeta.” No caso de um conflito nuclear generalizado a temperatura média à superfície do globo poderia descer consideravelmente e manter-se assim durante vários anos com graves consequências para as actividades agrícolas e, é claro, a produção de alimentos.
Mau grado o cenário terrível de um conflito nuclear, há razões para pensar, que ele é evitável. Daí ser compreensível o entendimento de que a ameaça mais séria que hoje se perfila no horizonte é o aquecimento global, fenómeno que está em marcha e que importa contrariar.
Nem todos pensam assim, todavia, e negam a própria existência do problema.
Em publicação recente do “Correio da UNESCO” pode ler-se um artigo intitulado: “Antropoceno: os desafios vitais de um debate científico” que procura entender essa posição de “negação colectiva”[6]. Citamos uma passagem do artigo em que os autores adiantam possíveis razões para o facto:
“Por que nos recusamos a ver isso? Poderá haver várias razões: uma fé cega no progresso e no desenvolvimento – por outras palavras, num sistema que faz crescer indefinidamente a riqueza disponível ― e a crença na capacidade da ciência e da tecnologia para resolver todos os problemas e externalidades negativas (como a poluição, por exemplo); poderosos interesses que tiram benefícios dessa dinâmica e realizam um lobbying intenso; o controlo pelos meios de comunicação social do imaginário dos consumidores, criando uma ânsia pelo consumo individual, visando tanto o conforto, quanto o distinguir-se e ser reconhecido.”
Os autores acrescentam: “Surpreende que as Ciências Sociais e Humanas tenham ignorado esta questão durante tanto tempo uma vez que se trata de moldar o futuro da humanidade”.
As duas ameaças ― a nuclear e a climática ― têm natureza e características distintas, deve sublinhar-se. Ainda que ambas as ameaças possam por em causa a sobrevivência da nossa espécie e da maior parte dos organismos vivos mais evoluídos que habitam o planeta, a catástrofe nuclear esgotar-se-ia num período de tempo relativamente curto; os efeitos da mudança climática prolongar-se-ão por períodos de tempo muito longos e serão ressentidos por sucessivas gerações.
Vale a pena demorarmo-nos um pouco sobre a questão do crescimento económico, desde logo para fazer notar que “crescimento económico” não se identifica com “aumento do bem-estar social”. Nem em quantidade nem em qualidade e que é além disso incompatível com o objectivo de um desenvolvimento sustentável que permita poupar a humanidade às consequências da ameaça climática.
O economista norte-americano Herman Daly, fundador da disciplina designada por “Ecologia Económica” também conhecida por “Economia Estacionária”, chama a atenção para a estimativa publicada na conhecida revista médica britânica, Lancet, que aponta para um custo anual da poluição de cerca de 6% da economia global ao passo que a taxa do crescimento económico global se aproxima de 2% ao ano. Estes valores, afirma, traduzem uma diminuição do bem-estar de 4% ao ano não um crescimento de 2%. Por outras palavras, acrescenta, poderemos encontrar-nos já numa situação em que o “crescimento económico” não é económico (“uneconomic”, é a expressão que usa).
A fonte desta informação é um artigo do Dr. Paul Craig Roberts, economista, que foi Secretário Adjunto para a política económica do Departamento do Tesouro dos EUA, na administração de Ronald Reagan. O artigo, republicado com autorização do autor, no sítio internet da Organização dos Trabalhadores Científicos, tem o título “Estará o capitalismo a matar-nos?”. No artigo, o autor faz notar que:
“não sendo os custos externos da poluição e o do esgotamento dos recursos, incluídos no Produto Interno Bruto, não sabemos se um aumento do PIB representa um ganho ou uma perda”. E acrescenta: “Os custos externos são significativos e estão a aumentar. Historicamente, as empresas industriais e transformadoras, a agricultura industrializada, os sistemas de saneamento urbano e outros transgressores habituais transferiram os custos das suas actividades para o ambiente ou para terceiros.”
Vem-se acentuando o entendimento por parte de observadores qualificados, independentes, atentos à situação mundial nos planos social, económico e político, de que o combate à emergência climática, em actos e não simplesmente em palavras, é incompatível com a manutenção do status quo geopolítico e do paradigma do “business as usual”.
No artigo citado, Paul Roberts de novo apoiando-se em Herman Daly, escreve:
“Os economistas-ecologistas sublinham que o capitalismo funciona numa “economia vazia”, onde a pressão dos seres humanos sobre os recursos naturais é reduzida. Mas o capitalismo não funciona numa “economia plena” onde os recursos naturais se aproximam do ponto de exaustão” [7].
E acrescenta:
“Os custos externos associados ao crescimento económico, medido em termos de PIB, podem ser mais elevados do que o valor daquilo que é produzido.
Tudo indica que essa é a situação em que nos encontramos presentemente. O desaparecimento de espécies, o aparecimento de toxinas em alimentos e bebidas, na água, no leite materno, na atmosfera e terrenos, as tentativas desesperadas para obter energia através do fracturamento hidráulico (fracking) que destrói os lençóis freáticos e provoca sismos, etc. são sinais de um planeta sob pressão. Quando olhamos para a raiz de tudo isso, concluímos que os lucros que o capitalismo gerou ao longo dos séculos se devem provavelmente ao facto dos capitalistas não terem tido de absorver a totalidade dos custos da sua produção. Esses custos foram passados para o ambiente e para terceiros e as poupanças obtidas embolsadas como lucros.”
A questão das necessidades de energia e da forma de as satisfazer assume, no quadro da problemática de que nos ocupamos, particular importância, desde logo porque o consumo energético está estreitamente associado à emissão de gases de efeito de estufa.
Trata-se de uma questão complexa e das mais perturbadoras quando se procuram soluções técnica e economicamente viáveis que sejam compatíveis com uma economia estacionária num mundo crescentemente desigual.
A consciência desta realidade tem levado a múltiplas tomadas de posição individuais e colectivas nomeadamente de investigadores e outros trabalhadores científicos, que constituem simultaneamente alertas e proposta de soluções.
Merece destaque o “Apelo de Dakar” lançado pela Federação Mundial dos Trabalhadores Científicos por ocasião da sua 20ª Assembleia Geral que teve lugar naquela cidade em Dezembro de 2017[8]. O Apelo[9], dirigido “aos cientistas, aos governantes e aos habitantes do planeta”, defende a necessidade de “um projecto global de investigação, urgente e excepcional” dotado de um financiamento anual da ordem de 1200 milhares de milhões de euros valor que é equivalente a cerca de 2% do produto interno bruto (PIB) mundial. Os signatários consideram que “o Clima, a Biosfera, os Oceanos — o Planeta Terra ― está a entrar numa era desconhecida. As condições de vida de todos os seres vivos estão ameaçadas. A longo prazo, é a própria sobrevivência da espécie humana que está em jogo”. Sublinhando o carácter global das ameaças, consideram que o seu combate “requer o envolvimento de todos e a mobilização de todas as nações, povos e sectores de actividade”. E afirmam que “a contribuição da investigação― incluindo as ciências sociais e humanas — é decisiva para mudar de rumo”.
O volume do financiamento apontado que claramente marcaria o carácter excepcional de um tal projecto global de investigação, merecerá um segundo olhar se se tiver em conta que a importância de1200 milhares de milhões de euros é inferior ao montante da despesa militar global do conjunto dos Estados do Planeta a qual, de acordo com o Stockholm International Peace Research Institute (SIPRI) ultrapassou em 2018, os 1600 milhares de milhões de euros. De notar ainda que, no que respeita ao 9º Programa Quadro de Investigação, Desenvolvimento e Inovação da União Europeia (“Horizonte Europa”), que contempla algumas das questões-chave levantadas no Apelo de Dakar — não se prevê, no plano financeiro, mais do que um montante próximo de 100 mil milhões de euros, a distribuir ao longo de sete anos.
No mesmo mês de Dezembro de 2017, em que se reuniu em Dakar a Assembleia Geral da FMTC, a revista BioScience, do American Institute of Biological Sciences, publicava o artigo “Advertência dos Cientistas do Mundo à Humanidade: um Segundo Aviso” [10] Este artigo e as medidas de combate à crise climática nele propostas receberam o apoio expresso de mais de 15 milhares de cientistas, investigadores e outros trabalhadores científicos, de 184 países.
Mais recentemente, em Julho último, é divulgado um documento a vários títulos excepcional: Jérémy Desir-Weber, que ocupava uma posição de prestígio no mundo financeiro como quadro superior do Departamento de Riscos do banco HSBC ― um do maiores bancos internacionais [11] ― torna pública uma Carta Aberta [12] em que denuncia o desfasamento existente entre a crise ecológica real e os objectivos da empresa e do mundo da finança, em geral, desfasamento que, em seu entender, ultrapassa os limites do que considera para si ser humanamente suportável. Assim apresenta publicamente a demissão escolhendo fazê-lo, simbolicamente no dia 29 de Julho, dia a partir do qual a humanidade terá consumido o conjunto dos recursos que o planeta é susceptível de regenerar num ano, neste caso o ano de 2019. Num relatório de 50 páginas que acompanha a carta [13], e que foi previamente enviado às chefias sem qualquer consequência, descreve a “gritante inadequação da resposta da banca à crise climática” e porque razão a manutenção do status quo tornará impossível à Humanidade defender-se das suas consequências”.
No que respeita às necessidades energéticas da economia, como sublinha o autor da Carta Aberta à Humanidade, há uma relação linear perfeita entre crescimento económico e consumo de energia, essencialmente, desde há muito e ainda hoje, de combustíveis fósseis que cobrem de cerca de 85% das necessidades mundiais.
Segundo o mesmo autor, “desacoplar o crescimento económico da pressão sobre o ambiente, é hoje impossível, mau grado os esforços que se vêm desenvolvendo no domínio das energias renováveis” e chama atenção para o facto de que nunca é feita a avaliação integral da pegada de carbono equivalente a todo o processo de fabrico e manutenção dos equipamentos de captação de energias renováveis. Este é um tema de investigação largamente inexplorado e que deveria naturalmente incluir aproveitamentos hidroeléctricos mas também centrais nucleares, estas consideradas por muitos como indispensáveis ao sucesso da transição energética necessária.
Gostaria de terminar com duas breves referências.
O sector militar considerado isoladamente, constitui a maior fonte de poluição ambiental do planeta. A factura energética da guerra supera a de qualquer outra actividade humana.
De acordo com um estudo recente inserido no projecto de investigação “Custos da Guerra”, da Brown University, dos EUA, a pegada carbónica do Departamento norte-americano da Defesa é superior à da maior parte dos estados nacionais do mundo[14]. Se o Pentágono fosse um país seria o 55º maior emissor do planeta. Entre 2001, ano em que teve início a intervenção americana no Afeganistão, até 2017, o Departamento da Defesa emitiu cerca de 1200 milhões de toneladas métricas de CO2 equivalente, o que corresponde a cerca de 70 megatoneladas/ano. Por comparação, em 2017, as emissões totais da Suécia foram de 50,8 megatoneladas métricas.
A última nota que gostaria de deixar é a que respeita ao problema da transição energética na indústria pesada. Referirei dois casos: os fabricos do aço e do betão, dois materiais básicos de construção. A indústria cimenteira é um dos dois maiores responsáveis pela emissão de CO2 gerando até 8% das emissões mundiais desse gás: 900 kg de CO2 por tonelada de cimento. As emissões resultantes do fabrico do betão dependem da quantidade de cimento usado mas podem estimar-se, em média, em cerca de 200 kg por tonelada. O fabrico do aço a partir da redução do minério de ferro em que o carvão é usado como agente redutor, é hoje considerado como um dos processos com maior pegada carbónica. Em conjunto, as duas indústrias são responsáveis por cerca de 16% das emissões anuais de dióxido de carbono resultantes da actividade humana, valor equivalente à pegada de carbono dos EUA.
Justifica-se assim que alguns considerem que “na luta contra as mudanças climáticas, as indústrias pesadas são a última fronteira. Descarbonizar os transportes e a produção de energia é (seria) a parte mais fácil”[15].
O caminho a seguir para fazer face com o sucesso possível aos problemas com que o mundo hoje se defronta, é árduo e difícil mas não é impossível percorre-lo.
É bom lembrar uma passagem do breve discurso da jovem Greta Thunberg, em Katowice, na Polónia, onde disse:
“ (…) se é tão difícil encontrar soluções dentro do sistema então talvez devamos mudar o próprio sistema”.
♦♦♦♦♦
Intervenção no Debate promovido pela Associação Intervenção Democrática,
Hotel Roma, 7 de Dezembro de 2019 (reproduzida com a devida vénia aos promotores do Debate, pelo convite dirigido ao autor). Interveio também como orador convidado o Professor Doutor Filipe Duarte Santos, da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa e Presidente da CNADS-Conselho Nacional do Ambiente e Desenvolvimento Sustentável. Interveio como Moderador João Luiz Madeira Lopes, Vice-Presidente da Direcção da Associação Intervenção Democrática – ID.
……………………………………………………………………
[1] “The Limits to Growth”, Donella H. Meadows, Dennis L. Meadows, Jørgen Randers and William W. Behrens III, Potomac Associates – Universe Books, 1972
[2] “The Limits to Growth: The 30-Year Update”, Donella H. Meadows, Dennis Meadows, Jorgen Randers, Chelsea Green Publishing Company, 2004
[3]https://web.archive.org/web/20070918030353/http://www.euronatur.org/Interview_Dennis_Meadows.dennismeadows_en.0.html
[4] ‘Is Global Collapse Imminent?’, Turner, G., MSSI Research Paper No. 4, Melbourne Sustainable Society Institute, The University of Melbourne, 2014
[5] “We should really worry about nuclear winter”, Alan Robock, The Bulletin of Atomic Scientists” August 14, 2008
[6] https://pt.unesco.org/courier/2018-2/antropoceno-os-desafios-essenciais-um-debate-cientifico
[7] Herman E. Daly, “Economics In A Full World”, Scientific American, September 2005, 293, 100-107 (https://www.scientificamerican.com/article/economics-in-a-full-world/ )
[8] A Federação Mundial dos Trabalhadores Científicos (FMTC), com sede em Paris, fundada em 1946, teve como primeiro presidente Frédéric Joliot-Curie. Conta com cerca de trinta associações nacionais filiadas, de quatro continentes. A OTC é filiada desde 1980.
[9] https://otc.pt/wp/2018/06/26/apelo-a-accao-apelo-de-dakar/
[10] “World Scientists’ Warning to Humanity: A Second Notice”, William J. Ripple, Christopher Wolf, Thomas M. Newsome, Mauro Galetti, Mohammed Alamgir, Eileen Crist, Mahmoud I. Mahmoud, William F. Laurance, 15,364 scientist signatories from 184 countries, BioScience, Volume 67, Issue 12, December 2017, Pages 1026–1028, https://academic.oup.com/bioscience/article/67/12/1026/4605229
[11] HSBC (Hong Kong and Shanghai Banking Corporation), sediado em Londres, é um banco global britânico. Foi fundado em 1865, para financiar o lucrativo tráfico de ópio pela Companhia Britânica das Índias Orientais. Hoje é uma das maiores organizações de serviços financeiros e bancários do mundo, com presença em 129 países, cerca de 250 mil trabalhadores e mais de 50 milhões de clientes.
[12] https://mrmondialisation.org/un-cadre-dhsbc-demissionne-publiquement-avec-une-lettre-ouverte-a-lhumanite/
[13] https://www.fichier-pdf.fr/2019/07/29/mydearfriends/
[14] Neta C. Crawford,“Pentagon Fuel Use, Climate Change, and the Costs of War”, Boston University, June 12, 2019
[15] Adam Vaughan, “Steel and concrete are climate change’s hard problem. Can we solve it?”, New Scientist, November 13,2019