CAST — A ASSOCIAÇÃO PARA A CIÊNCIA E TECNOLOGIA DA CHINA

A Associação para a Ciência e Tecnologia da China — China Association for Science and Technology (CAST) — é uma das mais importantes associações filiadas na Federação Mundial dos Trabalhadores Científicos, fórum onde associações de quatro continentes se encontram, criam ligações e se reconhecem interesses comuns. Razão suficiente para que a OTC já em 1980 tenha aderido à Federação Mundial. Os contactos regulares que estabelecemos com as associações “parceiras” dão-nos acesso a informação importante para avaliar o que se passa em outros países no que respeita à vida das instituições de investigação e ensino superior, às condições de trabalho e problemas que enfrenta o pessoal investigador e docente no seu dia-a-dia, às políticas de ciência e prioridades que as determinam.
A natureza e estrutura próprias da Associação de Ciência e Tecnologia da China e as suas actividades mais importantes são, no geral, mal conhecidas entre nós razão pela qual nos parece útil transmitir a informação de que dispomos.

A CAST apresenta-se como a maior organização não-governamental (ONG) congregando profissionais da Ciência e da Tecnologia, existente na China, e afirma-se como elo de ligação entre a comunidade científica e tecnológica chinesa e as autoridades governamentais chinesas. A CAST é de facto uma confederação de associações profissionais disciplinares e interdisciplinares abrangendo todas as áreas das ciências e da tecnologia como ressalta dos exemplos que mais abaixo indicamos. As associações filiadas na CAST são em número de 210. Ao mesmo tempo a CAST está organizada numa base regional ou local, como é compreensível dada a dimensão humana e geográfica do país. São 32 os ramos locais ou regionais. Com esta estrutura, a CAST afirma manter ligação estreita com alguns milhões de trabalhadores científicos, distribuídos por todo o país, cientistas, engenheiros e outros profissionais da investigação e desenvolvimento, activos nos vários ramos do conhecimento.
São exemplo de organizações locais ou regionais federadas na CAST, as Associações para a Ciência e Tecnologia de Pequim, de Xangai, de Hubei [1], da Mongólia Interior ou do Tibete.

A Associação para a Ciência e Tecnologia da China é criada em 1958 em resultado da fusão de duas organizações surgidas no ano que imediatamente se seguiu à fundação da República Popular da China em 1949: a All-China Federation of Natural Science Societies e a All-China Association for Science Popularization. A preocupação em promover a divulgação da ciência e a prática do método científico na sociedade, no seu conjunto, marca desde o início os programas de acção da comunidade científica chinesa organizada nas suas associações. A principal estrutura criada com esses objectivos é a China Research Institute for Science Popularization que com o apoio da CAST e abundantes recursos humanos, técnicos e financeiros desenvolve junto do cidadão comum, a nível nacional, uma acção importante de divulgação de ciência e tecnologia e de promoção da literacia científica. Em particular, integra-se neste esforço a realização de palestras por cientistas reformados no quadro da iniciativa designada por Senior Scientists Public Lectures[2] iniciada há já mais de 20 anos com o patrocínio da Academia das Ciências da China. As palestras dirigem-se, na sua maior parte, a jovens estudantes dos ensinos primário e secundário[3].  
Para lá dos aspectos atrás referidos, a melhor caracterização da CAST encontra-se no enunciado dos objectivos programáticos da sua acção. Tem interesse destacar alguns deles:

  • Reflectir sugestões, opiniões e reivindicações dos profissionais das Ciências e Tecnologias e salvaguardar os seus legítimos direitos e interesses.
  • Promover o estabelecimento e aperfeiçoamento de um mecanismo de supervisão da integridade da investigação, a prática da ética científica, e métodos de trabalho adequados.
  • Organizar os profissionais das Ciências e Tecnologias para a participação na elaboração das políticas e legislação pertinentes à Ciência e à Tecnologia; organizar os profissionais das Ciências e Tecnologias para a participação no processo de consulta política, na tomada de decisões cientificamente informadas e na supervisão democrática dos assuntos do estado.

A importância da Ciência e da Tecnologia com o seu potencial de inovação de métodos e processos dos sectores produtivo e dos serviços, marca, em larga medida, a evolução das sociedades modernas e os seus ritmos de progresso humano e material. Revelam-se ao mesmo tempo instrumento indispensável à resolução dos graves problemas que afectam as sociedades humanas e a sustentabilidade da vida sobre a Terra. Nos nossos dias a China impõe-se tanto pela sua dimensão nos planos demográfico e geográfico e pelos seus recursos naturais como pelo acelerado desenvolvimento das suas capacidades nos domínios do trabalho científico e das suas realizações tecnológicas.

Entende-se assim que a Associação para a Ciência e Tecnologia da China (CAST) considere ter dado desde os seus primórdios uma contribuição significativa para o desenvolvimento económico e social daquele país. Ao mesmo tempo considera que esse facto decorre desde logo das suas contribuições para a consolidação de uma base científica sustentada e o desenvolvimento das actividades de investigação, desenvolvimento experimental e inovação (I,D&I). Considera também determinante a acção desenvolvida no domínio da divulgação do conhecimento científico junto do cidadão comum e da sua preparação para acolher os avanços tecnológicos que aquele proporciona.

O gráfico seguinte mostra a evolução do investimento em I&D entre 2000 a 2017 em vários países e regiões do globo[4]:

Na China, entre o início do século e 2017, a Despesa Intramuros com I&D (DIDE) cresceu à taxa anual de 17,3%, passando de 33,1 mil milhões para 496 mil milhões de dólares americanos (PPC). Foi assim multiplicada por 17. Em 2000 representava 1/8 da despesa dos EUA; em 2017 era ainda menor do que aquela mas era-lhe apenas 10% inferior. No referido período a correspondente despesa nos Estados Unidos da América apenas duplicou, Na União Europeia a 28 o crescimento foi pouco superior a 2, o mesmo acontecendo em Portugal (3,1 mil milhões de US$ PPC).
Entretanto a comunidade científica chinesa cresceu e, naturalmente, a Associação para Ciência e a Tecnologia da China.
De acordo com os dados estatísticos divulgados pela OCDE (“Main Science and Technology Indicators”), o número de investigadores ETI, na China, passou de cerca de 700 mil em 2002 para um milhão setecentos e quarenta mil em 2017, ou seja um valor 2,5 vezes superior. No mesmo intervalo, também na União Europeia a 28 e nos EUA se verificou um crescimento acentuado como mostra o quadro seguinte.

Variação entre 2000 e 2017 do número de investigadores e do pessoal total de I&D (milhares)

Fonte: OCDE (https://stats.oecd.org/Index.aspx?DataSetCode=MSTI_PUB#)
n.d. — valor não disponível

Os valores inscritos no quadro anterior mostram, em todos os casos, um considerável crescimento do pessoal investigador, com particular destaque para o caso da China e, também, de Portugal. Entretanto, no que toca ao pessoal não-investigador afecto a actividades de I&D, ou seja, o pessoal de apoio a essas actividades — técnico, operário ou administrativo — o caso da China merece uma referência especial já que, como mostram os números do quadro abaixo, naquele intervalo, o rácio “pessoal de apoio/pessoal investigador” triplicou, enquanto, no mesmo intervalo, o valor médio do rácio diminuiu quase 30% na União Europeia a 28. Em Portugal a diminuição foi de 25%. Não conhecemos os números relativos aos EUA.

Variação entre 2000 e 2017 do rácio “Pessoal de Apoio à Investigação/ Pessoal Investigador”)

A evolução muito notável da China no que respeita ao número de investigadores e ao pessoal total de I&D, no intervalo de tempo considerado e que parece ter continuado a evoluir no mesmo sentido nos anos seguintes, não obsta a que em outros indicadores a posição ocupada pela China seja marcadamente diferente. A questão reflecte obviamente a enorme dimensão da China em termos demográficos que aparece reflectida quando se tomam valores per capita [5]. No quadro seguinte mostram-se os valores do Produto interno Bruto (PIB) total, o PIB per capita e, ainda, a DIDE per capita de investigador, nas regiões e países atrás considerados.
O PIB total da China avaliado em dólares correntes e Paridade de Poder de Compra ultrapassou o dos Estados Unidos da América mas o valor per capita é ainda cerca de 1/3 do americano e é mesmo inferior ao português[6]. A situação relativa no que respeita à despesa com I&DE e também à despesa per capita de investigador ETI” é, em ambos os casos, distinta da anterior. Com efeito aquela despesa expressa em percentagem do PIB não difere muito da dos EUA e é superior à média da União Europeia a 28. O mesmo acontece no que toca à despesa por investigador ETI. 

A Associação para a Ciência e a Tecnologia da China, com milhões de filiados e objectivos programáticos já referidos atrás, aparece como um instrumento multifacetado importante ligado ao desenvolvimento do sistema nacional chinês de Ciência e Tecnologia. 
A universalidade dos interesses da CAST no domínio do conhecimento científico ressalta do simples enunciado das associações ou sociedades que nela se encontram federadas. Fecharemos estas notas referindo algumas delas de entre um conjunto que inclui 185 entidades.
Desde logo sociedades científicas nacionais de carácter disciplinar que normalmente existem nos diferentes países, tais como, a título de exemplo:

Chinese Mathematical Society (http://www.cms.org.cn/)
Chinese Physical Society (http://www.cps-net.org.cn/English.htm)
Chinese Chemical Society (http://www.chemsoc.org.cn/)
Chinese Geophysical Society (http://www.cgscgs.org.cn/)
The Chinese Society for Neuroscience (http://www.csn.org.cn/)

Outras menos comuns, ou muito específicas, como: 

Chinese Association for Laboratory Animal Sciences (http://www.calas.org.cn/)
China Society of Natural Resources (http://www.csnr.org/)
Operations Research Society of China (http://www.orsc.org.cn/)
The China Society on Tibetan Plateau (http://www.cstp.org.cn/)

No domínio das ciências aplicadas, notamos as seguintes, sempre a título de exemplo:

The Chinese Society of Rare Earths (CSRE)
Chinese Society of Landscape Architecture (CHSLA)
Chinese Society for Measurement (CSM)
Chinese Nuclear Society (CNS)
Chinese Renewable Energy Society (CRES)
Chinese Society of Astronautics (CSA)

No domínio das Ciências Agrárias:

Soil Science Society of China (SSSC)
Chinese Society of Forestry (CSF)
China Society of Tropical Crops (CSTC)
China Tea Science Society (CTSS)
Chinese Society of Soil and Water Conservation (CSSWC)
Chinese Grassland Society (CGS)

No domínio das Ciências Médicas:

China Association for Disaster & Emergency Rescue Medicine (CADERM)
China Association of Acupuncture and Moxibustion (CAAM)
China Association of Chinese Medicine (CACM) (http://en.tcm-china.org/art/2012/12/28/art_3407_72939.html)

Em domínios interdisciplinares:

China Association of Inventions
China Intellectual Property Society (CIPS)
China Industry-University-Research Institute Collaboration Association (CIUR)
Urban Planning Society of China (UPSC)
China Association for Scientific Expeditions (CASE)
China Association of Senior Scientists and Technicians (CASST)
Foundation for the Development of Science and Technology Museums in China (http://www.fdstmc.org.cn/ 

Ao escrever estas notas sobre a CAST, uma confederação de associações profissionais, disciplinares e interdisciplinares, como foi acima caracterizada, vem à memória recordar aquela que foi entre nós, segundo cremos, a primeira e única entidade da mesma natureza. Falamos da FEPASC — Federação Portuguesa das Associações e Sociedades Científicas, surgida nos anos 80 do século passado, na qual a OTC chegou a estar filiada durante vários anos[7]. O grande animador da FEPASC foi Mário Ruivo, figura maior da nossa intelectualidade, cuja memória recordamos. Mário Ruivo desenvolveu uma actividade multifacetada, designadamente no plano científico, nos domínios da Biologia Marítima e dos recursos oceânicos[8]. A vida do equivalente nacional da CAST, se é permitida a expressão, não foi fácil. Criada em finais de 1991, desenvolve uma actividade significativa até finais da década, chegando a reunir cerca de três dezenas de associações e sociedades científicas de variados domínios do conhecimento. Como refere Ana Filipa Candeias, do Arquivo de Ciência e Tecnologia da Fundação para a Ciência e a Tecnologia [9]A FEPASC teve um importante papel na dinamização de encontros de ciência, ética e política científica, na abertura de um espaço de debate público em torno da actividade de investigação em Portugal.” Entre outras iniciativas, a FEPASC, em colaboração com o Centro de Investigação e Estudos de Sociologia (CIES), procurou averiguar da sensibilidade às problemáticas da ciência e da investigação científica dos representantes do povo com assento no Parlamento.
Não temos notícia dos resultados do inquérito mas a iniciativa é digna de nota e seria importante repeti-la hoje. Como se disse, a vida da FEPASC não foi fácil. Então, como hoje — então apesar de tudo mais do que hoje — os poderes legislativo e executivo, salvo raras excepções e salvo em raros momentos da vida nacional, não viam a Ciência e aqueles que a cultivam, como parceiro indispensável na definição e execução de políticas e medidas, de carácter geral ou sectorial, de que o país precisa. Importa, entretanto, reconhecer que esta situação de algum modo reflecte a fraca literacia científica da população em geral e mesmo de boa parte das camadas mais instruídas onde se incluem, naturalmente, boa parte dos responsáveis políticos. Nestas condições, voltando a citar Ana Candeias, “ (…) as especificidades inerentes ao associativismo científico (torna-o) dependente como noutros sectores (musical, artístico, literário) do voluntariado episódico de indivíduos dotados de energia e determinação próprias.

Frederico Carvalho
14 de Maio de 2020

[1] A capital da província de Hubei é a cidade de Wuhan, actualmente tão falada. 
[2] http://english.cast.org.cn/art/2018/4/23/art_497_78143.html
[3] Em 2017, esta associação de cientistas reformados realizou 23 000 palestras em todo o país.
[4] “The State of U.S. Science & Engineering”, Science & Engineering Indicators 2020, National Science Board.
January 2020, NSB-2020-1 (https://ncses.nsf.gov/pubs/nsb20201)
[5] De acordo com os dados divulgados pela OCDE, a população da República Popular da China, em 2017, era de cerca de 1410 milhões.
[6] Estes são valores médios para o conjunto da população que por isso não reflectem as desigualdades na distribuição da riqueza criada.
[7] A OTC integrou os órgãos sociais da FEPASC onde foi representada pelo nosso associado António Pedro Alves de Matos, durante muitos anos membro da direcção. Mário Ruivo foi o associado nº198 da OTC, inscrito em Janeiro de 1975.
[8] Mário Ruivo foi o associado nº198 da OTC, inscrito em Janeiro de 1975 Cf. https://otc.pt/wp/2017/01/31/mario-ruivo/
[9] Ana Filipa Candeias, “Nos 25 anos de criação da Federação Portuguesa das Associações e Sociedades Científicas (FEPASC)”, 2016 (https://act.fct.pt/nos-25-anos-de-criacao-da-federacao-portuguesa-das-associacoes-e-sociedades-cientificas-fepasc/#_ftn2)