Ciência &Tecnologia: os números

Sobre a situação do Sistema Nacional de Ciência e Tecnologia
A propósito dos resultados provisórios do
Inquérito ao Potencial Científico e Tecnológico Nacional — 2019

A recente vinda a público em Agosto passado, da primeira versão do Inquérito, contendo, como é habitual, uma extensa informação sobre o Sistema Nacional de Ciência e Tecnologia, agora relativa ao ano de 2019 (resultados ainda provisórios), é uma oportunidade natural para uma reflexão sobre a situação do Sistema.

Como temos feito notar em outras ocasiões, ao longo dos anos, uma consideração atenta dos números conhecidos mostra de forma inequívoca a existência de um conjunto de significativas distorções e carências de vária ordem de que o sistema sofre. As mais preocupantes e que mais limitam o possível e desejável impacto nos planos económico, social e cultural, das actividades de I&D conduzidas entre nós, serão: o crónico subfinanciamento dessas actividades, desde logo no que toca ao sector público, sector que é dependente do Estado; a precariedade do emprego dos seus agentes e o envelhecimento progressivo dos quadros, naturalmente, quadros com mais experiência e responsabilidade na gestão de grupos e equipas de trabalho; o enorme desequilíbrio dos números correspondentes aos efectivos de pessoal investigador e aos de pessoal técnico e outro pessoal de apoio às actividades de I&D. Igualmente preocupante é a distribuição entre sectores[1] dos respectivos pesos relativos no seio do sistema, quer no que toca a recursos humanos quer no que respeita a despesa, e que mais marcadamente traduz a relativa insignificância dos laboratórios públicos no conjunto do sistema.

Outros aspectos, já não quantitativos, mas de qualidade, condicionam e limitam o rendimento do sistema. Nestes destaca-se a ausência de uma política científica nacional mas também a ausência de mecanismos de efectiva gestão democrática das instituições públicas que integram o Sistema; a limitada autonomia de gestão das mesmas; estatutos de carreira específicos mal construídos ou mesmo inexistentes; ausência de órgãos consultivos funcionais, com composição adequada, no âmbito das instituições executoras de I&D mas também no das instâncias dos poderes legislativo e executivo, nacionais e sectoriais.

Importa reconhecer que de há já várias décadas a esta parte tem vindo a ser feito um esforço considerável de recolha e tratamento de informação, quantitativa e qualitativa, relativa às actividades de I&D desenvolvidas em Portugal. Sem esse esforço que vem sendo progressivamente aprofundado, enriquecendo a informação que é disponibilizada ao público interessado, o Sistema Nacional de Ciência e Tecnologia seria consideravelmente mais opaco tornando qualquer análise da realidade mais difícil e improdutiva. Em anos recentes, o organismo responsável pelos resultados publicados tem sido a Direcção-Geral de Estatísticas de Educação e Ciência (DGEEC) que desempenha as funções de órgão delegado do Instituto Nacional de Estatística, I. P., em matéria de informação relativa aos sistemas educativo e científico e tecnológico.

A DESPESA
No que respeita a despesa com as actividades de investigação e desenvolvimento experimental — a chamada DIDE — interessa-nos salientar, por um lado, a despesa total dita intramuros, e, por outro, a despesa per capita de investigador em equivalente a tempo integral (ETI).

No que toca à despesa total os valores provisórios divulgados apontam para uma despesa de 2986,6 milhões de euros em 2019 fazendo-se notar, no texto, que é superior à do ano de 2009, em que teria atingido 2771 milhões. Este último valor seria o mais alto de sempre desde que há registo, tendo a partir desse ano de 2009 decrescido consistentemente até 2015 (2234,4 milhões). A partir de 2015 a tendência inverte-se e teríamos em 2019 chegado ao já referido “record” de 2986,6 milhões de euros.

A situação muda de figura se, em vez de trabalhar a preços correntes, se tiver em conta a evolução dos preços e, na comparação entre países, a paridade de poder de compra, como se mostra no Quadro 1.

QUADRO 1
DESPESA EM I&D (DIDE)
(Paridade de poder de compra (PPS) a preços de 2005)
(milhões de Euros)

Fontes: EUROSTAT, PORDATA e DGEEC
n.d.: valor não disponível
*resultado  provisório

De acordo com o Quadro, a DIDE em 2019 seria cerca de 120 milhões de euros inferior ao correspondente valor para 2009, apesar da notável recuperação a partir de 2015. Em Espanha dá-se uma evolução semelhante, menos favorável, enquanto os valores da DIDE no conjunto da União a 27 crescem em todo o período considerado.

Se olharmos agora para a despesa per capita de investigador, dado de grande significado, os números nacionais são bem reveladores do facto dos recursos financeiros disponíveis estarem muito longe dos que deveriam corresponder às necessidades da força de trabalho científica existente. O Gráfico 1 mostra ainda o agravamento da situação entre os anos de 2009 e 2019.

GRÁFICO 1

(valores em milhares de euros)
F
ontes: EUROSTAT e DGEEC

Em 2019 a despesa per capita de investigador ETI era entre nós quase 3 vezes inferior à média da União a 27 e cerca de metade da respectiva despesa na vizinha Espanha. Dez anos antes, em 2009 a situação era, em ambos os casos, sensivelmente melhor, como se pode retirar do gráfico[2]

A contribuição dos fundos europeus pra o financiamento da DIDE é significativa. Na impossibilidade de, nesta altura, analisar com mais profundidade este aspecto, cita-se a seguinte passagem contida na proposta de OE para 2020 que se refere ao Programa Operacional “Ciência, Tecnologia e Ensino Superior” (PO13):
Os fundos europeus que apoiam os projetos na área da Investigação, do Desenvolvimento Tecnológico e da Inovação, do Emprego Cientifico e da Formação doutoral e pós-doutoral e ainda da eficiência energética têm uma expressão orçamental na despesa total consolidada que ascende a 481 milhões de euros[3].

OS PESOS RELATIVOS DOS DIFERENTES SECTORES: DESPESA E RECURSOS HUMANOS
A repartição de “dinheiros” e pessoas pelos sectores que executam actividades de I&D é um dos aspectos que marcam de forma sui generis o sistema nacional de Ciência e Tecnologia.
O Quadro 2, respeitante a despesa, mostra o que se deseja sublinhar.

QUADRO 2
PESO RELATIVO DOS VÁRIOS SECTORES DO SISTEMA DE CIÊNCIA E TECNOLOGIA
DESPESA EM I&D (DIDE)

Obs.: valores arredondados para o inteiro mais próximo; a soma pode não ser igual a 100 
*resultados  provisórios

Relativamente ao sector das empresas pode dizer-se, grosso modo, que: (a) é o sector mais “pesado” em termos financeiros; (b) em todos os casos, o seu peso vem crescendo, ao longo da última década, em moldes semelhantes. Portugal vem-se aproximando da Espanha, mantendo ainda, ambos, alguma distância da média da União a 27.
O sector do ensino superior é segundo, em todos os casos, e não mostra grandes variações de peso ao longo da década [4]. Entretanto, o peso do sector em Portugal afasta-se significativamente dos respectivos pesos quer em Espanha quer na média da União. Este fenómeno é acompanhado de outro que é politicamente significativo, a saber, o fraco peso do sector Estado. É pouco dizer: “fraco”. O peso deste sector chega a ser 8 vezes inferior ao peso do Sector Ensino Superior e vem decrescendo ao longo da década. Em Espanha, a razão daqueles pesos anda próximo de 1,5 e na média da União era 1,6 em 2009, subindo para 2 em 2018. A situação em Portugal é manifestamente anormal, anormalidade que decorre de opções políticas que subestimam a contribuição dos laboratórios públicos para o desenvolvimento do país mostrando não entender ou tendo uma concepção errada do que pode e deve ser essa contribuição.

O quadro seguinte (QUADRO 3) relativo à distribuição dos recursos humanos complementa o anterior e vem reforçar a marca de distorção estrutural do sistema.

QUADRO 3
DISTRIBUIÇÃO PELOS VÁRIOS SECTORES DO SISTEMA DE CIÊNCIA E TECNOLOGIA DOS RECURSOS HUMANOS EM I&D (ETI)

Obs.: valores arredondados para o inteiro mais próximo; a soma pode não ser igual a 100
*resultados provisórios

Assim enquanto em Espanha a razão entre os efectivos de pessoal de I&D do sector Estado e os do sector Ensino Superior era, em 2018, 1 para 2, e na União a 27, no mesmo ano, 1 para 2,3; em Portugal essa razão era, em 2018, 1 para 13,5! O “desequilíbrio” — digamos assim — entre sectores, agrava-se relativamente ao desequilíbrio na despesa quando se considera a distribuição dos recursos humanos.

A propósito deste quadro, como do anterior, interessa explicar por que razão se verifica nos números relativos ao sector das “instituições privadas sem fins lucrativos” (IPs/FL) uma anormal descontinuidade entre os valores respeitantes a 2009 e 2015. A descontinuidade é explicada pelo organismo responsável pela recolha e tratamento dos dados estatísticos publicados como consequência do que se chama uma “quebra de série”, ocorrida em 2013. Uma quebra de série acontece quando se modificam os critérios usados na classificação dos elementos recolhidos no inquérito. Por exemplo, como se distingue um “investigador” de um “técnico ou outro pessoal de apoio à actividade de investigação” ou se uma entidade que executa actividades de I&D tem natureza pública ou privada, Em particular a descontinuidade de 2013 nos valores respeitantes às IPs/FL é explicada assim:
“Nos sectores Ensino Superior e Instituições Privadas sem Fins Lucrativos (IPSFL) a quebra de série nos dados sobre recursos humanos em I&D foi (…) motivada pela reafectação sectorial de grande parte das IPSFL ao sector Ensino Superior. Este processo decorreu de uma análise exaustiva dos critérios recomendados no Manual de Frascati para a classificação sectorial das entidades que realizam I&D.” [5] Ao contrário do que era praticado internacionalmente, designadamente pelo organismo estatístico europeu — o EUROSTAT — os critérios do Manual de Frascati não estavam a ser seguidos entre nós.
Os pesos relativos da despesa nos dois sectores foram correspondentemente afectados (QUADRO 1).

AINDA OS RECURSOS HUMANOS
No que diz respeito aos recursos humanos activos no sistema, tem interesse considerar a razão “pessoal investigador/população activa”. O Gráfico 2 mostra o número de investigadores (ETI) por mil activos [6].

GRÁFICO 2

Fontes: EUROSTAT e DGEEC

Em Portugal, o número de investigadores ETI por mil activos cresce regularmente ao longo da última década: 7,7 por mil, em 2009; 10,1 por mil, em 2019 (resultado provisório). O que é notável é que a taxa se mantém sistematicamente acima do valor médio para a União a 27 e muito acima do valor relativo à vizinha Espanha. A explicação não está nos números relativos da população activa que são muito semelhantes nos três casos considerados encontrando-se próximo de 50% da população do país ou da população do conjunto da União. A explicação está no número de investigadores activos em Equivalente a Tempo Integral que é surpreendentemente alto no caso português. Em termos relativos, poderá dizer-se que temos investigadores em excesso. Uma força de trabalho científico precária em alto grau, mal paga, a trabalhar em instituições subfinanciadas. E contudo, como veremos abaixo, com uma produção científica assinalável, em termos relativos. Sem esquecer, naturalmente, que os domínios de trabalho ou as temáticas abordadas podem ser ou não, os mais adequados às necessidades de desenvolvimento do país. O que remete para os vícios do mecanismo de financiamento por projecto e a ausência de uma política científica nacional.

Outro aspecto marcante da situação do Sistema Nacional de Ciência e Tecnologia revela-se, ao analisar a força de trabalho científica em Portugal, na forma como se repartem os efectivos entre pessoal Investigador e o pessoal compreendido no grupo “Técnicos e outro Pessoal de Apoio às Actividades de I&D”. É ao conjunto dos dois grupos que é dada, na prática internacional, a designação de “Pessoal de I&D” (“Research and Development Personnel[7].

O Quadro seguinte mostra a evolução ao longo da década 2009-2019, da força de trabalho científica do grupo “Investigadores” e do grupo “Técnicos e outro Pessoal de Apoio às Actividades de I&D” (no quadro designado abreviadamente por “Técnicos”). Os números referem-se sempre a pessoal em Equivalente a tempo integral (ETI).

EVOLUÇÃO DO RÁCIO:
“TÉCNICOS E OUTRO PESSOAL DE APOIO ÀS ACTIVIDADES DE I&D/INVESTIGADORES” (ETI)

n.d.: valor não disponível
FONTES: EUROSTAT e DGEEC

Aqui de novo se assinala a “quebra de série” do ano 2013 que se reflecte, neste quadro, num aumento do número de “técnicos” e numa diminuição do número de “investigadores” relativamente aos números de 2012. A explicação é dada de forma clara, no documento da DGEEC referido na nota 4 do presente documento, nos seguintes termos: “ (…) os dados definitivos de 2013 sobre recursos humanos em I&D por função reflectem uma quebra de série por sectores de execução relativamente aos anos anteriores devido à revisão das categorias de pessoal em I&D. As categorias de investigador, técnico e outro pessoal de apoio passaram a ser definidas segundo as funções principais desempenhadas no âmbito das actividades de I&D, de acordo com critérios da classificação ISCO[8], em vez de serem definidas exclusivamente pelo nível de qualificação académica. Esta revisão resultou num aumento de efectivos nas categorias de técnico e outro pessoal de apoio em I&D em detrimento dos investigadores”.

A leitura do Quadro permite concluir que existe no sistema nacional uma importante carência relativa de pessoal do Grupo “Técnicos”. Relativa, quando considerados os efectivos do Grupo “Investigadores”. Carência que não mostra qualquer alteração significativa nos últimos seis anos. E se alguma alteração houve entre 2009 e 2013 foi um agravamento da situação. Os dados disponíveis mostram efectivamente que no decurso desses anos mais distantes a situação veio constantemente a agravar-se. Em contrapartida, quer na vizinha Espanha quer na União a 27 (valor médio), os rácios “investigador/técnico” são muito próximos, não sofreram grande variação ao longo do período considerado, e apresentam valores cerca de 2,5 vezes superiores aos registados em Portugal.

O défice de “pessoal técnico e outro pessoal de apoio às actividades de I&D” (números de 2018) ascenderia então a cerca de 18 000 unidades ETI. A conversão deste valor em número de pessoas (ou postos de trabalho), obtém-se usando um factor multiplicativo que se avalia em 2,0 a partir dos dados estatísticos relativos a 2018 (últimos dados definitivos publicados), sem que haja aliás uma diferença significativa entre o factor que se obtém para este pessoal e o que se obtém tomando os números globais relativos a recursos humanos no sistema nacional de C&T [9].
Assim, o défice em número de pessoas, neste grupo, elevar-se-ia a cerca de 36 000 tendo em conta os números de pessoal investigador apurados no inquérito.
Anote-se que os resultados provisórios relativos a 2019, publicados em Agosto, conduzem a valores que pouco ou nada diferem dos acima indicados para 2018.
A carência de técnicos e outro pessoal de apoio às actividades de I&D tem naturalmente consequências. Porventura entre as mais sérias estará a de tornar difícil se não impossível o projecto e execução de trabalhos que exijam contribuições específicas de pessoal técnico especializado e experiente, pessoal que não se pode improvisar, e que vai desaparecendo progressivamente. As limitações decorrentes daquela carência são mais sérias quando se trata de desenvolvimento experimental e de inovação mas não deixam de ser sentidas na investigação aplicada e mesmo na investigação fundamental. Em qualquer domínio e no trabalho de qualquer natureza, sem excluir as ciências sociais e humanas, dispor ou não dispor de pessoal técnico e outro pessoal de apoio, faz a diferença.

Um aspecto particular que se enquadra neste contexto é o dos serviços oficinais. Lá fora, por regra, em qualquer grande laboratório de investigação mas também em instituições de ensino superior, politécnico ou universitário, de primeira linha, encontram-se serviços oficinais de alta qualidade, que emprega mão-de-obra profissionalmente muito qualificada. O mesmo não acontece entre nós, onde se tem mesmo assistido ao definhamento de serviços dessa natureza em instituições importantes [10].

Importa também referir o facto de que os valores do rácio “Técnicos e outro pessoal de apoio às actividades de I&D/Investigadores” cuja evolução para o conjunto do Sistema Nacional de Ciência e Tecnologia na década 2009-2019 se mostra no Quadro atrás apresentado, tem comportamentos distintos de sector para sector. No Sector das Empresas, no sector do Estado ou no Sector do Ensino Superior, os valores daquele rácio e a sua evolução diferem consideravelmente entre si. No Apêndice anexo a este trabalho apresentam-se quadros que mostram, sector a sector, os valores do rácio em questão, para os anos 2009, 2015 e 2018, na União a 27, em Espanha e em Portugal. No caso do nosso país os valores provisórios referentes a 2019 calculados a partir dos números divulgados pela DGEEC em Agosto de 2020 são praticamente idênticos aos valores de 2018.

Rácios Sectoriais em 2018
“Técnicos e outro pessoal de apoio às actividades de I&D/Investigadores” (ETI)

Como se mostra no Quadro, os valores do rácio respeitantes ao nosso país são, em todos os sectores, significativamente inferiores aos da média da União e, também, da vizinha Espanha. O sector do Ensino Superior destaca-se dos restantes por apresentar um rácio cerca de 2,8 vezes inferior ao de Espanha e cerca de 3,5 vezes inferior ao da média da União a 27. Em Portugal, poderia traduzir-se a situação no Sector do Ensino Superior de forma sugestiva dizendo que um técnico, em sentido lato, tinha, em 2018, 11 investigadores “a seu cargo”.

A SITUAÇÃO PROFISSIONAL DOS RECURSOS HUMANOS
A situação profissional do pessoal investigador activo no Sistema Nacional de Ciência e Tecnologia é um dos aspectos mais relevantes a ter em conta na caracterização do estado do Sistema. Ter ou não ter um emprego precário, ter um contrato de trabalho ou não ter, estar ou não inserido numa carreira, são questões que, obviamente, têm grande importância para a pessoa do investigador (como, aliás de qualquer outro trabalhador por conta de outrem) mas que têm, talvez menos obviamente, peso importante na vida das instituições condicionando produtividade e sucesso e mesmo a programação da sua actividade.
O Quadro abaixo para cuja construção mais uma vez recorremos aos dados tornados públicos pelo organismo nacional responsável pela compilação e tratamento dos dados respeitantes às actividades de I&D em Portugal, a Direcção-Geral de Estatísticas de Educação e Ciência, procura dar conta da situação profissional do pessoal investigador no nosso sistema de Ciência e Tecnologia.
O Quadro não contempla o Sector das Empresas por razões óbvias (ver Obs. Abaixo).

INVESTIGADORES (ETI)
SITUAÇÃO PROFISSIONAL NOS DIFERENTES SECTORES*
(números de 2018)

Obs.: valores percentuais arredondados para o inteiro mais próximo; a soma pode não ser igual a 100
*Relativamente ao Sector Empresas poderia ter sentido considerar-se “pessoal perante” e “não permanente” mas não se dispõe de dados que permitam fazer essa distinção.
** Carreiras Técnica Superior (9%), Médicas (26%) e Outras (11%)
FONTE: INQUÉRITO AO POTENCIAL CIENTÍFICO E TECNOLÓGICO NACIONAL 2018. PRINCIPAIS INDICADORES DE I&D SETORIAIS, DGEEC, Dezembro 2019

Os números entre parênteses são os efectivos de pessoal investigador em equivalente a tempo integral. Nos sectores onde, admitimos, predominará a investigação fundamental a situação é especialmente grave mostrando-se percentagens de pessoal precário acima dos 50%

EVOLUÇÃO DOS RECURSOS HUMANOS NO SECTOR DO ESTADO- SÉRIE LONGA
O sector público, onde se encontram os Laboratórios do Estado, merece especial atenção. Com efeito as instituições nele incluídas devem ser vistas como instrumento privilegiado do desenvolvimento harmonioso da sociedade, contribuindo nas suas áreas de especialidade para garantir a satisfação de necessidades básicas dos cidadãos, designadamente no que respeita à saúde pública, mas também, entre outros aspectos, no apoio à modernização tecnológica das actividades de produção de bens e serviços ou na monitoração e prevenção de riscos, naturais ou decorrentes da acção humana.
No diploma legal “que estabelece o regime jurídico aplicável às instituições que se dedicam à investigação científica e ao desenvolvimento tecnológico[11], Laboratórios do Estado são entidades definidas como “pessoas colectivas públicas de natureza institucional criadas e mantidas com o propósito explícito de prosseguir objectivos da política científica e tecnológica adoptada pelo Governo, mediante a prossecução de actividades de investigação científica e desenvolvimento tecnológico e de outros tipos de actividades científicas e técnicas que as respectivas leis orgânicas prevejam, tais como actividades de prestação de serviços, apoio à indústria, peritagens, normalização, certificação, regulamentação e outras.
Na ausência de uma “política científica e tecnológica” que possa ter sido “adoptada pelo Governo” — quando, por que governo, com que abrangência temporal?— carece de conteúdo o propósito explícito de prosseguir os objectivos de uma política nacional que pecará por não existir. De resto à medida que se aprofunda a dependência das instituições do maior ou menor sucesso na aprovação de projectos submetidos a concurso mais difícil se tornaria prosseguir aqueles objectivos. Por outro lado, a escassez de recursos humanos e a degradação das infra-estruturas técnicas a que se vem assistindo, tornam cada vez mais problemáticas “actividades de prestação de serviços, apoio à indústria, peritagens, normalização, certificação, regulamentação e outras” referidas no mesmo diploma.
Mas há mais. O nº3 do mesmo Artigo 3º do Decreto-Lei nº125/99, estipula que “(o)s laboratórios do Estado são formalmente consultados pelo Governo sobre a definição dos programas e instrumentos da política científica e tecnológica nacional” e, ainda, que “integram as estruturas de coordenação da política científica e tecnológica previstas na lei” referindo, designadamente, um tal “Gabinete Coordenador da Política Científica e Tecnológica[12].
Criado em 1996 (XIII Governo, António Guterres, Mariano Gago) o Gabinete desaparece em 2002 tendo as suas “atribuições e competências”, designadamente na coordenação dos Laboratórios do Estado, sido assumidas pelo “velho” Conselho Superior de Ciência e Tecnologia, esse nascido em 1986 que se mantivera à tona de água, recebendo agora no nome o apêndice “Inovação”[13]. Na lei orgânica do Governo actual [14] àquele Conselho Superior é dado o carácter de órgão consultivo do Ministro da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior, acrescentando-se que se trata de “órgão independente com funções consultivas comuns ao Ministro de Estado, da Economia e Transição Digital”. Todavia, o acentuado desgaste de meios humanos, materiais e financeiros dos laboratórios públicos é incompatível com o exercício das funções consultivas que a letra da lei lhes atribui. E não é crível que o poder político não se aperceba de tal. Pode perguntar-se se há distracção ou propósito político deliberado.
O gráfico seguinte traduz a evolução dos recursos humanos (ETI) em actividades de I&D no Sector Estado, ao longo dos últimos 34 anos. Por “técnicos” entende-se “Técnicos e outro pessoal de apoio às actividades de I&D”.

GRÁFICO 3

Distinguem-se três fases: o crescimento, a queda, a estagnação. Os números de 2019 são em todos os casos inferiores aos de 1982, com a queda mais notável no grupo dos “técnicos”.

Finalmente, o gráfico seguinte procura pôr em evidência a variação do número de investigadores ETI no Sector Estado nos “anos da queda” mostrando também a evolução desse mesmo número ocorrida na vizinha Espanha nesse Sector no mesmo intervalo de tempo (2003-2019). A linha assinalada com ”x4” permite a comparação da evolução do número de investigadores ETI, no Sector Estado, nos dois países, referida à população activa que é, em Espanha, sensivelmente, 4 vezes superior à população activa do nosso país.

GRÁFICO 4

Fontes: DGEEC e EUROSTAT

PRODUÇÃO CIENTÍFICA — PUBLICAÇÕES
Um importante aspecto a merecer atenção quando se avalia o sistema nacional de ciência e tecnologia é o da produção científica que lhe está associada. Deste ponto de vista, como brevemente referimos atrás, deve dizer-se que apesar das sérias limitações que são conhecidas, o país apresenta uma produção científica assinalável. Em termos relativos, naturalmente. Acreditamos ser esse um sinal de que dispomos de uma força de trabalho científica que é, em média, de alta qualidade. Outra questão é saber, como também anotámos atrás, se os domínios de trabalho ou as temáticas abordadas são ou não, os mais adequados às necessidades do país.

ARTIGOS CIENTÍFICOS PUBLICADOS, COM REVISÃO POR PARES, EM TODOS OS DOMÍNIOS[15]

Fonte: National Science Board | Science & Engineering Indicators 2018

A observação do quadro leva, põe em evidência, no que ao nosso país diz respeito, o acentuado crescimento da produção científica, tida em conta no quadro, e o ritmo a que se processou no intervalo de tempo considerado. Ambos de destacam significativamente dos números relativos a Espanha mas, sobretudo dos casos da França e do Reino Unido que partem, naturalmente, duma situação globalmente mais avançada dos respectivos sistemas de ciência e tecnologia.

Tem interesse, neste contexto, considerar um outro indicador que é o que relaciona a produção científica com o número de investigadores ETI.

ARTIGOS CIENTÍFICOS PUBLICADOS, COM REVISÃO POR PARES, POR MIL INVESTIGADORES ETI— TODOS OS DOMÍNIOS*

Fontes: EUROSTAT, National Science Board | Science & Engineering Indicators 2018

O quadro seguinte apresenta números, à primeira vista, inesperados: é difícil aceitar que a produção científica nacional reportada ao número de investigadores ETI fosse em 2016 superior à da França e quase igual à do Reino Unido. O valor relativo a Espanha coloca dúvidas semelhantes. Também parece duvidoso que a produção científica por mil investigadores ETI tenha diminuído, quer em França quer no Reino Unido, de 2006 para 2016.
Uma explicação plausível poderá ser a seguinte. Nos países mais desenvolvidos a fracção do pessoal investigador empregado no Sector das Empresas, tem um peso bastante superior ao do pessoal investigador empregado nos restantes sectores, em particular no Sector do Ensino Superior. Ora é razoável admitir que a contribuição dos investigadores empregados no Sector das Empresas, para a produção científica traduzida em artigos publicados em jornais científicos com revisão por pares, seja proporcionalmente diminuta. Não dispondo de números que permitam fazer a distinção entre sectores neste aspecto particular, propusemo-nos “reconstruir” o quadro anterior, substituindo o número de investigadores ETI anteriormente tomado por outro em que apenas 10% do número de investigadores ETI do Sector das Empresas é contado. O novo quadro apresenta-se assim.
Fontes: ver Quadro anterior

Parece-nos que os valores deste Quadro andarão mais próximo da realidade. Não deixa, todavia, de assentar numa base contestável. De qualquer modo, importa sublinhar o facto de que a produção científica da nossa comunidade surge em boa posição.
As matérias que apresentamos prestam-se a discussão e comentário. É desejável que tal aconteça.

Frederico Carvalho
28 de Setembro de 2020

APÊNDICE AO DOCUMENTO

“Técnicos e outro Pessoal de Apoio às Actividades de I&D/Investigadores” (ETI)
Rácio por Sectores de Actividade
(números do pessoal em milhar de unidades)
SECTOR DAS EMPRESAS

n.d. : valor não disponível

SECTOR DO ENSINO SUPERIOR

n.d. : valor não disponível

SECTOR DO ESTADO

n.d. : valor não disponível

SECTOR DAS INSTITUIÇÕES PRIVADAS SEM FINS LUCRATIVOS

n.d. : valor não disponível
**resultados provisórios

FIM DO APÊNDICE
___________________________________
[1] Na arrumação por sectores segue-se a prática internacional, considerando-se os seguintes: Sector das Empresas (Business Enterprise Sector), Sector do Estado (Government Sector), Sector do Ensino Superior (Higher Education Sector) e Sector das Instituições Privadas sem Fins Lucrativos (Private Non-profit Sector). (Ver a este respeito a Nota Metodológica em Inquérito ao Potencial Científico e Tecnológico Nacional 2018. Principais Indicadores de I&D Setoriais, DGEEC, Dezembro 2019)
(
https://www.dgeec.mec.pt/np4/206/%7B$clientServletPath%7D/?newsId=11&fileName=IPCTN18_Destaques_Resultados_Setoriais.pdf)
[2] Se considerarmos apenas os Sectores do Estado e do Ensino Superior a DIDE per capita de investigador ETI era, em 2019 (valores provisórios), cerca de 40 k€, o que significa que o Sector das Empresas despende em termos relativos mais do que o sector público, o que é verdade também para a União Europeia em geral. Acrescenta-se que, não para alcançar em Portugal a despesa média da União a 27 mas para reduzir a metade a distância que as separa, seria necessário duplicar a despesa do Estado com I&D, o que representaria um acréscimo de cerca de 1400 M€, valor próximo de 0.7% do PIB nacional. O considerável investimento necessário, nesta como em outras áreas de actividade da vida nacional, exigiria medidas radicais como a que consistiria em quebrar o ciclo de transferência para fora do país, legal, semilegal ou fraudulenta, de capital financeiro, fenómeno consideravelmente agravado por uma política sustentada de alienação de património nacional que passa para a mão de estrangeiros
[3] “Relatório do Orçamento do Estado”, PROGRAMAS ORÇAMENTAIS E POLÍTICAS PÚBLICAS SECTORIAIS, p. 154
[4] O caso português apresenta uma anomalia em 2009 que será justificada mais adiante. Note-se que se somarmos os números relativos aos sectores “Ensino Superior” e IPs/FL, a observação feita aplica-se também no nosso caso.
[5] IPCTN13: Sumários Estatísticos – Dados Globais, (Quadro VIII-Nota 1)
(https://www.dgeec.mec.pt/np4/206/%7B$clientServletPath%7D/?newsId=11&fileName=IPCTN13_Sumarios_Estatisticos_DadosGloba.xlsx)
[6] “População Activa” (“Active Population”) Intervalo de idades: 15 a 64 anos
[7] A respeito do conteúdo do universo “Técnicos e Outro Pessoal de Apoio às Actividades de I&D” ver Notas 8 e 9 da Nota Metodológica final do documento da DGEEC já referido acima (nota 1 deste documento)
[8] International Standard Classification of Occupations (ISCO) (Nota OTC)
[9] Em média, de acordo com os dados estatísticos disponíveis, a fracção do tempo dedicado a actividades de I&D do pessoal que executa essas actividades tem um valor próximo de 50%.
[10] Da publicação do LNEC designada “Balanço Social” relativa ao ano de 2015, documento de referência excelentemente construído, retiramos o seguinte parágrafo que ilustra a situação que referimos relativamente ao pessoal de apoio às actividades próprias da instituição: “(…) as carreiras de técnico superior, assistente técnico e assistente operacional, que requerem longos períodos de formação dentro da instituição, antes que os trabalhadores que as integram possam vir a desenvolver as suas atividades com rigor e competência, apresentam situações preocupantes.” Cf. LNEC | BALANÇO SOCIAL 2015, p.87. Entre 2007 e 2017 o pessoal técnico e outro pessoal de apoio à “experimentação” (termo usado no documento) diminuiu 30%, Cf. LNEC | BALANÇO SOCIAL 2017, p. 12.
[11] Trata-se do Decreto-Lei nº 125/99, de 20 de Abril. Cap. I, Artº 3º
[12] Salvo melhor opinião, “consulta” e “coordenação” permaneceram e permanecem essencialmente vazios de conteúdo e de consequências. O Gabinete insere-se numa saga antiga que remonta a 1986 ano em que surge pela primeira vez um órgão de aconselhamento do executivo com a designação de Conselho Superior da Ciência e da Tecnologia, na orgânica do Ministério do Plano e da Administração do Território (X Governo Constitucional; Cavaco Silva, Valente de Oliveira, este no referido Ministério) Na orgânica dos XI e XII Governos à Ciência cabe uma Secretaria de Estado, mas só em 1995 (XIII Governo,) surge um Ministério da Ciência e Tecnologia. Desde então e até ao presente (XXII Governo Constitucional) a Ciência tem constado sempre na designação de um Ministério, associada ou não a Educação, Ensino Superior, Tecnologia ou, ainda, Inovação, conforme os gostos e sabores dos diferentes momentos e a inclinação das forças partidárias dominantes. O Conselho, umas vezes “Superior” outras vezes “Nacional” mantem-se até aos dias de hoje.
[13] Decreto-Lei n.º 205/2002 de 7 de Outubro, Artº 28º
[14] Decreto-Lei n.º 169-B/2019 de 3 de Dezembro
[15] Os artigos são creditados numa base de contagem fraccionária (ou seja, para artigos de vários países, cada país recebe uma fracção de crédito com base na proporção dos seus autores participantes).
(https://www.nsf.gov/statistics/2018/nsb20181/report/sections/academic-research-and-development/outputs-of-s-e-research-publications)
Ver também a excelente compilação de dados contida na publicação “Produção Científica Portuguesa, 2008-2018-Séries Estatísticas”, DGEEC, Fevereiro de 2020.