Comunicado SPGL

As IPSFL criadas e controladas pelas Instituições do Ensino Superior são um atentado aos direitos dos investigadores e de outros trabalhadores a elas vinculados

Recentes discriminações no IST e no PREVPAP 

As instituições privadas sem fins lucrativos (IPSFL) têm assumido uma crescente importância no panorama geral do Sistema Científico e Tecnológico Nacional. Muitas destas entidades privadas, que gerem recursos predominantemente públicos, são excrescências privadas de entidades públicas que constituem um testemunho da total incapacidade e falta de vontade política dos sucessivos governos para dotarem as instituições públicas de ensino superior dos instrumentos que lhes permitam uma gestão eficaz sem abandonarem o regime público, em concordância com a autonomia que lhes é constitucionalmente consagrada.

Com estas IPSFL, têm crescido as más práticas por parte de algumas instituições públicas que fazem um uso abusivo deste tipo de entidade. Muitas das IPSFL que são verdadeiras extensões de instituições públicas aproveitam esta forma jurídica como mecanismo para privar os investigadores dos direitos que assistem aos colegas vinculados diretamente à instituição pública. 

Houve recentemente duas questões que contribuíram para que se tornasse evidente que estas aberrações privadas, que, para algum pragmatismo ingénuo, não passavam de expedientes inócuos para contornar as regras da contabilidade pública, constituíram afinal um instrumento da desregulação e da privatização típicas da ideologia neoliberal, provocando um prejuízo grave para a coesão universitária ao porem em causa os direitos de uma parte significativa dos seus membros, dividindo-os em duas castas com diferentes direitos: a dos contratados no direito público e a dos contratados no direito privado. 

Essa consciência de discriminação manifestou-se de forma aguda aquando da aplicação do PREVPAP – Programa Extraordinário de Regularização dos Vínculos Precários na Administração Pública. Todos os investigadores e outros trabalhadores vinculados às IPSFL foram, liminarmente, excluídos desse programa, fazendo com que colegas, em situações idênticas, que trabalham lado-a-lado para a mesma instituição pública, fossem uns integrados em carreira e outros permanecessem precários. 

O afastamento da participação nos atos eleitorais é outra das desigualdades gritantes entre as duas referidas castas que são geradoras de tensão, conflitos e défice democrático que corroem as instituições de ensino superior e de investigação. Disso é exemplo o retrocesso na participação democrática que se observou recentemente no Instituto Superior Técnico (IST).  

Nos passados dias 2 e 3 de dezembro de 2020 decorreram as eleições para os Órgãos do IST, das quais foram afastados mais de 250 investigadores uma vez que, ao contrário que era prática, os investigadores com vínculo à IST-ID foram impedidos de votar e ser eleitos. A IST-ID, Associação do Instituto Superior Técnico para a Investigação e Desenvolvimento, é uma IPSFL controlada na totalidade pelo IST. Os investigadores vinculados à IST-ID trabalham no IST, para o IST, e sob uma hierarquia do IST ou por ele totalmente controlada. Para além de os frutos do seu trabalho sempre terem sido reconhecidos pela Escola, estes investigadores têm participado na vivência democrática do Técnico, tendo sido até agora considerados parte integrante da Escola. A eleição anterior, que decorreu em janeiro deste ano, revelou uma forte mobilização e adesão por parte dos investigadores com vínculo à IST-ID, respeitando as regras constantes do regulamento de eleição do Conselho de Escola do Técnico e demonstrando, assim, a sua vontade de participação na vida da Escola. 

A tensão entre os investigadores da IST-ID e a direção do IST ganhou muito destaque, mas não deixa de ser apenas um dos muitos exemplos de instituições de ensino superior (IES) que recorrem a subterfúgios para afastar investigadores da participação na sua vida democrática. Urge levar a cabo um debate aprofundado sobre estas práticas abusivas e uma discussão sobre possíveis soluções para minimizar as desigualdades criadas dentro das instituições de ensino superior e ciência. 

O recurso a instituições privadas sem fins lucrativos por parte de instituições públicas que têm por consequência, desejada ou indesejada, a supressão de direitos dos trabalhadores não é aceitável. Os bloqueios à integração e participação dos investigadores nas IES para as quais efetivamente trabalham é uma das faces visíveis do problema de base, a forte precariedade laboral que reina na investigação científica. 

Juntar à vergonhosa precariedade de trabalhadores descartáveis o estigma da discriminação e da exclusão da participação é inaceitável. Retirar o direito de voto aos trabalhadores precários vinculados às IPSFL com histórico de vinculação equivalente ao dos seus colegas vinculados às IES, que as criaram e controlam, fere gravemente os princípios mais básicos da igualdade e democracia. 

A postura passiva do Governo, do MCTES em particular, relativamente aos atropelos democráticos levados a cabo por muitas IES, não é compatível com o discurso que apregoa o objetivo de alcançar uma sociedade baseada no conhecimento e com a expectativa de que a investigação científica possa servir de catalisador de desenvolvimento social e económico.  

Só reduzindo ou eliminando a atratividade da existência de IPSFL detidas por instituições públicas e garantindo o financiamento específico para a integração em carreira dos investigadores precários, se pode combater o constante estrangulamento dos direitos laborais de parte significativa da comunidade científica nacional e se pode aspirar ao aumento das saudáveis práticas democráticas. 

11/12/2020 
O Departamento do Ensino Superior e Investigação do SPGL 
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Nota OTC
Damos conhecimento da tomada de posição do Departamento do Ensino Superior e Investigação do SPGL que põe em evidência o aproveitamento perverso das chamadas “Instituições Privadas sem Fins Lucrativos” traduzido na inaceitável discriminação de investigadores e outros trabalhadores científicos que nelas desenvolvem a sua actividade, privando-os de direitos que assistem aos colegas vinculados directamente à instituição pública que de facto gere e controla a instituição pseudo-privada que emprega aqueles trabalhadores. O comunicado, aqui reproduzido, é particularmente oportuno tendo presente o impedimento da participação de mais de duas centenas de investigadores no recente acto eleitoral para os órgãos de gestão do IST. Estão em causa disposições legais e regulamentares que importa alterar. Há, na Universidade, para além do subfinanciamento crónico, de todos conhecido, outras questões sérias a resolver. Questões que podem ser resolvidas a custo zero mas com outra política.