HORA DO RELÓGIO DO JUÍZO FINAL- 2022

OS PONTEIROS DO SIMBÓLICO “RELÓGIO DO JUÍZO FINAL” — O “DOOMSDAY CLOCK” DO BOLETIM DOS CIENTISTAS AMERICANOS — MANTÊM-SE A 100 SEGUNDOS DA MEIA-NOITE

Pelo terceiro ano consecutivo “100 SECONDS TO MIDNIGHT” é a indicação do “Relógio do juízo final”, acertado no recente dia 20 de Janeiro pela Comissão de Ciência e Segurança do Boletim dos Cientistas Atómicos, apoiada no parecer de um Conselho Científico que inclui onze Prémios Nobel.
O “Relógio do juízo final”, em inglês “Doomsday Clock”, tornou-se um indicador universalmente reconhecido da vulnerabilidade do mundo a ameaças globais ― armas nucleares, alterações climáticas, tecnologias disruptivas noutros domínios, a que se somou em 2020 a pandemia da COVID-19. A “100 segundos para a meia-noite” de uma catástrofe global, é um aviso claro de que são necessárias medidas imediatas e eficazes para proteger a humanidade das principais ameaças à própria sobrevivência da vida. Um segundo ano sem recuos, nem avanços nos ponteiros do relógio é um sinal de tensão e não de estabilidade, desde 2020 que o simbólico relógio está mais perto da hora do desastre final do que em qualquer outro momento da conjuntura mundial desde a sua criação há 75 anos. Foi em 1991, com o fim da Guerra Fria, que mais longe esteve da meia-noite: marcava então 17 minutos para a hora fatídica.
Uma abordagem mais moderada e previsível à liderança e ao controle de um dos dois maiores arsenais nucleares do mundo marcou, na opinião dos especialistas, uma mudança bem-vinda em relação aos quatro anos anteriores. Consideram, os especialistas, que o governo americano mudou algumas políticas, mudanças que tornaram o mundo mais seguro. Assim, concordou com uma extensão do acordo dito NEW START[i] de controlo de armas estratégicas; anunciou que os Estados Unidos procurariam retornar ao acordo nuclear com o Irão; e reintegrou o acordo climático de Paris. E acrescentam, esses especialistas, que tenha sido porventura ainda mais animador o regresso da ciência e da evidência científica na formulação de políticas dos EUA em geral, em especial no que toca à pandemia do COVID-19.
Em geral, todos os países desenvolvidos melhoraram as suas respostas à persistente pandemia de COVID-19, em 2021, mas a resposta mundial permaneceu totalmente insuficiente. Os planos para a distribuição global rápida de vacinas entraram em colapso, deixando os países mais pobres em grande parte não vacinados e permitindo que novas variantes do vírus SARS-CoV-2 ganhassem uma posição indesejada.
Segundo os especialistas, as relações internacionais dos EUA com a Rússia e a China permanecem tensas, com os três países envolvidos numa série de esforços de modernização e expansão nuclear, que, se não forem contidos, podem marcar o início de uma nova e perigosa corrida armamentista nuclear. Outras preocupações, como a expansão nuclear e de mísseis da Coreia do Norte e as tentativas, por enquanto, mal sucedidas de reviver o acordo nuclear com o Irão contribuem para perigos crescentes. Têm aumentado também as tensões entre a Ucrânia e a Rússia.
No que respeita às alterações climáticas, para muitos países, ainda existe uma enorme lacuna entre as promessas de redução de gases de efeito estufa no longo prazo e as acções de redução de emissões de curto e médio prazo necessárias para atingir esses objectivos. Embora o rápido retorno do novo governo dos EUA ao Acordo de Paris com um discurso positivo, ainda é necessário combinar as palavras com acções políticas.

O comunicado de imprensa “At doom’s doorstep: It is 100 seconds to midnight” dirigido aos dirigentes e cidadãos do mundo destaca um conjunto de recomendações-chave aprovadas pela Comissão, que respondem à questão: que passos devem ser dados para lidar com a ameaça nuclear, as alterações climáticas e outras ameaças importantes?
Seguem-se as recomendações aprovadas:

  • Os presidentes da Rússia e dos EUA devem identificar limites mais ambiciosos e abrangentes para as armas nucleares e sobre os sistemas de lançamento até o final de 2022. Ambos devem concordar em reduzir a dependência de armas nucleares, limitando o seu papel, missões e plataformas, e, em consonância, diminuindo os orçamentos.
  • Os Estados Unidos e outros países devem acelerar a sua descarbonização, combinando políticas com compromissos. A China deve dar o exemplo adoptando um desenvolvimento sustentável.
  • Os EUA e outros líderes devem trabalhar através da Organização Mundial da Saúde e de outras instituições internacionais, por forma a reduzir os riscos biológicos de todos os tipos, melhorando a monitoração das interacções animal-humano, melhorando a vigilância e a notificação internacional de doenças, aumentando a produção e distribuição de medicamentos e expandindo a capacidade hospitalar.
  • Os Estados Unidos devem persuadir aliados e rivais de que a regra “no-first-use” da arma nuclear é um passo em direcção à segurança e estabilidade, e declarar essa política em conjunto com a Rússia (e a China).
  • O presidente Biden deve eliminar a autoridade exclusiva do presidente dos EUA para lançar armas nucleares e trabalhar para persuadir outros países com armas nucleares a colocar barreiras semelhantes.
  • A Rússia deve voltar a integrar o Conselho NATO-Rússia e colaborar em medidas de redução de risco e prevenção de uma escalada.
  • A Coreia do Norte deve codificar a sua moratória relativa a testes nucleares e testes de mísseis de longo alcance e ajudar outros países a verificar uma moratória na produção de urânio enriquecido e plutónio.
  • O Irão e os Estados Unidos devem retornar ao pleno cumprimento do Joint Comprehensive Plan of Action[ii] e iniciar novas e mais amplas conversações sobre a segurança no Médio Oriente e sobre restrições de mísseis.
  • Os investidores privados e públicos devem redireccionar os fundos de projectos de combustíveis fósseis para investimentos favoráveis ao clima.
  • Os países mais ricos do mundo devem fornecer um maior apoio financeiro e cooperação tecnológica aos países em desenvolvimento para empreender uma forte acção climática. Os investimentos na recuperação da COVID devem favorecer os objectivos de mitigação e adaptação climática em todos os sectores económicos e abordar toda a gama de potenciais reduções de emissões de gases de efeito estufa, incluindo investimentos de capital em desenvolvimento urbano, agricultura, transporte, indústria pesada, edifícios e electrodomésticos e energia eléctrica.
  • Os líderes nacionais e as organizações internacionais devem conceber regimes mais eficazes de monitorização dos trabalhos de investigação e desenvolvimento na área da biologia.
  • Governos, empresas de tecnologia, especialistas académicos e agentes da comunicação social devem cooperar para identificar e implementar maneiras práticas e éticas de combater a desinformação e a má informação viabilizadas pela Internet.
  • Em todas as oportunidades razoáveis, os cidadãos de todos os países devem responsabilizar os seus líderes políticos locais, regionais e nacionais, empresariais e religiosos, dirigindo-lhes a pergunta “O que estão a fazer para combater as alterações climáticas?”

Neste 75.º aniversário do Relógio é também lançado um desafio. O Boletim dos Cientistas Atómicos pede a todos que usem as suas redes sociais para partilhar histórias sobre acções que inspirem outros. Para que essas histórias façam parte do desafio, basta usar a hashtag #TurnBackTheClock. “Devemos continuar a arregaçar as mangas para que o relógio se afaste da meia-noite”, desafiou na apresentação Rachel Bronson, Presidente e CEO do Boletim dos Cientistas Atómicos.
Na sessão, que pode ser acompanhada no vídeo abaixo, intervieram seis personalidades: a já referida Rachel Bronson; Asha George, Directora Executiva do Bipartisan Commission on Biodefense, uma profissional de segurança de saúde pública; Herb Lin, Investigador Sénior em política e segurança cibernética no Center for International Security and Cooperation (CISAC) da Universidade de Stanford; Raymond Pierrehumbert da Universidade de Oxford, Halley Professor of Physics, autor principal do relatório da Terceira Avaliação do Intergovernmental Panel on Climate Change (IPCC); Scott Sagan, Caroline S.G. Munro Memorial Professor em ciências políticas e co-director e Investigador Sénior no CISAC da Universidade de Stanford (a sua investigação centra-se na segurança nuclear e na ameaça terrorista emergente, na proliferação nuclear em particular no sul da Ásia, na ética e nas relações internacionais e em acidentes em organizações complexas); e Sharon Squassoni, co-Presidente do Boletim dos Cientistas Atómicos e professora e investigadora no Institute for Technology Policy, Elliott School of International Affairs da Universidade George Washington.

Edição: Joana Santos; revisão Frederico Carvalho

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[i] O NEW START é a versão em vigor do Tratado START- Strategic Arms Reduction Treaty. Trata-se de um tratado bilateral EUA-Federação Russa, assinado em Praga, em Abril de 2008, pelos Presidentes Barak Obama e Dmitry Medvedev. Entrou em vigor em Fevereiro de 2011 por um período de 10 anos com possibilidade de extensão por 5 anos. A extensão foi acordada em 2021 pelos Presidentes Vladimir Putin e Joe Biden, vigorando agora até 2026.
[ii] Ver https://www.armscontrol.org/factsheets/JCPOA-at-a-glance

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