“Um pacto para o reforço de instituições e carreiras científicas”

Nota Prévia
Em Outubro de 2021, a OTC pronunciou-se sobre o documento intitulado “Um pacto para o reforço de instituições e carreiras científicas” proposto pelo Ministro da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior, Manuel Heitor. O documento proposto pelo Ministério “para debate e articulação com os Laboratórios Associados, as Universidades e os Politécnicos, sindicatos e associações de bolseiros e investigadores”, não foi recebido pela OTC. Não obstante, a OTC elaborou um parecer que enviou ao Ministro, a 25 de Outubro de 2021, tendo sido acusada a recepção pelo chefe de Gabinete do Secretário de Estado da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior. Entretanto, o Parecer não mereceu qualquer comentário ou apreciação por parte do Ministério. As questões que levanta permanecem actuais. Vimos por isso trazê-lo a público, meio ano passado, quando se levantam interrogações sobre as linhas com que se coserá o Ministério, agora com um novo titular.

Organização dos Trabalhadores Científicos
Parecer sobre o documento
“Um pacto para o reforço de instituições e carreiras científicas”

No passado mês de Maio, o Ministério da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior (MCTES) apresentou aos parceiros institucionais, sindicatos e associações que empregam ou representam trabalhadores científicos, um documento intitulado: “Um pacto para o reforço de instituições e carreiras científicas”. Em concreto, escreve: “Para debate e articulação com os Laboratórios Associados, as Universidades e os Politécnicos, sindicatos e associações de bolseiros e investigadores”.
Apesar de, passados cerca de cinco meses, ser manifesta a ausência de propostas nesse âmbito e um vazio de medidas no que toca à concretização das propostas do pacto, a OTC, apesar de não ter sido consultada sobre o referido “pacto”, entende dever tomar posição sobre as matérias enunciadas e os temas propostos, uma vez que cabem no âmbito de acção da nossa organização e afectam directamente profissionais que representamos, ou seja, trabalhadores da ciência.
O enquadramento socioprofissional da actividade científica em Portugal e a sua evolução ao longo dos anos da democracia pode ser caracterizada em grandes traços, por um período normalizador em que foram estabelecidas as carreiras de investigação e docentes do ensino superior, seguido de uma crescente desregulação da actividade de investigação.
Se é verdade que se assistiu a um crescimento significativo do número de doutorados, conseguido principalmente através de bolsas financiadas pela UE, também se verifica que o sistema científico nacional absorveu em número residual esses profissionais altamente qualificados e o tecido económico empresarial menos ainda. Continuando a trabalhar financiados quase exclusivamente por bolsas, os trabalhadores de ciência formaram uma grande bolsa de trabalhadores precários. Parte deles estão espalhados pelo mundo, mas um grande número encontra-se hoje associado às instituições de ensino superior e investigação nacionais numa situação indefinida.
Faça-se notar que a recente pandemia veio, por um lado, dar particular relevo ao empenhamento da comunidade científica portuguesa, em áreas de investigação distintas das áreas da saúde―quer no sector público, quer no sector privado; por outro, veio confirmar a necessidade de se apoiar de forma efectiva o trabalho científico e a comunidade científica portuguesa, reforçando os recursos humanos e financeiros à sua disposição, mas também assegurando-lhes carreiras estáveis e financiamentos regulares.
O sistema de ensino superior público, bem como o das instituições do estado dedicadas à investigação científica, tem sido marcado ao longo de anos por um subfinanciamento crónico.
Os trabalhadores das carreiras docente universitária e politécnica, bem como os da carreira de investigação, têm sofrido com os erros e inconsistências da forma como é gerido o sistema científico.
As progressões nas carreiras têm sido uma raridade, criando uma grande falta de docentes nas posições mais altas da carreira, fragilizando as instituições e a sua credibilidade, nomeadamente quando fazem propostas de ciclos de estudos. Nesta linha, só recentemente tem sido dada possibilidade de promoção em número significativo.
O MCTES parece reconhecer com este documento a necessidade de inverter pelo menos alguns aspectos negativos deste estado de coisas. Numa primeira parte, o documento enuncia as medidas tomadas desde 2016 para ir ao encontro da normalização e dignificação das situações laborais dos trabalhadores da ciência, principalmente no que toca à conversão de bolseiros de investigação doutorados em trabalhadores com contrato de trabalho a termo.
Reconhecendo que algo de positivo resultou deste processo para alguns milhares de trabalhadores científicos, a OTC deve, no entanto sublinhar que a solução encontrada é em si mesmo ainda precária e que no próprio processo houve atrasos e vicissitudes várias que impediram numerosos colegas ainda assim de aceder a um emprego estável.
É com alguma perplexidade e preocupação que a OTC verifica que, tal como é explicado nos antecedentes, este pacto visa regular o emprego científico, não porque o Ministério reconheça que este emprego deve ser exercido com direitos e a inserção numa carreira, mas porque associações de bolseiros o reivindicaram e porque se torna um problema credibilizar junto das instituições financiadoras as equipas constituídas por grande número de bolseiros.
Registamos assim que o associativismo vale a pena e que a reivindicação em torno dos problemas de uma classe profissional, é necessária.
Numa segunda parte da proposta de “Pacto” é exposta, então, a política do actual governo nestas matérias e o que se propõe fazer a partir daqui para “reforço de instituições e carreiras científicas”.
Neste sentido o texto divide-se em questões de âmbito legislativo e normativo (ponto 1) e questões programáticas (ponto 2).
No âmbito legislativo e normativo, o governo propõe-se rever os estatutos das carreiras de investigação e das carreiras docentes do ensino superior; criar um quadro legal para os docentes e investigadores nas instituições privadas; e lançar uma proposta de lei de “Programação do Investimento em Investigação e Desenvolvimento”.
Relativamente às carreiras, o pacto parece anunciar uma revisão que conduza ao desacoplamento de promoções internas, do recrutamento, tanto nas carreiras docentes como na de investigação, o que configuraria um passo positivo concordante com uma reivindicação antiga de docentes e investigadores.
Relativamente a outras questões relacionadas com a carreira, algumas poderão ser vistas com preocupação, uma vez que não é ainda claro o sentido das alterações propostas. Referimo-nos ao caso da “flexibilidade na gestão das cargas horárias” dos docentes; ou a “explicitação das regras de contratação de docentes convidados”; ou a “clarificação do desenvolvimento de actividades a título gracioso”, por exemplo.
Um outro aspecto ― a intenção de regular as relações de trabalho nas instituições privadas ― tem da nossa parte um parecer positivo.
Também a Proposta de uma Lei de Programação de Investimento em Investigação e Desenvolvimento parece ser uma medida no bom sentido. No entanto, em abstracto, não poderá colher um parecer positivo que poderia ser assumido como um cheque em branco.
No âmbito programático, regista-se a intenção de tomar medidas que aparentemente farão alguma diferença, quer no âmbito do financiamento (negociação de novos contratos com Laboratórios Associados; reforço do financiamento público complementar a Laboratórios Associados), quer no âmbito de clarificação de algumas normas com vista ao estímulo ao emprego científico, apenas para referir alguns aspectos. Os apoios aos Laboratórios Colaborativos e Centros de Interface Tecnológica poderão também reflectir a intenção de reforçar o emprego científico.
Entretanto o texto do Pacto proposto para debate e apreciação dedica escassa atenção a um dos pilares fundamentais do sistema C&T nacional que são os Laboratórios do Estado, impondo-se em nosso entender uma referência explícita à necessidade de um reforço do financiamento público dos Laboratórios através do Orçamento de Estado, que permita o necessário rejuvenescimento e expansão dos recursos humanos respectivos bem como a manutenção e modernização de equipamentos e instalações.
Parece-nos encontrar no texto proposto sinal de que o MCTES reconhece as preocupações da comunidade científica e procura apontar alguns caminhos que visariam desbloquear certas situações manifestamente indesejáveis. Entretanto, de um modo geral, o documento nada esclarece quanto a prazos, ritmos ou montantes envolvidos.
Assim, vemos com preocupação no enunciado dos problemas e das medidas apontadas uma expressão demasiado vaga de vias para as desejáveis soluções, o que permite interpretações contraditórias. Em consequência, entendemos que só na presença de uma proposta de concretização dos passos que se entenderá dar, nos será possível assumir uma avaliação definitiva dos méritos do Pacto agora esboçado.

25 de Outubro de 2021
A Direcção

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