
A AMEAÇA NUCLEAR
Frederico Carvalho
Palestra proferida em Coimbra, no “Espaço 25”,
a convite do Conselho Português para a Paz e a Cooperação
28 de Julho de 2022
“A paz não pode ser mantida pela força.
Só pelo entendimento pode ser alcançada”
Albert Einstein
INTRODUÇÃO
Em Maio passado, reuniu-se em Marraquexe, uma bonita cidade do Reino de Marrocos, a 23ª Assembleia Geral da Federação Mundial dos Trabalhadores Científicos. A Federação, cujo nome pouco dirá a muitas e muitos de vós, representa milhões de trabalhadores científicos dispersos por quatro continentes — são profissionais, mulheres e homens, que se dedicam à Ciência e à multidão de tarefas de variada natureza em que se decompõem as actividades científicas e técnicas. Actividades que, para o bem e para o mal, vêm moldando as nossas vidas e o nosso mundo. Conheço bem a FMTC pois há quase meio século que acompanho por dentro as seus sucessos e insucessos, no caminho que ela própria se traçou de trabalhar para a Paz, conciliando interesses e construindo pontes entre associações representativas de pessoal científico de diversos países e partes do mundo mesmo quando essa tarefa parecia quase impossível. Foi assim nos tempos da chamada “guerra fria” e é hoje de novo posta em causa noutras condições e por outras formas quando se teme a reconstituição de uma nova cortina de ferro.
Em Marraquexe com o apoio da associação que represento — a Organização dos Trabalhadores Científicos, OTC — foi aprovado o Apelo à Paz que aqui reproduzimos:
“A Federação Mundial dos Trabalhadores Científicos apela a um cessar-fogo imediato e ao fim de todos os conflitos que ocorrem actualmente no mundo. É inaceitável que enormes quantias de dinheiro sejam dedicadas à guerra e às armas, enquanto em todo o mundo as necessidades básicas dos povos e da sociedade não são atendidas.
A Federação Mundial dos Trabalhadores Científicos apela à imediata aplicação do Tratado de Proibição das Armas Nucleares adoptado em 7 de Julho de 2017.
A Federação Mundial dos Trabalhadores Científicos afirma que a Paz só pode ser alcançada por meio da negociação entre as partes em conflito. Tal negociação deve ter em consideração a aspiração dos povos à segurança, bem como os seus legítimos direitos, incluindo o seu direito à autodeterminação.
A ciência e a cooperação científica são um poderoso factor de Paz. Como Organização Não-governamental científica, a Federação Mundial dos Trabalhadores Científicos reafirma o seu compromisso com a Paz e sublinha que o papel das Nações Unidas nesse processo deve ser reconhecido, valorizado e respeitado por todos.”
No texto base de apoio à formulação do “Apelo de Marraquexe, faz-se notar que “ao longo da história, a guerra e todas as formas de violência que a acompanham têm sido uma companheira constante da humanidade. A guerra evoluiu continuamente, mas o ritmo sem precedentes a que o conhecimento científico e as capacidades tecnológicas a ele associadas se desenvolveram nos últimos cem anos – enquanto as mentalidades e as desigualdades nas relações sociais permanecem – transformou radicalmente a natureza das ameaças com que somos confrontados. Escusado será dizer que a mais séria de entre elas é a que decorre da existência, posse e possível utilização de armas nucleares”.
Ao mesmo tempo, chama-se a atenção no referido texto para o facto de “paralelamente ao contínuo investimento em tecnologia nuclear para fins militares, testemunharmos o ascenso de diversas formas de guerra contra potenciais inimigos. Armas químicas, biológicas e radiológicas são exemplos das chamadas armas de destruição massiva. Nos dois primeiros casos, a sua utilização remonta a um passado relativamente distante. Mas formas novas e mais mortais são objecto de intensos esforços de desenvolvimento no presente. Somam-se a isso novos campos de pesquisa que conquistaram a imaginação dos militares, pois mostram grandes promessas como instrumento de desactivação de infraestruturas essenciais das quais depende o funcionamento normal de uma sociedade, seja o transporte de pessoas e mercadorias, o funcionamento dos sistemas de saúde ou ou fornecimento de energia, entre outros. Essa é a essência dessa outra forma de guerra dita “guerra cibernética”, em inglês, “cyberwar”. O notável progresso da pesquisa científica no campo da Inteligência Artificial abre, por sua vez, perspectivas sombrias de desenvolvimentos críticos de novas formas ainda não testadas no campo de batalha. Seguramente, todos estes aspectos merecem atenção e devem ser objecto de grande preocupação para os trabalhadores científicos“.
Negar e prevenir a guerra é a chave para um futuro sustentável para o planeta e para a humanidade. É crucial dar a devida consideração às diferentes formas possíveis de intervenção dos trabalhadores científicos no processo de alertar os cidadãos para os perigos envolvidos no curso seguido pelos centros de poder económico e político das suas respectivas nações. O activismo organizado dos cidadãos pode ter um papel decisivo na defesa da Paz, no apaziguamento das tensões e, finalmente, na substituição da competição pela cooperação. Só a paz permitirá criar as condições necessárias para reduzir as desigualdades entre países e dentro de cada país, além de lidar efectivamente com a necessidade premente de combater as mudanças climáticas”.
Neste contexto interessa-nos citar uma passagem da recente entrevista (16 de Junho de 2022) conduzida por um jornalista norte-americano ao intelectual de excepcional envergadura que é Noam Chomsky[i], professor no Instituto de Tecnologia do Massachusetts (MIT)[ii]:
“(…) um orçamento militar monstruoso, prejudicar-nos à severamente e irá colocar o mundo em risco, desperdiçando enormes recursos necessários para lidar com as graves crises existenciais que enfrentamos.
Ao mesmo tempo, despejamos o dinheiro dos contribuintes nos bolsos dos produtores de combustíveis fósseis para que eles possam continuar a destruir o mundo o mais depressa possível. É isso que estamos a testemunhar com a enorme expansão tanto da produção de combustíveis fósseis como dos gastos militares. Há pessoas que estão felizes com isso. Vá aos escritórios executivos da Lockheed Martin[iii], ExxonMobil[iv]: estão eufóricos. É um luxo para eles. Estão até a receber louvores. Agora, estão a ser elogiados por salvar a civilização, destruindo a possibilidade de vida na Terra. (…). Se o senhor imaginar alguns extraterrestres, se eles existissem, eles pensariam que todos nós somos totalmente loucos. E estariam certos”.
Vale a pena referir que o já “monstruoso” orçamento militar proposto pelo presidente Biden foi recusado pelas duas câmaras do Congresso dos Estados Unidos que entenderam aumentar o valor solicitado [v]. O valor final para o ano fiscal de 2022-2023, em curso de aprovação, deverá aproximar-se dos 840 milhares de milhões de dólares montante superior a 10 vezes o das despesas militares da Federação Russa e mais do triplo do PIB nacional, isto é, de toda a riqueza criada num ano em Portugal.
Este é mais um sinal de que na governação dos EUA não é o presidente e a administração federal que efectivamente determinam as grandes (ou pequenas) linhas da política que irá ser seguida. São sobretudo as grandes corporações multinacionais e algumas instituições poderosas, como a National Rifle Association e outras, que financiam selectivamente a eleição dos chamados “representantes do povo”.
A propósito da poderosa indústria dos armamentos, em contínua ascensão desde os anos 40 do século passado, tem interesse recordar as palavras do General Dwight Eisenhower, que foi comandante supremo das forças aliadas ocidentais na Europa nos anos finais da segunda guerra mundial. Eisenhower foi eleito presidente dos EUA em 1953, cargo que ocupou durante dois mandatos consecutivos.
Passo a citar:
“Cada arma que se fabrica, cada navio de guerra lançado à água, cada míssil disparado significa, em última instância, um roubo a quem tem fome e não se alimenta, a quem tem frio e não tem que vestir.
Em armas, este mundo não gasta apenas dinheiro. Está a gastar o suor dos seus trabalhadores, o génio de seus cientistas, as esperanças dos seus filhos. O custo de um bombardeiro pesado moderno é este: uma nova escola moderna, em alvenaria de tijolo, em mais de 30 cidades. São duas centrais eléctricas, em que cada uma pode abastecer uma cidade de 60 000 habitantes. São dois hospitais bem equipados. São cerca de oitenta quilómetros de estradas com pavimento de betão. Por um único avião de combate pagamos o equivalente a meio milhão de alqueires de trigo. Pagamos por um único contratorpedeiro o preço de casas novas que poderiam abrigar mais de 8000 pessoas”.
Comentando estas palavras na já referida entrevista, não de há 70 anos atrás, mas de há duas semanas, Noam Chomsky, disse o seguinte:
“(…) Isso (refere-se ao discurso de Eisenhower) foi em 1953, quando ele estava a tomar posse. Basicamente, ele apontou que a militarização foi um tremendo ataque à nossa própria sociedade. Ele – ou quem quer que tenha escrito o discurso – colocou a questão de forma bastante eloquente. Um avião a jacto significa muito menos escolas e hospitais. Cada vez que aumentamos o nosso orçamento militar, estamos a atacar-nos a nós próprios”.
No fundo o que Eisenhower estava a propor era uma redução do orçamento militar.
Não foi isso que aconteceu. Oito anos mais tarde, em 1961, quando o general-presidente se despediu do povo americano fê-lo com estas palavras em que pela primeira vez surge o termo “complexo militar-industrial”:
“Na esfera do governo, devemos precaver-nos contra a aquisição de influência injustificada, procurada ou não, pelo complexo militar-industrial. O potencial para a ascensão desastrosa do poder mal colocado existe e persistirá. Nunca devemos deixar que o peso dessa influência coloque em risco as nossas liberdades ou processos democráticos. Não devemos tomar nada como garantido, apenas um cidadão alerta e conhecedor pode obrigar a uma adequada combinação da enorme maquinaria industrial e militar de defesa com os nossos métodos e objectivos pacíficos, para que segurança e liberdade possam prosperar juntas.”
OS ARSENAIS NUCLEARES
De acordo com a estimativa mais recente dos inventários globais de ogivas nucleares publicadas pela Federação dos Cientistas Americanos, nove países possuíam no início de 2022 cerca de 12.700 explosivos nucleares (as chamadas “cabeças” ou “ogivas” nucleares, “nuclear heads”, em inglês)[vi]
Aproximadamente 90% do número total desses explosivos estão na posse dos EUA e da Federação Russa, com números de inventário militar equivalentes. Existem actualmente 9 estados que possuem armas nucleares. A França e a China seguem-se àqueles dois estados, neste aspecto, todavia, a grande distância daqueles pois cada um deles dispõe apenas de algumas centenas de armas utilizáveis. Seguem-se-lhes o Reino Unido, o Paquistão e a Índia com menos de duas centenas de ogivas cada. Finalmente, Israel pode estar na posse de um número, estimado, de 90 armas, enquanto a Coreia do Norte provavelmente não possui mais de 20 ogivas utilizáveis.
Apenas cerca de 3700, ou uma em cada 3 ogivas no inventário global, são contadas como estando em condições de ser rapidamente utilizadas (“deployed” em inglês). Trata-se de cabeças nucleares montadas em sistemas ou dispositivos de lançamento – seja um míssil intercontinental ou um sistema operacional de lançamento de curto alcance – ou ainda de ogivas prontas para ser lançadas por uma aeronave em ataques ar-terra. Neste último caso os explosivos descrevem uma trajectória determinada pelo campo gravítico terrestre, isto é, são guiados pela gravidade (bomba gravitacional) e não possuem ou têm possibilidades limitadas de orientação em voo. As bombas gravitacionais armazenadas em bases aéreas utilizadas por bombardeiros são contadas no grupo das rapidamente utilizáveis.
O número de ogivas americanas e russas rapidamente utilizáveis, nestas várias situações, é quase o mesmo: entre 1700 e 1600 unidades, em ambos os casos.
Ogivas atribuídas a sistemas de lançamento de curto alcance são chamadas “não estratégicas”. As chamadas ogivas “tácticas” ou de “baixo poder explosivo”, em inglês “low yield” pertencem a esta categoria. A cabeça nuclear B61-12 que está nesta altura a ser testada pela Força Aérea Americana é uma bomba táctica que se apresenta em versões com diferente poder explosivo, numa gama que vai de 0,5 kt a 50 kt “equivalente de TNT” [vii]. Para efeito de comparação, o poder explosivo da bomba lançada sobre Hiroshima era de cerca de 14 kt de TNT equivalente. Um avião de caça moderno como, por exemplo, o caça F35 da Força Aérea dos EUA, tem capacidade nuclear e pode transportar as ogivas, relativamente leves, da família B61. Aproximadamente 100 bombas da anterior versão estão estacionadas na Europa, em seis bases militares situadas nos seguintes países: Bélgica, Alemanha, Itália, Holanda e Turquia. Note-se que estes armamentos nucleares estão sob controlo americano.[viii]
As ogivas classificadas na figura como “indisponíveis” (em inglês “retired”) incluem armas ainda intactas, mas já não utilizáveis por razões técnicas, bem como armas intactas que aguardam desmantelamento. Em ambos os casos são armas ainda contabilizadas como parte do arsenal militar (“military arsenal”). De acordo com estimativas recentes da Federação de Cientistas Americanos, a Rússia está a desmantelar, por ano, cerca de 200 a 300 ogivas nucleares. Provavelmente a situação será semelhante no que respeita aos Estados Unidos. A mesma fonte define ogivas de “reserva” (“Reserve/Nondeployed”) como ogivas que se encontram em armazém prontas a ser utlizadas mas não se encontram montadas em sistemas de lançamento, à excepção das que estão estacionadas em bases da força aérea que, essas, contam como “rapidamente utilizáveis”.
No final dos anos 80 do século passado, o inventário global de ogivas nucleares atingiu um pico de cerca de 70 mil unidades que é cerca de 6 vezes o número actual. Verificou-se um declínio acentuado dos números do inventário desde aqueles anos até à primeira década do presente século. Desde então, os números do inventário global permanecem relativamente estáveis. Isso deve-se principalmente ao facto de embora os EUA e a Rússia estarem a proceder ao desmantelamento de ogivas fora de serviço (indisponíveis), novas ogivas com melhores características técnicas são integradas no inventário global..
Deve notar-se que o número exacto e a composição dos inventários de armas nucleares são em regra mantidos em segredo pelas autoridades nacionais de cada estado com armas nucleares, embora haja diferentes graus de transparência. As informações publicamente disponíveis são, frequentemente, fruto de um considerável esforço de pesquisa realizado por associações profissionais ou de outra natureza, nacionais e internacionais, que procuram manter-se independentes dos poderes dominantes, políticos e económicos. Pode dizer-se que comungam do empenhamento em contribuir para preservar a paz e a estabilidade no nosso mundo e a informação que recolhem e tratam é um serviço prestado à humanidade.
Apesar do inventário global de ogivas operacionais parecer estacionário, como referimos atrás, várias fontes dignas de confiança dizem-nos que o seu número pode na realidade tender de novo a crescer. Isto porque, não apenas os dois principais estados com armas nucleares estão empenhados em extensos e caros programas de pesquisa e desenvolvimento que visam melhorar as suas capacidades nucleares militares, mas todos os outros estados com armas nucleares parecem estar a seguir o mesmo caminho. Esses programas compreendem a substituição e modernização de ogivas, de sistemas de lançamento por mísseis e aeronaves, instalações de produção de armas nucleares.
Neste contexto, deve-se notar também o facto de que, globalmente, os gastos militares mundiais vêm aumentando consistentemente há vários anos.
O comunicado de imprensa do Stockholm International Peace Research Institute, de 25 de Abril de 2022, informa que, após 7 anos de crescimento consecutivo, as despesas militares mundiais em 2021 ultrapassaram pela primeira vez 2 milhões de milhões de dólares. Mais precisamente, US$ 2,13 milhões de milhões ― um nível recorde, repare-se, que é alcançado, como aliás faz notar aquele Instituto num comunicado de imprensa, no segundo ano da pandemia de COVID 19.
AS ARMAS NUCLEARES ESTRATÉGICAS EM ALERTA DE PRONTIDÃO
Um aspecto que merece atenção especial é o grau de prontidão das forças nucleares caso um estado com armas nucleares considere a necessidade de usá-las. A possibilidade de surgir uma situação em que essa necessidade pareça merecer consideração está presente desde o final da Segunda Guerra Mundial, embora com graus variáveis de gravidade.
Julga-se que desde o fim da chamada “guerra fria”, quer os EUA quer a Federação Russa mantêm, cada um deles, cerca de 900 ogivas nucleares no estado tecnicamente descrito como “pronto a disparar” ou, em inglês, “trigger alert”, o que se admite significar que uma ordem de lançamento pode ser cumprida em não mais de 15 minutos. Em ambos os casos estamos a lidar aqui com ogivas a ser lançadas por um ICBM — míssil balístico intercontinental — ou por um SLBM — míssil balístico lançado por um submarino. Os ICBMs estão estacionados em silos subterrâneos que são alvos altamente protegidos contra ataques do presumível inimigo ou “endurecidos” como se diz na gíria militar, ao passo que as plataformas de lançamento do SLBM são submarinos de propulsão nuclear designados pela sigla SSBN. A França e o Reino Unido também mantêm várias ogivas em estado de alerta, embora em números muito menores (80 e 40, respectivamente). Acredita-se que, em circunstâncias normais, os outros cinco estados com armas nucleares mantenham as ogivas nucleares de que dispõem, em armazém, isto é, não montadas em sistemas de lançamento.
Ogivas em estado de alerta imediato, infelizmente, não são novidade. Além disso, não é novo o facto de estarmos aqui a lidar com uma situação de alto risco que foi criticada até mesmo por numerosas figuras militares e políticas de alto nível. No auge da Guerra Fria, vários bombardeiros com armas nucleares transportando bombas atómicas e de hidrogénio [ix] eram mantidos no ar 24 horas por dia, ou seja, a qualquer momento, vários bombardeiros estavam no ar. Entre 1961 e 68, integrados numa operação com o nome de código Chrome Dome, os EUA tinham entre 12 e 24 bombardeiros B-52 com armas nucleares no ar 24 horas por dia, com o propósito de abortar um primeiro ataque soviético. Os B-52 transportavam armas nucleares e dispunham de todos os códigos e procedimentos para despoletar e largar as bombas.
Esta situação era extremamente arriscada. Vários acidentes ocorreram, incluindo a queda de alguns bombardeiros. Tristemente famoso é o que ocorreu em 1966, quando dois aviões da Força Aérea dos EUA, um bombardeiro e um avião de abastecimento de combustível em voo, colidiram provocando a queda de quatro bombas nucleares perto da vila de Palomares, no sul da Espanha. O avião B52 envolvido no acidente, que transportava as bombas, fazia a chamada “rota do Sul”, uma rota com início e fim na sua base na Carolina do Norte, sobrevoava o Atlântico e alcançava o mar Mediterrâneo. Felizmente, o dispositivo de disparo das bombas. que eram bombas de fusão ou de hidrogénio, não estava accionado ou teria havido uma explosão nuclear de consequências catastróficas. No entanto, duas das bombas que caíram no solo sem o apoio de para-quedas, fragmentaram-se no impacto com o solo, espalhando poeiras de plutónio altamente tóxicas e radioactivas. Uma terceira bomba cujo paraquedas funcionou, aterrou suavemente próximo da vila, mantendo-se intacta. Uma quarta bomba afundou-se nas águas do Mediterrâneo e só foi encontrada 4 meses mais tarde, também intacta. De acordo com notícias vindas a lume na comunicação social, passados quase 50 anos sobre este acidente as autoridades norte-americanas competentes ainda não tinham concluído os trabalhos de descontaminação dos solos. Cerca de 40 hectares de terreno continuavam vedados.[x]
Os tremendos riscos associados à operação Chrome Dome levaram ao seu fim em 1968 e com ele à manutenção de meios aéreos em estado de alerta nuclear. Até onde sabemos, nenhum bombardeiro pesado com capacidade nuclear (conhecido como “o pilar aéreo” da chamada “tríade nuclear”) está actualmente em estado de alerta. Todas as ogivas em alerta imediato são ogivas estratégicas que podem ser lançadas por ICBMs ou SLBMs.
Como consideração geral, importa lembrar que, por alguns anos, ao mais alto nível militar das forças armadas dos EUA, se ouviram vozes que defendiam a necessidade de substituir o antigo míssil intercontinental Minuteman III já com muitos anos de “serviço”, considerado obsoleto, por um novo míssil tecnologicamente aprimorado. Uma vez que tal míssil ainda não existe, aqueles que expressam essa opinião consideram a necessidade de devolver os modernos bombardeiros nucleares americanos existentes ao estado de alerta imediato. Em Maio último, entrou em vigor, a chamada Revisão da Postura Nuclear dos EUA de 2022. Trata-se do instrumento legal que define os objectivos da política nuclear militar dos Estados Unidos da América nas suas várias vertentes. Na revisão do Presidente Biden da lei anterior adoptada na presidência de Donald Trump afirma-se que o “papel fundamental” das armas nucleares dos EUA é impedir ataques nucleares, não, como declarado anteriormente, impedir ataques nucleares e não nucleares. Isso é considerado por alguns observadores como “dissuasão enfraquecida”[xi]. Assim, a nova política é considerada “não tão boa quanto a antiga”. Ou seja: a postura de Trump. O autor citado na nota anterior acrescenta que, no entanto, “poderia ter sido pior” já que (citação) ” O Snr. Biden pelo menos rejeitou os apelos imprudentes da extrema esquerda para declarar que os EUA nunca usariam armas nucleares em primeiro lugar, mesmo no caso dos ataques não nucleares mais destrutivos”. O que é entendido ou quem se entende por “extrema esquerda” é uma incógnita [xii]. “Não é de admirar – citando novamente – que tantos dos nossos aliados e altos funcionários se tenham oposto publicamente a excluir completamente a opção nuclear como medida possível contra ameaças não nucleares”.
ACIDENTES NUCLEARES
Na era nuclear, os riscos de acidentes nucleares são uma ameaça sempre presente, embora não haja uma consciência amplamente difundida desse risco.
Um artigo recente publicado no Boletim da associação britânica “Scientists for Global Responsibility” sob o título “A história dos acidentes no programa de armas nucleares do Reino Unido” vem lembrar os muitos riscos de um conflito nuclear, mas pergunta se esquecemos os perigos de simplesmente possuir armas nucleares.[xiii]
Incidentes ou acidentes de diferentes graus de gravidade, do ponto de vista das suas consequências, ocorreram efectivamente em todas as fases do que pode ser chamado “ciclo de vida da arma nuclear”, que inclui o fabrico, transporte, armazenamento, manutenção e desmantelamento de ogivas nucleares. Um relatório recente citado pelos autores compila todos os acidentes conhecidos, os “quase acidentes” e as ocorrências perigosas nos 65 anos de história do programa de armas nucleares do Reino Unido.[xiv]
É bastante provável que uma compilação semelhante no caso das duas grandes potências nucleares revele um número consideravelmente maior de eventos perigosos.
Quando as ogivas e os respectivos vectores de lançamento são mantidos em alerta vermelho, o dito “hair-trigger”, as consequências de um conjunto fortuito de circunstâncias podem ser gravíssimas mesmo até levar a uma guerra nuclear global. Falhas técnicas, manipulações erradas, mas também ataques informáticos maliciosos — o chamado “hacking” — que explorem pontos fracos de uma rede ou sistema de computadores podem levar a um desastre fatal.
Minhas amigas e meus amigos:
O único caminho sensato a seguir é o da eliminação total das armas nucleares, cumprindo as disposições do Tratado sobre a Proibição de Armas Nucleares, adoptado pela Assembleia Geral das Nações Unidas em Setembro de 2017, em entrado em vigor em 22 de Janeiro de 2021, 90 dias após a ratificação por 50 estados.
ICAN-Campanha Internacional para a Abolição das Armas Nucleares- Nobel da Paz de 2017
À data de 29 de Junho último, todos os estados de língua oficial portuguesa haviam já assinado o Tratado, à excepção de Portugal. Desses, três tinham já ratificado a assinatura: Cabo Verde, Guiné Bissau e Timor-Leste.
Entretanto muito haveria a dizer sobre a postura das potências nucleares relativamente a esse Tratado e, em particular dos países do chamado mundo ocidental onde se inclui Portugal.
ARMAS NUCLEARES TÁCTICAS, A DISSUASÃO NUCLEAR, A POLÍTICA DE NÃO PRIMEIRO USO, E O LIMIAR NUCLEAR
Discutiremos agora o papel no actual equilíbrio de forças internacional das chamadas armas nucleares ditas de “baixo poder explosivo” ou “armas tácticas” e as suas consequências na política dita de “dissuasão nuclear” pós-Segunda Guerra Mundial. O que são e para que servem?
Recordemos as palavras do presidente Ronald Reagan no seu “Discurso sobre o Estado da União” de 1984 dirigido ao povo americano. Disse então: “‘Povo da União Soviética, para preservar a nossa civilização nesta era moderna, há uma única política sã, para o vosso país e para o meu: uma guerra nuclear não pode ser vencida e nunca deve ser desencadeada. O único valor que as nossas duas nações que possuem armas nucleares devem seguir é garantir que essas armas nunca sejam usadas” E deixa no ar a pergunta: “Mas não seria então melhor acabar definitivamente com elas?”. Estas palavras foram, no entanto, ditas no contexto da velha doutrina ou linha política de estratégia militar e de segurança nacional a que se chamava “destruição mútua assegurada” (MAD). Essa política assentava no pressuposto de que o uso em larga escala de armas nucleares por duas ou mais partes em confronto, levaria à completa aniquilação quer do atacante quer do defensor. Recentemente, em Janeiro deste ano, o entendimento de Reagan sobre a impossibilidade de vencer uma guerra nuclear foi reafirmado pelos líderes das cinco maiores potências nucleares militares – Rússia, EUA, China, França e Reino Unido [xv]. No entanto, não se poderá dizer que na actual situação geopolítica global aquela posição possa deixar alguém descansado.
Voltando às armas tácticas.
Armas tácticas são armas de curto alcance destinadas a ser usadas no campo de batalha. Podem ser lançadas por meios aéreos, mas também por mísseis e artilharia de médio e curto alcance. Tanto os EUA como a Federação Russa, especialmente esta última, possuem inventários importantes destas armas. Ambos estão a investir fortemente no desenvolvimento de dispositivos explosivos nucleares tácticos novos e tecnicamente mais eficientes. A Rússia tem um arsenal estimado de cerca de 2000 armas tácticas, todas não operacionais; os EUA têm cerca de 100 armas tácticas operacionais na Europa e um inventário de cerca de 130 ogivas tácticas não operacionais [xvi]. As ogivas tácticas modernas são de dois tipos: poder explosivo fixo ou poder explosivo variável a ser definido pelo operador. Esta versão, em inglês, “dial-a-yield” permite definir a quantidade de energia que é liberada pela explosão. A versão mais recente da ogiva americana B61, atrás mencionada, pode ser configurada para libertar 0,3 , 1,5 , 10 ou 50 kt de energia explosiva.[xvii]
Vários autores exprimiram a opinião de que a introdução de armas nucleares tácticas como componente supostamente útil dos arsenais nucleares tem o potencial de levar a uma catástrofe global – uma guerra nuclear total. De facto, uma potência nuclear pode decidir usar uma arma nuclear de baixo rendimento num cenário de guerra limitado contra um adversário que não tenha armas nucleares e, assim, efectivamente, violar o chamado “limiar nuclear”, com base na suposição de que não haverá retaliação em espécie de outra potência nuclear por receio de que se o fizer possa desencadear uma guerra nuclear total. Nada é menos certo, no entanto, e assim, de algum modo, estaria posto em causa o princípio mesmo da política de dissuasão. Poderia inclusivamente dizer-se que (citação) “armas nucleares não são apenas uma força usada para impedir outro estado de atacar, elas também podem ser um escudo por detrás do qual se pode atacar”.[xviii]
Como o Dr. Philip Webber, da Scientists for Global Responsibility, aponta, “a realidade é que a ‘dissuasão nuclear’ é uma ameaça de morte e destruição em uma escala tão extrema que é difícil imaginar. E não se tratará aqui de um acidente – uma detonação sobre uma cidade é escolhida para maximizar a onda de choque letal e o raio da bola de fogo.” É apropriado acrescentar que o princípio do “não primeiro uso” não foi aceite incondicionalmente por nenhum dos actuais nove Estados que possuem armas nucleares, à excepção – por enquanto – da China.
Um primeiro ataque nuclear, mesmo envolvendo apenas um número reduzido de ogivas – digamos, 100 ogivas, número que representa cerca de um terço dos arsenais da Índia e do Paquistão reunidos – “seria completamente desastroso para toda a humanidade em termos de morte, lesões, libertação de radiação e impacto ambiental generalizados. Bolas de fogo nucleares criariam enormes “tempestades de fogo”, injectando na atmosfera nuvens de partículas de carbono, que reduziriam drasticamente a luz solar que chega à Terra, criando um “inverno nuclear” artificial que poderia prolongar-se por dez anos. Isso traria a fome em massa e um colapso social, pois as colheitas não suportariam temperaturas negativas fora de época e a ausência de luz solar”.[xix]
OS EFEITOS DE UMA EXPLOSÃO NUCLEAR PERTO DE NÓS
Tem interesse conhecer, ainda que de forma aproximada, as consequências do rebentamento de um explosivo nuclear sobre um aglomerado urbano. Os efeitos que vamos descrever são fruto de uma simulação em computador usando um programa desenhado por um especialista norte-americano que tem sido muito usado para esse efeito [xx]. Todos os valores devem ser vistos como estimativas que podem afastar-se sensivelmente dos valores reais expectáveis.
Vamos supor que era lançado sobre a cidade de Coimbra um explosivo nuclear de média potência. O modelo permite escolher a potência e a altitude da deflagração. Consideraremos o caso de uma bomba termonuclear com o poder explosivo de 300 kt equivalente TNT que fosse accionada a 800 m de altitude. Este é o tipo de ogiva nuclear normalmente transportado pelo míssil intercontinental norte-americano Minuteman 3 que tem um alcance de 13 mil quilómetros.
Na simulação foi considerado um vento de 25 km/h na direcção sul-norte. A contaminação dos solos devido ao depósito de partículas radioactivas transportadas pelo ar em movimento estende-se para norte ao longo de cerca de 260 km.
No centro da imagem notam-se dois círculos verdes, um mais claro e outro, de menor raio, mais carregado. Estes círculos correspondem às zonas em que os efeitos directos da radiação resultante da explosão são mais pronunciados.
As doses de radiação recebidas na área limitada pelo círculo interior (raio de 900m) são em regra fatais levando à morte em cerca de 1 mês. Entre os sobreviventes a probabilidade de morte a mais longo prazo, por desenvolvimento de um cancro, é de 15%. São apesar de tudo menos graves os efeitos da exposição à radiação na área da coroa circular entre os dois círculos (o raio do círculo maior é de 1,6 km). Nessa zona a probabilidade de morte é inferior a 5% em 60 dias, e a probabilidade de aparecimento de um cancro nos sobreviventes é de 3%.
No momento da explosão forma-se uma “bola de fogo” (debruada a amarelo, na imagem) com cerca de 1500 m de diâmetro. No centro da bola de fogo a temperatura é semelhante à do centro do sol (100 milhões de graus Celsius). Todos os materiais nessa zona são vaporizados — construções e seres vivos. Os efeitos de sopro e a onda de calor são, para lá da radiação, as principais causas de destruição e morte. Na imagem o efeito de sopro estende-se até cerca de 8 km do centro da explosão. Até 1,5 km praticamente todos os edifícios são destruídos. A onda de calor provoca queimaduras de 3º grau até 6,5 km de distância do centro da explosão. A conhecida nuvem em forma de cogumelo eleva-se a 17 km de altitude com um diâmetro equivalente.
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Como tivemos oportunidade de sublinhar em diversas ocasiões, os trabalhadores científicos têm o dever de intervir na luta pela paz, sensibilizando os seus concidadãos para as ameaças que afligem toda a humanidade.
Recentemente, tanto nos EUA como na Europa, têm sido tomadas posições por trabalhadores científicos e outros intelectuais, ora sob a forma de “carta aberta” dirigida à comunidade científica e ao público em geral, ora sob a forma de “petição pública” dirigida aos decisores políticos. Uma das iniciativas mais notáveis é a recente criação nos EUA de uma coligação de físicos para combater a ameaça nuclear (“Physicists Coalition for Nuclear Threat Reduction”)[xxi] que reúne físicos de um importante conjunto de universidades norte-americanas e é apoiada pela American Physical Society, que conta mais de 50 mil membros nos EUA e noutros países. Citando as palavras da Comissão do Relógio do Juízo Final do Boletim de Cientistas Atómicos,[xxii] aquela Coligação alerta para que “a crença em que a ameaça de guerra nuclear desapareceu é uma miragem”, e propõe a construção de uma rede de “cientistas cidadãos” comprometidos com a luta contra a ameaça nuclear [xxiii]. Os promotores da iniciativa sabem, como também sabemos, que, infelizmente, há uma maioria de membros da comunidade científica que, apesar da gravidade dos perigos, mostra a tendência para manter uma atitude passiva, não valoriza esses perigos ou ignora-os, e eles, os activistas da Coligação de Físicos, sabem que o sucesso dos seus esforços depende da participação dessa maioria passiva, em especial dos mais jovens, numa luta que é de todos.
A minha associação, a OTC-Organização dos Trabalhadores Científicos, filiada há mais de 40 anos na Federação Mundial dos Trabalhadores Científicos, procura contribuir para criar consciência desses perigos.
Vou terminar.
Estamos a poucos dias de assinalar mais um aniversário do trágico ataque nuclear que atingiu as cidades japonesas de Hiroshima e Nagasaki, a 6 e 9 de Agosto de 1945. O tempo passa, mas a memória conserva-se e porventura aviva-se a atenção que esses acontecimentos nos devem merecer nos dias de hoje que são de sobressalto, morte e destruição para milhões de seres humanos que connosco partilham este planeta único que é a Terra. Sempre houve, desde a mais remota antiguidade, e continuará a haver no nosso mundo, mulheres e homens de excepção que o marcaram, e nos marcaram. Lembrando a tragédia do Japão de há 77 anos trago-vos as palavras de uma dessas personagens que a História não esquecerá: Nelson Mandela.
Obrigado pela vossa atenção
Frederico Carvalho
28 de Julho de 2022
O autor agradece ao Conselho Português para a Paz e a Cooperação e, em particular, ao seu Núcleo de Coimbra, o convite para proferir a palestra agora aqui dada a público, no site internet da OTC.
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[i] Noam Chomsky é um linguista, filósofo, cientista cognitivo, ensaísta histórico, crítico social e activista político americano. Considerado “o pai da linguística moderna”, Chomsky é também uma figura importante da filosofia analítica e um dos fundadores do campo da ciência cognitiva que tem como objectivo compreender a estrutura e o funcionamento da mente humana.
[ii] https://tomdispatch.com/welcome-to-a-science-fiction-planet/?utm_source=TomDispatch&utm_campaign=50162c385a-EMAIL_CAMPAIGN_202%E2%80%A6
[iii] A Lockheed Martin é uma das maiores empresas do sector industrial militar dos EUA. Em 2014-2015, foi o maior vendedor de armamentos a nível mundial.
[iv] A ExxonMobil é uma das maiores corporações multinacionais do sector do petróleo e do gás. Possui 37 refinarias em 21 países. A ExxonMobil tem um histórico de lobby pela negação das mudanças climáticas e contra o consenso científico de que o aquecimento global é causado pela queima de combustíveis fósseis. A empresa também foi alvo de acusações de tratamento impróprio de questões de direitos humanos, influência na política externa americana e o seu impacto no futuro das nações. (https://www.telegraph.co.uk/culture/books/bookreviews/9429215/Private-Empire-ExxonMobil-and-American-Power-by-Steve-Coll.html )
[v] https://www.wsj.com/articles/congress-rejects-bidens-defense-budget-pentagon-funding-military-ndaa-11656346717 (o aumento proposto foi de cerca de 5%)
[vi] https://fas.org/issues/nuclear-weapons/status-world-nuclear-forces/
[vii] O trinitrotolueno, TNT, é um explosivo químico. A sua densidade energética é de 4MJ/kg. Por comparação, a densidade energética do carvão é 24MJ/kg. O carvão não é, todavia, um explosivo e o aspecto fundamental a ter em conta na avaliação dos efeitos da libertação de energia é o tempo em que a energia é libertada. No caso da explosão nuclear esse tempo pode ser da ordem do milésimo de segundo ou mesmo inferior. Assim a explosão de apenas 1 kg de TNT pode corresponder a uma potência de 4000 MW.
[viii] Ver referência 6. Isto pode ser considerado como uma violação dos Artigos I e II do Tratado de Não-Proliferação do qual os países mencionados são parte.
[ix] Os explosivos nucleares actuais são em regra engenhos termonucleares ou de fusão. Usou-se o termo “bomba de hidrogénio” porque assentam na reacção nuclear cujos “reagentes” são dois isótopos de hidrogénio: o deutério e o trítio. A bomba de fusão permite obter potências explosivas muito elevadas com dispositivos mais leves do que aqueles que assentam na cisão nuclear do urânio. Para obter as altas temperaturas, da ordem de 100 milhões de graus centígrados, que levam à fusão dos núcleos de hidrogénio é necessário utilizar um explosivo adicional ― um primeiro andar do dispositivo ― em que é usado o plutónio. O stock de plutónio para fins militares hoje existente no mundo é estimado em 220 toneladas. Dez quilogramas é o suficiente para construir uma bomba mais potente do que a destruiu Nagasaki em 1946.
O trítio é um isótopo radioactivo do hidrogénio, de vida curta, que é produzido na própria bomba na fase inicial da explosão. O deutério que irá fundir-se com o trítio, esse está já presente na bomba na forma de hidreto de lítio, correntemente designado em inglês por lithium deuteride, um composto de lítio e deutério. O lítio dá origem ao trítio quando bombardeado com o fluxo de neutrões resultantes da cisão do plutónio contido no primeiro andar do dispositivo. Na bomba termonuclear intervêm assim, de forma conjugada, os fenómenos da cisão nuclear do plutónio e da fusão nuclear dos já referidos isótopos do hidrogénio. É esta última que confere à bomba o seu extraordinário poder destruidor.
[x] https://www.bbc.com/news/magazine-18689132 , ver também:
https://www.voanews.com/a/usa_ex-us-soldiers-nearing-resolution-claims-1966-palomares-accident/6200883.html
[xi] “Biden’s Change in Nuclear Policy Weakens Deterrence”, Patty-Jane Geller, The Heritage Foundation, April 4, 2022 (https://www.heritage.org/defense/commentary/bidens-change-nuclear-policy-weakens-deterrence )
[xii] See reference 8
[xiii] David Cullen, Peter Burt, SGR Newsletter no.46; published online: 23 April 2018 (https://www.sgr.org.uk/resources/history-accidents-uk-s-nuclear-weapons-programme#Reference )
[xiv] Burt P (2017). “Playing with Fire: Nuclear Weapons Accidents and Incidents in the United Kingdom”, Nuclear Information Service. (https://www.nuclearinfo.org/article/nis-reports/playing-fire-nuclear-weapons-incidents-and-accidents-united-kingdom )
[xv] The White House (2022). https://www.whitehouse.gov/briefing-room/statements-releases/2022/01/03/p5-statement-on-preventing-nuclear-war-and-avoiding-arms-races/
[xvi] Ver referência 6
[xvii] Por comparação, a bomba lançada sobre Nagasaki, em 9 de Agosto de 1945, libertou uma energia equivalente a 20 kt de TNT
[xviii] Scott Sagan, co-director do Center for International Security and Cooperation da Universidade de Stanford, EUA (https://www.futurity.org/putin-nuclear-weapons-threat-war-russia-2729662/ )
[xix] “Has our society forgotten the extreme horror of nuclear weapons?” Philip Webber, SGR, Responsible Science blog, 3 March 2022 (https://www.sgr.org.uk/resources/has-our-society-forgotten-extreme-horror-nuclear-weapons#_edn9 )
[xx] A simulação (NUKEMAP) deve-se a Alex Wellerstein, historiador da Ciência e professor no Stevens Institute of Technology. Foi criada em 2011 e continua a ser usada desde então.
https://nuclearsecrecy.com/nukemap/
[xxi] https://www.aps.org/policy/nuclear/index.cfm
[xxii] https://otc.pt/wp/2022/01/31/hora-do-relogio-do-juizo-final-2022/
[xxiii] https://thebulletin.org/2020/01/physicists-mobilize-to- reduce-the-nuclear-threat-again/