A Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) encaminhou a autoridades nacionais e internacionais a “Moção em defesa da Paz e contra a crescente corrida armamentista em escala mundial”. Endereçado ao ministro da Defesa, Paulo Sérgio Nogueira de Oliveira, e das Relações Exteriores, Carlos Alberto Franco França, o documento também foi enviado a sociedades científicas do Brasil e de outros países, a parlamentares brasileiros, à Agência Internacional de Energia Atômica e à Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco).
A moção alerta para os riscos de uma guerra nuclear que voltam a assombrar o mundo e afirma a importância de os cientistas voltarem a debater, a se manifestar e a influenciar autoridades e governos pela adoção de ações para a paz e pela contenção da corrida armamentista que vemos se acirrar novamente no mundo.
“O perigo de uma escalada das hostilidades em relação ao uso de armas nucleares é evidente e sério. Tensões se avolumam também em outras partes do mundo. Toda a arquitetura de segurança, baseada na Carta das Nações Unidas e em tratados multilaterais e bilaterais e outros arranjos, está ameaçada. É fundamental que todos os países busquem trabalhar juntos pela paz e para compensar os impactos globais desta guerra. E não há outra perspectiva promissora à vista, que não seja uma solução pacífica.”
O texto foi aprovado por unanimidade pela Assembleia Geral Ordinária de Sócios da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), realizada no dia 28 de julho, na Universidade de Brasília (UnB), durante a 74ª Reunião Anual da SBPC.
A Associação Nacional de História (ANPUH), a Sociedade Brasileira de Eletromagnetismo (SBMAG), a Sociedade Brasileira de Engenharia Biomédica (SBEB), a Sociedade Brasileira de Física (SBF) e a Sociedade Brasileira de Genética (SBG) subscrevem o documento.
Leia abaixo a moção na íntegra:
Moção em defesa da Paz e contra a crescente corrida armamentista em escala mundial
“Em julho de 1955, foi divulgado um manifesto pela paz e contra o uso de armas nucleares, liderado por Bertrand Russel e Albert Einstein, assinado por inúmeros cientistas de destaque e apoiado por milhares de pessoas no mundo todo. O manifesto teve uma importante repercussão junto à opinião pública, à ONU e aos governos e trazia uma conclamação aos cientistas e ao público: “Em vista do fato de que, em qualquer guerra mundial futura, armas nucleares certamente serão empregadas e que tais armas ameaçam a existência continuada da humanidade e de outros os seres vivos do planeta, instamos os governos do mundo a reconhecer, e a expressar isto publicamente, que seus objetivos não podem ser alcançados por meio uma guerra mundial, e nós os exortamos, consequentemente, a encontrar meios pacíficos para a solução de todas as questões de disputa entre eles”.
Nas décadas de 1950/60, a comunidade científica mundial, apoiada pela opinião pública, teve êxito em sua campanha pelo banimento dos testes nucleares sob a água, na atmosfera e na superfície da Terra. Cientistas e sociedades científicas brasileiras participaram destes esforços. Na Constituinte de 1987, a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência – SBPC, a Sociedade Brasileira de Física – SBF e muitas outras entidades se mobilizaram com êxito para que houvesse, na Constituição Federal, a proibição das armas nucleares. Nas duas décadas seguintes, a mobilização de cientistas brasileiros e argentinos conduziu à assinatura de tratados que foram essenciais para manter a América do Sul livre dessas armas. No entanto, não se conseguiu o banimento geral das armas nucleares, nem impedir a sua produção em diversos países do mundo. Apesar de esforços para sua diminuição, o número delas em todo o mundo é absolutamente alto. Em particular, EUA e Rússia possuem juntos cerca de 11.000 armas nucleares operacionais. Além disso, recentemente foram desenvolvidas novas tecnologias para o lançamento dessas armas, como os mísseis hipersônicos.
Hoje os riscos de uma guerra nuclear voltam a assombrar o mundo. A situação atual é muito perigosa, em particular aquela decorrente da guerra na Ucrânia, que já matou milhares de pessoas, levou a um imenso fluxo migratório e gerou altas tensões entre países possuidores de armas nucleares. É relevante lembrar que as armas modernas, que matam com “eficiência” nunca vista, são provenientes também de resultados científicos e tecnológicos e do trabalho de cientistas e técnicos.
O perigo de uma escalada das hostilidades em relação ao uso de armas nucleares é evidente e sério. Tensões se avolumam também em outras partes do mundo. Toda a arquitetura de segurança, baseada na Carta das Nações Unidas e em tratados multilaterais e bilaterais e outros arranjos, está ameaçada. É fundamental que todos os países busquem trabalhar juntos pela paz e para compensar os impactos globais desta guerra. E não há outra perspectiva promissora à vista, que não seja uma solução pacífica.
O enorme crescimento na corrida armamentista, com o grande aumento dos orçamentos de muitos países para defesa, leva à redução de recursos para a educação, saúde, C&T, meio ambiente etc. Enquanto isto, escasseiam recursos para o combate à fome, que grassa em inúmeros países, e às doenças e pandemias que atingem milhões de pessoas no mundo. Por outro lado, o urgente enfrentamento das mudanças climáticas encontra-se fortemente afetado pela guerra e pelas consequências dela decorrentes. Ampliam-se também os preconceitos, exacerbados pela situação, como aqueles que discriminam cientistas, artistas e outras pessoas por suas origens nacionais, étnicas ou culturais.
O objetivo principal da ciência deve ser defender e proteger a vida e não acarretar a morte. Os cientistas devem estar conscientes e se manifestar contra a utilização dos conhecimentos que produzem e que estão sendo usados para gerar a morte em grande escala e que ameaçam a sobrevivência da humanidade. A Assembleia Geral da SBPC afirma a importância de os cientistas voltarem a debater, a se manifestar e a influenciar autoridades e governos na adoção de ações que defendam a paz e que contenham a corrida armamentista acelerada que assola o mundo neste momento. Retomemos o apelo do manifesto Einstein-Russell: “Apelamos como seres humanos aos seres humanos: lembre-se de sua humanidade e esqueça o resto”!
Brasília, 28 de julho de 2022.”
O documento na íntegra pode ser acessado neste link.
Jornal da Ciência
Nota OTC
A OTC saúda a iniciativa da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência traduzida na aprovação da Moção em defesa da Paz acima transcrita e faz notar que o único caminho sensato a seguir é o da eliminação total das armas nucleares, cumprindo as disposições do Tratado sobre a Proibição de Armas Nucleares, adoptado pela Assembleia Geral das Nações Unidas em Setembro de 2017, e entrado em vigor em 22 de Janeiro de 2021, 90 dias após a ratificação por 50 estados. Neste contexto faz notar que à data de 29 de Junho último, todos os estados de língua oficial portuguesa haviam já assinado o Tratado, à excepção de Portugal. Desses, três tinham já ratificado a assinatura: Cabo Verde, Guiné Bissau e Timor-Leste.