93º Conselho Executivo da Federação Mundial dos Trabalhadores Científicos (FMTC)
Exposição introdutória do Presidente JEAN-PAUL LAINÉ
Caros amigos, bom dia.
Introdução
Iniciamos a nossa primeira reunião após a Assembleia Geral que nos elegeu e elaborou um roteiro que inclui um capítulo sobre o reforço da organização. Foi neste contexto que se decidiu realizar dois conselhos executivos por ano, um presencial e outro por videoconferência. O Secretariado Internacional (SI) de Junho, decidiu realizar esta reunião à distância e — graças ao empenho das organizações portuguesas membro — realizar a sessão presencial no final do ano académico, na Universidade de Évora.
Outra novidade, a presidência é bicéfala: faço esta declaração em meu nome e de Elies [i], obviamente inspirado pelos secretariados mensais e pelo gabinete, que tem sido responsável pelo acompanhamento das decisões e pela preparação das reuniões.
Também inovámos em termos de organização: um secretariado reforçado, uma participação mais assídua dos membros, mas com um grande número a ter dificuldades numa das nossas línguas oficiais, levou-nos a recorrer a um e depois a dois intérpretes. As consequências destes desenvolvimentos podem ser medidas em termos financeiros, bem como em termos de relações entre colegas, entre organizações filiadas e a Federação e, finalmente, em termos de iniciativas e actividades. Iremos avaliar isto ao longo destes dois dias.
A actividade
Não vou estender-me sobre este assunto, que é o objectivo e a justificação do nosso compromisso pessoal e colectivo: serei seguido pelos porta-vozes dos serviços e grupos de trabalho. No entanto, gostaria de salientar alguns pontos.
- O reforço do SI e do Executivo — que pretendemos continuar — e a criação de uma co-presidência, tiveram efeitos positivos, qualitativamente e quantitativamente. O organigrama com as suas linhas e colunas, a sua representação de serviços, dos grupos de trabalho e responsabilidades claramente identificadas, não é apenas um jogo burocrático: ajuda-nos a todos a situarmo-nos, e incentiva o diálogo e a consulta.
- Enumerarei apenas algumas práticas exemplares: o aumento do nosso nível de intervenção, de colaboração e das relações interpessoais com os nossos interlocutores na UNESCO, o seguimento da campanha para um fundo de investigação em África, a transmissão por algumas das nossas organizações filiadas das declarações da FMTC, uma conferência na qual o nosso representante apresenta de forma complementar os seus próprios trabalhos numa determinada ciência e os princípios da FTMC sobre a ciência em geral, a criação de um seminário para as partes interessadas permitindo uma abordagem pluralista.
- Temos a ambição de ser uma das redes verdadeiramente pluralistas no campo da política de investigação e poder ser uma voz relevante junto das instituições internacionais e dos decisores políticos e económicos. A nossa prioridade actual parece-me ser a comunicação interna e externa: instrumentos, como as listas de endereços de correio electrónico e, em particular, a chamada lista “CE alargada”; o nosso website e a nossa apresentação na Wikipédia, precisam de ser urgentemente desenvolvidos e melhorados.
O contexto
Acumulam-se os desafios que a humanidade tem pela frente (alterações climáticas, esgotamento de recursos, desaparecimento de espécies, pandemias, recurso à guerra até ao risco nuclear, nacionalismo e xenofobia, desigualdades e injustiças gritantes, migrações-refúgio forçados, etc…): a nossa nave espacial “Terra”, embora danificada, corre o risco de ver em breve o Antropoceno[ii] ceder o lugar. Hoje não entrarei em detalhes sobre todos estes imensos problemas, que são essencialmente gerados pelas nossas sociedades e relações humanas, os líderes que nos damos, a nossa incapacidade de ultrapassar tradições, os egoísmos, as lutas pelo poder… e uma dinâmica populacional pouco razoável.
Porque tratámos longamente destes assuntos nas nossas Assembleias anteriores, sugerimos que desta vez o Elies e eu abordemos estes grandes problemas do seguinte ângulo: o que devemos fazer, enquanto trabalhadores científicos, para que a Ciência seja mais solução do que problema? Não nos contentemos com denunciar, anunciar a catástrofe, mas olhemos objectivamente para a ciência e a tecnologia deste primeiro quartel do século XXI.
Não é surpreendente que a Ciência, que é uma obra humana, seja ambivalente.
Por um lado, os progressos da ciência cobrem todos os campos com importantes êxitos. A ciência e a tecnologia tornaram possível a criação de vacinas contra o Ébola e contra a malária nas crianças, tornaram possível em tempo recorde produzir (o que não significa disponibilizar seja qual for o país e os meios financeiros) vacinas contra a Covid-19, o que poderia parecer ficção científica há alguns anos atrás. As técnicas genéticas para remover, substituir ou adicionar uma sequência de ADN num ponto específico de um gene são muito promissoras. A agricultura de plantio directo está a desenvolver-se rapidamente (especialmente na América do Sul) com menos erosão, maior biodiversidade e pouca ou nenhuma utilização de fertilizantes e pesticidas.
Mencionemos também os progressos dos computadores quânticos, os progressos da inteligência artificial ou a utilização da sequenciação de genes para compreender a microbiota intestinal mas também a evolução e migração humanas, a descoberta das ligações entre a configuração das proteínas e as doenças neurodegenerativas, e, 70 anos após a sua previsão, a descoberta de ondas gravitacionais, etc. … Vou parar aqui uma enumeração relativa a campos muito diferentes e que mistura voluntariamente investigação fundamental e investigação aplicada e que poderia cobrir páginas e páginas. É verdade que é uma das epopeias da aventura “Homo Sapiens”, que deve ser principalmente uma obra aberta, criada e benéfica em todos os continentes.
Mas, por outro lado, há outra observação a fazer: apesar das declarações ambiciosas e das resoluções de choque mediatizadas dos líderes, a fracção do Produto Nacional Bruto dedicada à investigação, tanto pública como privada, está estagnada e permanece longe dos objectivos declarados: apenas a Coreia do Sul ultrapassa os 3%; a França, por exemplo, mantém-se nos 2,2%. Por outro lado, e particularmente quando está em jogo o domínio económico ou político, as linhas vermelhas tornam-se verdes: constatamos então um aumento nos orçamentos militares e particularmente na investigação para fins militares. Isto está muito longe da necessidade de colocar toda a inteligência humana ao serviço do combate contra os grandes desafios acima mencionados. Como imagem da nossa época, tomemos a questão da energia. Da simples utilização dos nossos músculos e dos dos animais domésticos, à água e ao vento na nossa vizinhança, passamos à exploração de toda a produção passada e presente da nossa “caldeira”, o sol. Como foi isto gerido pelos nossos dirigentes? Principalmente pela corrida à monopolização dos recursos, e pela guerra e a colonização. Hoje em dia, com a escassez no horizonte, impõe-se a sobriedade aos povos enquanto os poderosos viajam em jactos privados. A investigação é cada vez mais orientada para os avanços que conduzem a mercados fabulosos e a lucros fabulosos, ao mesmo tempo que é insuficientemente investida nas potencialidades do “hidrogénio verde”, da cisão nuclear, com reciclagem de resíduos, da fusão nuclear e outras.
Os nossos objectivos
Propus anteriormente algumas prioridades em termos de organização, e gostaria de terminar esta apresentação introdutória listando uma série de temas em relação com o contexto descrito e em conformidade com o roteiro votado em Marraquexe:
- Em tudo o que precede, encontram-se os princípios contidos nas iniciativas da UNESCO (Ciência aberta, por exemplo): é mais útil do que nunca trabalhar com e dentro dessa instituição e do seu Comité de Ligação com as ONG. Estamos naturalmente em sintonia com os Objectivos do Milénio e com os Objectivos de Desenvolvimento Sustentável.
- Precisamos de reinvestir fortemente na questão do estatuto e orientação da investigação e do estatuto dos investigadores; o Grupo de Trabalho 3 [iii] deve ser reforçado.
- Devemos, mais do que nunca, defender a independência, a liberdade académica e a mais ampla cooperação possível, independentemente da cultura, religião ou geopolítica. A participação dos amigos da América-latina ajudará a tomar e implementar iniciativas.
- Consolidar a nossa actividade “Paz, desarmamento e cooperação”, da qual nos orgulhamos de representar o nosso “ADN”. A reflexão sobre a ONU e pelo desenvolvimento de regulações à escala global deve ser relançada. A Covid-19 e a guerra na Ucrânia convidam-nos vivamente a fazê-lo.
- Continuar a nossa campanha para a criação de um fundo para a investigação em África,
- A Ciência é uma epopeia global (repito-me), uma aventura de toda a humanidade, não é propriedade do capitalismo, nem do Ocidente, nem do homem branco. O lugar da mulher ainda não foi conquistado.
- Esta campanha, tal como o lançamento da nossa reflexão sobre os oceanos, levar-nos-á a precisar os nossos valores e a nossa ambição na gestão do nosso planeta: desenvolver uma consciência de comunidade, da gestão colectiva das actividades e das regiões na Terra e no espaço.
O futuro da nossa civilização será comum ou não será.
Em conclusão, devemos durante estes dois dias, trocar ideias sobre as nossas missões e visões de como devemos melhorar a nossa organização e o nosso funcionamento para nos tornarmos mais visíveis e mais eficazes nas nossas funções de fórum e de influenciadores.
Obrigado pela vossa atenção.
Jean-Paul Lainé
12 de Dezembro de 2022
Tradução do francês: Elisabete Nunes
Revisão: Frederico Carvalho
Observação: As notas são da responsabilidade da OTC
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[i] Elies Molins Grau, Professor-investigador no Instituto de Ciencia de Materiales de Barcelona (ICMAB-CSIC), sito no Campus da Universidade Autóhoma de Barcelona e Presidente da API-CSIC, Associação do Pessoal Investigador do Consejo Superior de Investigaciones Científicas, de Espanha, filiada na FMTC.
[ii] O termo Antropoceno foi criado para levar em consideração o impacto da acelerada acumulação de gases de efeito estufa sobre o clima e a biodiversidade e, da mesma forma, dos danos irreversíveis causados pelo consumo excessivo de recursos naturais (https://pt.unesco.org/courier/2018-2/antropoceno-os-desafios-essenciais-um-debate-cientifico).
[iii] Grupo de Trabalho 3: “Condições da Investigação e Estatuto dos Trabalhadores Científicos”.
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