SOBRE O PROGRAMA FCT-Tenure
Tem-se assistido, no decurso das últimas décadas, à precarização quase generalizada do regime laboral dos trabalhadores da ciência, designadamente, do investigador científico, ao ponto de esta se ter tornado mais a regra do que a excepção.
De um Estatuto de Carreira da Investigação Científica estruturado e com as garantias, que a Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas contempla, e que simplesmente deixou de ser aplicado aos novos investigadores, deu-se o salto para um regime desregulado marcado, à partida, pela utilização abusiva de bolsas de pós-graduação e pós-doutoramento associadas a projectos de investigação de duração muito limitada, e que prossegue com um regime onde teve papel determinante o Decreto-Lei n.º 57/2016, de 29 de Agosto, mas que, pelo seu âmbito temporal de 6 anos, começa a gerar um grave problema de emprego científico. Prevê-se que num prazo muito curto de 1-2 anos largas centenas de investigadores fiquem de novo com o desemprego no horizonte.
É neste contexto que surge o chamado programa FCT-Tenure que se propõe subsidiar — é o termo — as instituições de Ensino Superior e de Investigação, cobrindo parcialmente e durante um tempo limitado, as despesas com a contratação para lugares permanentes das Carreiras Docente Universitária e de Investigação, de candidatos doutorados que passem no crivo do inevitável concurso internacional a que se lhes exige submeter-se. Os responsáveis das referidas instituições agradecerão que nos primeiros três anos após a contratação, a benemérita Fundação para a Ciência e a Tecnologia contribua com dois terços dos custos salariais de cada posição para ambas as carreiras, e de um terço num possível segundo triénio no caso da contratação ser feita no âmbito da Carreira de Investigação.
A precariedade instituída no sistema adquiriu um carácter estrutural que se vem acentuando no decurso dos últimos 20 anos, no contexto do quadro legislativo a que o Ministro Mariano Gago deu corpo. É nesse contexto que, uma vez mais, se institui uma medida de carácter avulso como complemento ao reconhecido subfinanciamento sistémico das instituições do Sistema Nacional de Ciência e Tecnologia. Prever que ao esgotar-se o prazo de concessão do generoso subsídio, as instituições subsidiadas não possam suportar o acréscimo de encargos que as novas contratações implicarão, é uma aposta ganha à partida. Não se fazem omeletes sem ovos e, neste caso, a galinha poedeira é uma administração que ignora ou confunde aquilo que devem ser as prioridades de investimento no nosso país.
Outro aspecto suscitado pelas regras deste “Tenure” é o de exigir aos contratados para a Carreira Docente Universitária a leccionação de um número de horas inferior ao requerido de um docente normalmente integrado nessa Carreira, enquanto exige a um investigador contratado na Carreira de Investigação a obrigatoriedade de leccionar o número de horas que até aqui está previsto com carácter opcional na Carreira actualmente em vigor.
De uma só vez, o programa ceifa um direito dos investigadores (o de optar por não dar aulas) e permite às instituições de ensino recrutar para a Carreira Docente, em geral depauperada em recursos humanos, investigadores já formados e activos em linhas de investigação próprias, o que tem riscos para o ritmo de desenvolvimento dos trabalhos em curso.
Fazer alarde da contribuição para o combate à precariedade que decorreria da aplicação do novo programa choca-se com os números envolvidos. As novas contratações em funções públicas por termo indeterminado a que o FCT-Tenure poderá dar origem, não representarão mais do que uma pequena parcela do numeroso contingente de trabalhadores da ciência em situação de precariedade laboral, não constituindo por isso solução para o objectivo que enuncia como sendo o da medida.
A OTC encara com preocupação o persistente estado de precariedade estrutural que afecta o Sistema Nacional de Ciência e Tecnologia e considera que não são medidas enviesadas e mal configuradas como o designado programa “FCT-Tenure”, aparentemente desenhado para atacar aquele problema estrutural, que poderá de facto atacar as causas e atingir os objectivos que se diz propor.
A Direcção
5 de Fevereiro de 2024