A CIÊNCIA NA ENCRUZILHADA DO VOTO

A CIÊNCIA NA ENCRUZILHADA DO VOTO
UMA CAMPANHA REVISITADA

A comunidade científica que dá vida e expressão ao Sistema Nacional de Ciência e Tecnologia tem o dever e o direito legítimo de esperar que os poderes públicos que irão marcar o seu futuro próximo tenham uma visão clara das dificuldades que este atravessa e procurem caminhos acertados para as vencer ou, pelo menos, minorar. É facto que os representantes das várias correntes ou sensibilidades políticas que se vêm pronunciando sobre a temática que envolve aquele sistema e os seus actores e agentes, aparentam interessar-se de forma mais ou menos empenhada em denunciar o que entendem estar mal e em apontar as soluções que se propõem pôr em prática, cada um, naturalmente, seguindo os caminhos que consideram desejáveis à luz dos objectivos que norteiam as respectivas posições no xadrez político.

Por regra, todos afirmam reconhecer a importância de consolidar e desenvolver os activos humanos e materiais afectos às actividades de investigação científica, desenvolvimento experimental e inovação, no sector público como no sector privado.

Até aqui tudo bem. A questão está nos males que denunciam e nas soluções que propõem, quando as propõem. Desde logo é legítimo duvidar do grau de convicção das várias formações políticas quando proclamam a importância da ciência para o desenvolvimento harmonioso da sociedade portuguesa nos planos social, económico e cultural. De facto, no decurso das últimas semanas em que todas se desdobraram em proclamações de vária ordem, num constante rodopio de norte a sul do país e na comunicação social, não consta que a ciência tenha merecido sequer aquele mínimo de atenção que corresponderia ao espaço, também reduzido, que lhe é concedido nos respectivos programas eleitorais. A este respeito importa dizer, entretanto, que não é o número de páginas que conta mas o que nelas se escreveu.

Dispusemo-nos a apreciar os programas de quatro forças partidárias e anotar o que lá se pode ler sobre os destinos a que votam a actividade científica e as perspectivas que abrem à numerosa e qualificada comunidade de trabalhadores científicos que lhe dão vida. Focámos a atenção em quatro questões: precariedade; financiamento; regimes legais e estrutura do Sistema Nacional de Ciência e Tecnologia.

Breve análise das referências mais relevantes à Ciência e ao Sistema Nacional de Ciência e Tecnologia encontradas nos programas eleitorais de quatro forças políticas

A chaga da precariedade estrutural persistente de que o sistema sofre, não é objecto de qualquer referência ou medida de combate, no programa do Partido Socialista. Da leitura, presume-se que o caminho seguido, designadamente, a manutenção do Estatuto de Bolseiro de Investigação e a proliferação de contractos a termo certo, é para manter.

Entretanto, no que respeita a recursos humanos, tem interesse transcrever a intenção (a interpretar) de “Consolidar a política de desacoplamento dos processos de recrutamento e progressão, aprovado em 2021, (já encerrado) garantindo previsibilidade aos mecanismos de progressão na carreira, baseados em regimes de avaliação de desempenho da carreira docente e da carreira de investigação”.

O estranho uso das palavras é, neste, como em outros textos da mesma natureza, algo surpreendente: “consolidar” um regime que já foi extinto? Será “consolidar a extinção” ou repô-lo? Poderá ser um caso de uso do “politiquês” como instrumento de indefinição do que realmente se pretende.

Um aspecto que merece particular referência tem a ver com o reconhecimento da necessidade e importância dos recursos humanos dirigidos para o apoio técnico às actividades de I&DE. Assim, afirma-se o propósito de “lançar um programa de apoio à carreira de recursos humanos altamente especializados de apoio à investigação, incluindo gestão de ciência, gestão de projetos, técnicos de laboratório, de sistemas de informação, e de apoio a bibliotecas, entre outros, garantindo as melhores praticas internacionais nos serviços de apoio á atividade científica e de I&D”.

As referências que se encontram no programa da Aliança Democrática que de algum modo se prendem com a questão do emprego de recursos humanos na área que tratamos e condições do mesmo, pode, com boa vontade, dizer-se que, estando presentes, são prudentemente vagas. Assim propõe-se: “Desenvolver estímulos à contratação transparente e sustentável de docentes e investigadores por parte das instituições públicas”, logo excluindo qualquer estímulo a uma contratação opaca e insustentável ou ao que por tal possa entender-se. Aquela intenção pode ligar-se, aliás, a estoutra, igualmente vaga, que é explicitada no programa: “Dignificar o trabalho e o emprego, combater a pobreza e a precariedade” e, ainda, na intenção de “Reduzir a precariedade e a economia informal”.

Há também, em matéria de contratos, uma proposta a anotar, a saber, a proposta do “Fim da obrigatoriedade de cessação de contrato do trabalhador quando este transita para o estado de reformado”, esclarecendo-se que “por acordo entre as partes, o contrato, eventualmente ajustado nos períodos normais de trabalho e horário de trabalho pode manter-se”.

Já num quadro alargado, que transcende o Sistema público, afirma-se a intenção de “incentivar a contratação de doutorados pelas empresas”, desenvolvendo um “programa que estimule” essa contratação, acentuando-se, nesse quadro, o interesse pelo emprego jovem. Assim, é proposta a criação de “um programa JDI – Jovens Doutorados para a Indústria, desenvolvendo, com o apoio das Associações Empresariais Nacionais, programas de incentivo à integração dos nossos jovens doutorados, nas áreas científicas, tecnológicas e de gestão, nas empresas portuguesas, substituindo, com vantagens para a economia portuguesa, o atual sistema de bolsas de investigação”.

Temos pois, no que respeita a condições de emprego e conteúdos contratuais, a manifestação de excelentes intenções, podendo levantar-se fundadas dúvidas sobre o tempo e o modo em que poderão concretizar-se.

O programa do Bloco de Esquerda, no que toca à Ciência, abre com a afirmação de que “a investigação científica tem sido uma fábrica de precariedade, mais do que bolsas, projetos, recibos verdes ou contratos temporários, o que é preciso é uma política de investimento e de contratação para dinamizar a ciência em Portugal”. A gestão de tal “fábrica” terá sido, dizemos nós, a protagonizada há mais de duas décadas pelos responsáveis de sucessivos governos constitucionais.

São inseridas no programa diversas medidas que respeitam directamente ao estatuto e vínculo laboral dos trabalhadores científicos, desde logo elegendo-se como “prioridade para a próxima legislatura” a abertura de “um novo PREVPAP (programa de regularização extraordinária dos vínculos precários na Administração Pública), para o Ensino Superior e Ciência”.

Exige-se a “Revogação do Estatuto de Bolseiro de Investigação Científica e inserção dos atuais bolseiros num enquadramento legal que garanta o direito a um contrato de trabalho, com 14 meses, direito a subsídio de desemprego e outros direitos constantes no código laboral e na Lei do Trabalho em Funções Públicas” e afirma-se a necessidade de revisão do Estatuto da Carreira de Investigação Científica “com definição de critérios claros de avaliação de desempenho e regras justas de progressão”, o mesmo se reivindicando relativamente às carreiras docentes do ensino superior — politécnico e universitário.

No que toca ao pessoal investigador, defende-se a “obrigatoriedade de contratação ao abrigo do Estatuto da Carreira de Investigação Científica, revendo por cima o atual rácio mínimo de pessoal na carreira para aceder a financiamento estatal e/ou comunitário”.

Repare-se em que, salvo melhor opinião, se revela aqui, como nos programas das forças partidárias atrás abordados, uma aparente identificação de “instituições de investigação” com “instituições do ensino superior” já que só nestas se coloca a questão do “rácio” que é referido.

Ainda neste quadro em que se trata de ”carreiras” deve anotar-se a louvável referência a “uma carreira dedicada aos quadros técnicos de apoio à investigação” e, ainda, à necessidade de uma “regulamentação das Carreira de Docente no Ensino Superior Privado, em negociação com as organizações representativas da classe”.

O programa do Partido Comunista Português enuncia de forma precisa as medidas que considera essencial adoptar para um combate efectivo à precariedade laboral nas instituições de ensino superior e investigação. Assim, no ensino superior, afirma a necessidade de “integrar na carreira os falsos docentes convidados e docentes com outros vínculos precários, que respondem a necessidades permanentes”, num quadro de valorização das carreiras do ensino superior, garantindo “o direito à promoção e à progressão, resolvendo injustiças criadas com a aplicação de mecanismos de avaliação/progressão desiguais, construídos para reduzir as progressões e a abertura de concursos nas instituições, permitindo a integração de novos docentes e outros profissionais nas carreiras”. No que respeita ao ensino superior particular e cooperativo, preconiza a regulamentação “da contratação e das carreiras dos seus docentes e investigadores, combatendo a precariedade e outros abusos”.
Importa assinalar a exigência programática, num quadro geral, em que é afirmada a necessidade de “integrar nas carreiras específicas todos os trabalhadores científicos que suprem necessidades permanentes”. Considera a importância de “valorizar a carreira de investigação, garantir o direito à promoção e à progressão, e a abertura de concursos, permitindo a integração de novos investigadores na carreira, nomeadamente os investigadores contratados ao abrigo do DL57 de 2016/Lei 57 de 2017”. Afirma a necessidade de “revogar o Estatuto do Bolseiro de Investigação e substituir todos os contratos de bolsa de investigação por contratos de trabalho, com valorização salarial e integração progressiva nas carreiras”.

Importa assinalar no contexto das medidas propostas o reconhecimento da importância de “valorizar (todos) os trabalhadores da Ciência” reconhecendo que no universo do SNCT são diversas e específicas as funções que desempenham, ao que deverá corresponder uma diversidade de carreiras profissionais justificando-se a instituição de novas carreiras específicas, nomeadamente, de “gestores e comunicadores de ciência e tecnologia, dos técnicos de apoio à investigação, de operários especializados e prototipistas”. Esta é uma perspectiva que não se vê reflectida em qualquer dos outros programas analisados.

Esperar-se-ia que o crónico e persistente subfinanciamento das IES e de investigação fosse preocupação maior de todas as forças partidárias e que, sendo assim, fossem objecto de particular atenção nos respectivos programas eleitorais, naturalmente, propondo medidas concretas que visassem combatê-lo. Na verdade, isso não acontece sempre.

No programa do Partido Socialista encontramos, a par de uma referência à revisão do financiamento da Fundação para a Ciência e Tecnologia (FCT), que visaria “melhorar a capacidade de resposta ao SCTN”, duas outras medidas que se prendem com as origens de fundos afectos a instituições de ensino superior, a saber: “regular o regime de taxas de emolumentos, eliminando pelo menos os referentes à conclusão de graus de mestrado e doutoramento” (sublinhado nosso), uma delas, a outra, em bom politiquês, a de “revisitar (não, rever ou alterar) o modelo de comparticipação nos custos por parte dos estudantes, incluindo a comparticipação nos custos nos ciclos de mestrado e doutoramento”. Espera-se (com alguma incredulidade) que a visita seja efectivamente proveitosa.

Importa referir também o propósito de, “nas políticas de ciência, intrinsecamente relacionadas no sistema nacional com o sistema de ensino superior”, “reforçar o compromisso de convergência com os países da OCDE em Ciência, Tecnologia e Inovação, procurando atingir 3% do PIB em 2030, numa estrutura de 1/3 de investimento público e 2/3 de investimento privado”. “Reforçar o compromisso” é fácil e barato. Concretizá-lo, não é. Quanto ao “relacionamento intrínseco” das políticas de ciência com o sistema de ensino superior no SNCT, levanta-se a questão de saber de que política ou políticas de ciência se está a falar, já que não consta que existam ou alguma vez tenham sido definidas. Para além disso, o sistema de ensino superior está longe de ser o único actor em palco quando se escrutinam as actividades de I&D no nosso país, nem o único a ter conta para a definição duma política nacional de ciência e tecnologia.


A Aliança Democrática propõe, no seu programa, “assegurar a sustentabilidade do sistema científico” e, também ela, promete “aproximar, até 2030, o valor de 3% do PIB de investimento (público e privado) em Ciência e Inovação”. Sobre as formas como se propõe fazê-lo e sobre origens e montante dos indispensáveis recursos financeiros públicos a disponibilizar, nada diz. Refere a vontade de “reorganizar as agências de financiamento como organismos independentes do Governo, visando a autonomia da C&I”. E, ao mesmo tempo, “melhorar a performance e transparência de processos da FCT”.

No programa do Bloco de Esquerda volta a encontrar-se a intenção de “atingir (…) 3% do PIB em investimento em ciência e investigação”, porém, neste caso, não em 2030 mas “na próxima legislatura” e com uma qualificação importante; “em financiamento maioritariamente público e que reequilibre a relação de investimento em ciência básica e ciência aplicada”.
No que respeita às entidades executoras de actividades de I&DE, defende o “financiamento público plurianual contratualizado com as instituições de ensino superior, laboratórios e centros de investigação, com a contrapartida de um mecanismo avaliativo de políticas na melhoria da ação social escolar e do combate à precariedade”.

Numa nota, que deveria, idealmente, ser dispensável, lembra que “o aumento do orçamento para a ciência, proposto (…), deverá ser executado com rigor e acompanhado de uma avaliação consequente dos programas de investimento anteriores”.

No plano, agora, das receitas próprias das instituições de ensino superior, é proposta a “eliminação das propinas na licenciatura, Cursos Técnicos Superiores Profissionais e mestrados integrados”. Já no que toca a mestrados, propriamente, e doutoramentos é proposta a “redução do valor das propinas (…), desde já através da fixação de um teto máximo nacional não superior aos valores praticados de bolsas de ação social (no caso do 2.o ciclo)”.
Noutro contexto, importa referir a proposta de “cancelamento da dívida estudantil”.


No programa do Partido Comunista Português, caracteriza-se o quadro em que hoje se desenvolvem as actividades de I&D em Portugal, afirmando-se que esse quadro “é marcado pelo estrangulamento financeiro das Instituições de Ensino Superior e Investigação e Desenvolvimento, ou seja, do Sistema Científico e Tecnológico Nacional (SCTN), no seu todo; pelo desinvestimento público, o reforço de uma gestão empresarial e o alargamento do recurso a mecanismos fundacionais e instituições de direito privado”.
E requer a inversão do “subfinanciamento do Ensino Superior público através de uma nova Lei de Bases do Financiamento que inclua a componente I&D e assegure às IES as condições humanas e materiais adequadas ao seu funcionamento”.

Neste quadro, considera necessário “duplicar a despesa em Investigação e Desenvolvimento Experimental per capita de investigador ETI no sector público e adequar as normas da contratação pública”. E adianta a proposta específica da criação de “um Fundo para a Inovação Tecnológica empresarial financiado pelas empresas na proporção de 1% do respectivo VAB acima de 5 milhões de euros de volume de negócios anual, com co-gestão e co-financiamento públicos”, advogando “a criação de um Programa Nacional de parcerias para actividades de investigação aplicada e de inovação de produtos e processos a executar por Micro, Pequenas e Médias Empresas”, e , ainda, o “aumento do investimento em Investigação e do número de doutorados nas empresas públicas e a nacionalizar, bem como nos Institutos e demais Administração Pública”.
Propõe, também, o “aumento do financiamento de base dos Centros de Investigação”.

No que respeita a receitas próprias das instituições de ensino superior, defende a eliminação do “pagamento de propinas, taxas e emolumentos para todos os graus académicos”.

No que toca a regimes legais, aspectos estruturais e de funcionamento do SNCT, todas as forças políticas cujos programas eleitorais vimos analisando, têm algo a propor.

Assim, o Partido Socialista propõe-se “promover a reorganização da Fundação para a Ciência e a Tecnologia, revendo o seu funcionamento, o financiamento, o quadro especializado de recursos humanos, melhorando e acelerando a capacidade de resposta ao SCTN”, e, ainda, “adotar um Simplex para os centros de investigação, desburocratizando as exigências de reporte, documentação e os procedimentos nas relações destes com a Fundação para a Ciência e a Tecnologia”.

No seu estilo literário habitual (que abre a porta a fundadas interrogações) diz-nos propor-se “revisitar a organização do SCTN através da clarificação das missões de cada tipo de instituição: Laboratórios de Estado, Laboratórios Colaborativos, Laboratórios Associados e Unidades de Investigação e entidades de interface, fomentando colaborações e sinergias”.
E anuncia propor-se “reforçar e clarificar o papel dos Laboratórios de Estado como atores no apoio técnico-científico na definição de políticas públicas e suporte à decisão governativa”. Isto é reconfortante para os trabalhadores de instituições em eventual estado semi-comatoso que poderão aspirar a que lhes seja enfim assegurado um propósito claro.

É de louvar, finalmente, a intenção de “promover um adequado mecanismo de monitorização do SIFIDE (Sistema de Incentivos Fiscais à I&D Empresarial), assegurando que os incentivos se orientam efetivamente para criar condições internas para atividades de I&D” o que deverá permitir pôr fim a certas suspeitas que aqui e ali se colocam.

No que respeita a regimes legais, aspectos estruturais e de funcionamento do SNCT o programa da Aliança Democrática tem uma abordagem própria que coloca particular ênfase nas ligações do sistema ao sector empresarial e ao impacte da I&D nas actividades económicas.
Referindo-se em termos genéricos à Ciência e ao Ensino Superior, considera que se trata de “dois eixos fundamentais para o futuro do país” acrescentando que “a sua missão só será concretizada invertendo a trajetória de desinvestimento, combatendo a desvalorização das carreiras e revertendo a degradação das infraestruturas”. Neste sentido defende, especificamente a aposta “na manutenção e modernização das infraestruturas de C&I” que são, efectivamente, um ponto fraco do sistema que não tem merecido a devida atenção, mas que, não deve esquecer-se, exigirá a disponibilização de recursos financeiros consideráveis.

Defendendo que a rede de instituições de Ensino Superior seja organizada de forma a garantir cobertura nacional, e entendendo a importância de “reforçar a sinergia entre o Ensino Superior, a Investigação e a Inovação, garantindo um sistema mais coeso”, propõe-se “encorajar a participação de representantes do setor empresarial nos conselhos consultivos das instituições de Ensino Superior”; e, também, “avaliar o reforço dos incentivos fiscais para empresas que investem em programas de I&D em parceria com instituições de Ensino Superior”.
Considera ainda ser necessário “potenciar o regime de mecenato às instituições de ensino superior públicas”. Finalmente, entende dever ser fomentada “a criação de cátedras de índole empresarial que promovam uma forte ligação entre a Instituição de Ensino Superior e as empresas, tanto no ensino como na investigação científica”.

Neste quadro, sublinha a importância de promover a colaboração entre entidades do SNCT e as empresas “de modo a valorizar o conhecimento gerado e o maior alinhamento entre investigação e necessidades” daquelas, e considera necessária a adopção de um programa de estímulos com o objectivo de “encorajar a investigação científica e a inovação no e com o setor empresarial”, com financiamento público, supõe-se.

Neste contexto, lê-se no programa a intenção de “revisitar a missão dos Laboratórios de Estado, dos Laboratórios Associados e Colaborativos visando clarificar a sua missão”.
Visitar” de novo, certamente, o que já foi “visitado”. Espera-se que a visita corra bem e que os visitados fiquem cientes do que deles se espera.

O programa do Bloco de Esquerda dá grande ênfase à necessidade de uma “profunda revisão” do chamado Regime Jurídico das Instituições de Ensino Superior (RJIES) que “elege como prioridade para a próxima legislatura” na qual deverão ser envolvidos “a comunidade académica e as demais entidades dentro do setor”. A este respeito, entende que a revisão do RJIES deve levar à recuperação da “participação paritária entre corpos e de género nos órgãos de gestão e a eleição do ou da reitora/presidente por um colégio eleitoral alargado e representativo”.
No que respeita à Fundação para a Ciência e Tecnologia, afirma a necessidade da “alteração do modelo de funcionamento (…) através da contratação de pessoal especializado, um modelo de governança que garanta mais autonomia na decisão e melhor ligação com o setor científico”.
Propõe também o “desenvolvimento da ligação entre as Instituições de Ensino Superior, os seus Laboratórios e Centros de Investigação e os restantes serviços da Administração Pública, para promover a sua modernização e o desincentivo à contratação de serviços privados de consultoria” e, ainda, a “criação de Pactos de Investigação e Desenvolvimento orientados para a valorização científica e tecnológica da Administração Pública”. Nota-se nesta formulação a ausência, injustificada, dos Laboratórios do Estado.

O programa do Partido Comunista Português afirma que “o Estado deve entender o Ensino Superior e a Ciência como bens públicos, capacitando as suas instituições de meios financeiros que garantam o seu desenvolvimento pleno” E acrescenta que “o estrangulamento financeiro está na origem de muitos dos graves problemas que subsistem” e que ainda não encontraram solução. “São os casos — refere — da Lei do Financiamento do Ensino Superior, das distorções estruturais e do subfinanciamento da generalidade das instituições do SCTN, das limitações à Acção Social Escolar e em particular do alojamento estudantil público, do RJIES que possibilita a adopção do regime fundacional, e da escandalosa precariedade que afecta muitos dos trabalhadores do sector”.
Defende “o carácter unitário do Sistema de Ensino Superior Público”; a consagração de “uma verdadeira participação e gestão democráticas das Instituições de Ensino Superior (IES)”; a revisão do Regime Jurídico dessas instituições (RJIES), e a revogação do “regime fundacional” a que aquele regime abriu a porta.
Preconiza a criação de “incentivos e mecanismos para fomentar a interacção entre as IES, os Centros de Investigação, os docentes e os investigadores, com diferentes áreas e sectores da sociedade, suscitando o livre debate e esclarecimento sobre as questões cruciais que hoje se colocam à prossecução do progresso e equidade social”.
Destaca a necessidade de “definir uma política de Ciência e Tecnologia que atenda às necessidades e especificidades da economia nacional, valorize a investigação fundamental livre em qualquer domínio científico e garanta um financiamento base, estrutural e de desenvolvimento da Ciência não dependente em exclusivo de concursos competitivos.
No que toca à Fundação para a Ciência e Tecnologia, preconiza a reavaliação da “estrutura, modo de funcionamento e princípios orientadores”.

Preconiza também o reforço “da rede de centros de investigação, criando as condições para a plena integração dos institutos politécnicos no SCTN”; a criação de “condições para a integração dos trabalhadores científicos dos centros e institutos investigação que trabalham sob o controlo directo de IES ou são por estas maioritariamente financiados” e afirma a necessidade de “revitalizar e reorganizar a rede do sistema de Laboratórios do Estado com a sua recomposição, alargamento e clara definição das respectivas missões, através da adopção de «contrato-programa» com o Estado de carácter plurianual com financiamento adequado”.
Considera ainda necessário o estabelecimento de “um contrato-programa entre a FCT e a Ciência Viva — Agência Nacional para a Cultura Científica e Tecnológica, para que esta cumpra plenamente os seus fins e actividades estatutárias com apoio a todos os centros Ciência Viva e outras iniciativas fora da rede” dos Centros.

Como a leitora ou o leitor interessado poderá verificar, são patentes as diferenças nas abordagens e conteúdos propositivos respeitantes a uma temática comum, feitos nos vários programas cujos conteúdos são aqui expostos e brevemente comentados. Em todos os casos é assumido procurar-se os melhores caminhos para a consolidação e desenvolvimento de um sector que todos dizem reconhecer como de iniludível importância para a construção de um futuro sustentável e promissor de melhores condições de vida para quem vive na nossa terra. Revelam-se, todavia, distintos os caminhos preconizados para lá chegar.
Julgamos, neste momento particular da vida nacional, que vale a pena conhecer o que cada uma das forças partidárias achou por bem propor, para mais tarde poder avaliar em que medida e em que moldes o que foi proposto se virá a traduzir na acção que cada uma delas irá desenvolver.

Frederico Carvalho
11 de Março de 2024