Turismo Espacial

 

Turismo Espacial: vandalismo ambiental para super-ricos

Enquanto os bilionários Jeff Bezos e Richard Branson lançam os primeiros voos das suas empresas de turismo espacial, o Dr. Stuart Parkinson, da “Scientists for Global Responsibility”, analisa os impactos climáticos.

Responsible Science blog, 20 de Julho de 2021

Nas últimas semanas observaram-se alguns impactos assustadores das alterações climáticas – desde temperaturas recordes e grandes incêndios florestais no Oeste do Canadá e nos EUA, até inundações sem precedentes na Alemanha e na Bélgica. A temperatura mais alta registada de forma fiável à superfície da Terra ― 54,4 ° C ― foi registada no Vale da Morte, na Califórnia, em 9 de Julho. [1] Cientistas disseram que a onda de calor no Canadá e nos EUA no final de Junho era “virtualmente impossível” sem as alterações climáticas induzidas pelo homem. [2] Uma coisa que é especialmente impressionante é que esses eventos estão a acontecer em algumas das nações mais ricas e resistentes às intempéries do mundo ― mas mesmo isso não impediu o grande número de mortes.

A enorme ameaça global das perturbações climáticas está a levar a apelos cada vez mais urgentes para que a sociedade reduza rapidamente as suas emissões de carbono. Também está claro que a mudança tecnológica por si só não será suficiente para enfrentar o problema. Um relatório recente da Comissão para as Alterações Climáticas ― o principal órgão consultivo do governo do Reino Unido sobre a questão ― concluiu que 62% das medidas necessárias envolvem mudanças sociais e comportamentais. [3] Evitar viagens aéreas é uma das mudanças mais eficazes que uma pessoa pode fazer para reduzir essa poluição. Por exemplo, a pegada de carbono de um voo de ida e volta de Londres a Hong Kong ― em classe económica ― é de cerca de 3,5 tonelada-equivalente de dióxido de carbono (tCO2e) [4] ― semelhante à utilização média de um automóvel de um cidadão do Reino Unido por mais de 10 meses. [5] Uma investigação do Institute for Global Environmental Strategies indica que a pegada de carbono anual de um estilo de vida globalmente sustentável foi em 2020 de 3,9 tCO2e [6] ― o que dá uma indicação clara de quanto a nossa sociedade precisa reduzir os seus impactos já (e este número cai rapidamente para 2,5 t CO2e em 2030 e, ainda muito mais, em 2040 e 2050).

Em contraste com este cenário, temos bilionários a viajar em voos inaugurais das suas empresas de turismo espacial. Em 11 de Julho, Richard Branson voou na nave SpaceShipTwo da Virgin Galactic, enquanto em 20 de Julho Jeff Bezos viajou no New Shepard da Blue Origin. Estas actividades elevam os impactos climáticos de voar a um nível consideravelmente mais prejudicial.

Nave espacial New Shepard na posição de lançamento. No topo, o módulo onde se acomodam os passageiros.

Vejamos a nave espacial New Shepard. O professor Mike Berners-Lee, da Lancaster University ― um dos maiores especialistas em análise da pegada de carbono – estimou que um único voo resulta em emissões de pelo menos 330 tCO2e. [7] Com quatro passageiros, isso significa que cada um é responsável por mais de 82 tCO2e – mais de 20 vezes o nível sustentável de um ano inteiro! E, observe-se, esta é uma estimativa conservadora. Não inclui os efeitos de aquecimento adicionais das emissões em grandes altitudes, a pegada de carbono do desenvolvimento e fabricação da nave espacial ou as emissões de funcionamento da empresa Blue Origin. Além disso, a mistura combustível usada pela última geração da nave New Shepard inclui agora hidrogénio líquido [8] ― um combustível com maior teor de carbono do que aqueles usados ​​nos cálculos do Prof Berners-Lee.

E quanto à SpaceShipTwo? Embora esta nave produza por voo marcadamente menos emissões directas de carbono do que a New Shepard, como mostrou em 2016 um estudo da SGR [9], usa uma mistura combustível que emite níveis significativos de carbono negro na alta atmosfera. Uma investigação da Universidade do Colorado indica que isso pode danificar a camada de ozono estratosférico ― não só levando a níveis mais altos de radiação ultravioleta prejudicial que atinge a superfície da Terra, mas também causando um efeito de aquecimento global consideravelmente maior do que as emissões de carbono por si só.

E o objectivo dessas viagens? Alguns minutos de experiência de “gravidade zero” e uma bela vista. É difícil ver isso como algo mais do que vandalismo ambiental para super-ricos.

A Virgin Galactic afirma que quer lançar uma “nova era de acesso limpo e sustentável ao espaço “ [10] ― mas nem eles nem os outros na indústria do turismo espacial conseguem entender claramente o nível dos seus próprios impactos climáticos, a gravidade crescente da emergência climática, ou a escala de acção necessária para reduzir as emissões de carbono a um nível sustentável. Se os governos levam a sério a tentativa de prevenir as alterações climáticas “perigosas”, então há um passo importante a ser dado imediatamente: banir o turismo espacial. 

Stuart Parkinson é o Director Executivo da “Scientists for Global Responsibility (SGR)”. Escreve sobre ciência e política climática há 30 anos e é Doutorado em Ciência Climática.

Agradecemos ao autor a autorização para a republicação deste artigo no nosso site. A publicação original pode ser acedida aqui: https://www.sgr.org.uk/resources/space-tourism-environmental-vandalism-super-rich

_____________________________________________________
Referências

[1] Yale Climate Connections (2021). Death Valley, California, breaks the all-time world heat record for the second year in a row. 12 July. https://yaleclimateconnections.org/2021/07/death-valley-california-breaks-the-all-time-world-heat-record-for-the-second-year-in-a-row/

[2] BBC News online (2021). Climate change: US-Canada heatwave ‘virtually impossible’ without warming. 8 July. https://www.bbc.co.uk/news/science-environment-57751918

[3] Committee on Climate Change (2019). Net Zero: The UK’s contribution to stopping global warming. https://www.theccc.org.uk/wp-content/uploads/2019/05/Net-Zero-The-UKs-contribution-to-stopping-globalwarming.pdf

[4] P.140-142 of: Berners-Lee M (2020). How bad are bananas? The carbon footprint of everything. Profile Books.

[5]  P.62-63 of: Berners-Lee (2020) – see note 4.

[6] IGES (2019). 1.5-Degree Lifestyles: Targets and options for reducing lifestyle carbon footprints. https://www.iges.or.jp/en/pub/15-degrees-lifestyles-2019/en

[7] P.150-152 of: Berners-Lee (2020) – see note 4.

[8] Wikipedia (2021). New Shepard. https://en.wikipedia.org/wiki/New_Shepard

[9] Chapman P (2016). Flights from sense: how space tourism could alter the climate. SGR Newsletter, no.44. February. https://www.sgr.org.uk/resources/flights-sense-how-space-tourism-could-alter-climate-february-2016

[10] The Guardian (2021). Richard Branson’s quest: to boldly go where no billionaire has gone before. 10 July. https://www.theguardian.com/science/2021/jul/10/richard-branson-virgin-galactic-flight-billionaire-space-tourism-race-jeff-bezos

[image credit: ThePenultimateOne, CC BY-SA 4.0, https://commons.wikimedia.org/w/index.php?curid=61440254 ]