CIÊNCIA EM PORTUGUÊS

Algumas Reflexões
sobre
«Português, língua de Ciência»[1

Augusto José dos Santos Fitas

Um convite inesperado por parte de colegas do Departamento de Línguas e Literatura da Universidade de Évora coloca-me aqui com a função de reflectir convosco sobre o tema que consta no programa desta conferência, «Português, Língua de Ciência». É uma tarefa ingrata que me esforçarei por cumprir, embora tenha a impressão que pouco adiantarei sobre o que já se tem escrito e dito, isto é, arrisco-me a trilhar caminhos já pisados… Pecarei por certo por alguma falta de originalidade, mas não pecarei por manter o silêncio de «aos costumes responder nada».

 É meu dever, em primeiro lugar e a abrir a minha intervenção, agradecer à comissão organizadora o convite que me foi dirigido e fazer uma breve declaração de interesses que se relaciona com uma singularidade da minha vida académica: sou um físico que trabalhou em áreas da física matemática aplicadas ao estudos das propriedades do nosso planeta, um astro que, tal como escreveu o poeta, «rola pelos espaços / à razão de trinta quilómetros por segundo» (foi nesta área que desenvolvi grande parte da minha carreira científica), contudo, enquanto físico, alimentei sempre uma paixão forte e irreprimível por uma outra actividade do conhecimento, de início marginal porque era difícil com ela alimentar uma carreira académica, a «História das Ideias em Física», disciplina que constitui uma espécie de ponto de encontro da História, da Filosofia, da Física e da Matemática. Foi à «História das Ideias em Física» que dediquei a minha actividade científica no último decénio da minha actividade académica. Sou portanto um exemplar académico que experimentou as Ciências e as Humanidades, em particular na História e na Filosofia e que, pour cause, viveu situações bem distintas na sua relação com a língua usada na comunicação da investigação que desenvolveu.

E passo de imediato ao meu primeiro tema de reflexão.

 

     1.          A língua de comunicação científica /a língua de comunicação do conhecimento

É um facto que na minha área científica inicial os trabalhos publicados foram todos redigidos em inglês com algumas excepções (e.g. encontros ou conferências nacionais ou ibéricas). São essencialmente três razões que determinam esta opção ou, se não a determinaram por completo, foram os factores decisivos para esta escolha. 

Uma primeira razão prende-se com o facto de as revistas mais importantes na área da Física e da Física Aplicada à escala internacional só aceitarem artigos em inglês. Não há, na maioria das disciplinas científicas e das áreas técnicas das ciências aplicadas, revistas em outras línguas; mesmo há umas dezenas de anos, quando o mundo estava divido em dois blocos geopolíticos, havia muita produção científica em russo a que se tinha acesso através de traduções específicas feitas expressamente pélas grandes editoras científicas de língua inglesa… era um problema de escala e capacidade financeira. Cabe aqui mencionar, mesmo revistas prestigiadas noutros idiomas (eg Comptes rendus de l’Academie des Sciences de Paris), que no pós 2ª guerra mundial perderam algum prestígio e, no final do século passado, apostaram na sua revitalização dentro da comunidade científica internacional, organizaram-se por forma a publicarem simultaneamente na sua língua materna e na língua franca da comunicação científica que é o inglês. É importante registar e sublinhar aqui esta atitude do bilinguismo, contudo numa consulta ao último número referente a cada uma das ciências (Biologia, Física, Geociências, Matemática, Mecânica e Química) constata-se que dos artigos publicados só 10% são em francês,todos os outros são em inglês [2.Devo acrescentar que, enquanto praticante da História e Filosofia da Ciência também escrevi em inglês, mas fi-lo muito mais em português, sobretudo quando a matéria tratada se relacionava com a ciência feita em Portugal…

Uma segunda razão reside na resposta à pergunta: quem é que eu quero que leia e conheça os resultados da minha investigação? Ou, se preferirem, a quem interessam as conclusões da investigação feita? Esta é uma das justificações essenciais para publicar num idioma a que uma larga camada de cientistas internacionais tenha acesso, compreenda e discuta a pesquisa efectuada. Sendo este um dos objectivos primordiais da publicação, não resta outra alternativa senão publicar na língua franca da comunicação científica. Acontece que muitas vezes a pesquisa efectuada, especialmente sobre questões de particularidade nacional, não coloca esta necessidade ― é muito discutível se não se deve insistir em fazer uma versão em língua franca, pois esta é a única forma de dar a conhecer num meio mais amplo aspectos mais «regionais» do conhecimento. Eis uma razão de peso para justificar, enquanto praticante da História e Filosofia da Ciência, a necessidade da escrita em inglês, embora, como anteriormente relatei, tenha optado por maioritariamente escrever em português.

Terceira razão, actualmente os regimes de avaliação e de obtenção de fundos assentam em painéis internacionais e com este constrangimento é obrigatório o uso da língua franca (a língua de comunicação adoptada pela comunidade científica internacional) … está assim justificado porque neste capítulo, mesmo em História e Filosofia da Ciência, ultimamente sempre se tenha comunicado em inglês.

É importante sublinhar que a comunicação científica tem características peculiares: é uma comunicação essencialmente endógena (bastante fechada) e processa-se no circuito restrito «interpares» ─  júris e comunidade de investigadores ─ que, na sua quase totalidade, comunica em inglês, prescindindo assim do uso dos seus idiomas próprios. No caso de se pretender ultrapassar esta fronteira e estender a área de leitores da literatura científica a comunidades mais alargadas, grupos maiores aos quais pertencem outros interessados nos resultados científicos (como é o caso dos professores dos diferentes graus de ensino e de diversos corpos de profissionais interessados em compreender, por necessidades de manuseamento e aplicação, os avanços técnico-científicos que, por exemplo, se manifestam em domínios que se estendem da medicina à agricultura) então há necessidade efectiva de utilizar um outro idioma de comunicação que permita uma compreensão mais eficaz e completa e que, no nosso caso, deverá ser em português. Perante esta necessidade há que ter em conta que, nos vários campos técnico-científicos, se tem que fazer um esforço sério para que a língua portuguesa possua condições para desenvolver e criar vocabulários específicos (terminologias e glossários) que satisfaçam a actualização científica e técnica nas diferentes áreas. Esta é uma condição fundamental para a produção de textos científicos onde o Português se possa assumir como referência para vários grupos de utilizadores técnico-científicos especializados.

Há que encontrar os mecanismos para que a língua portuguesa se possa constituir, em especial para os seus quase 300 milhões de falantes, como um idioma de referência na comunicação científica e do conhecimento em geral. Se isto passa por esforços objectivos e concretos na fixação vocabular de terminologias científica e técnica, não é menos importante incentivar a existência de produção científica em português. Apoiar a produção científica em português não implica abandonar a língua franca, nem tão pouco substitui-la, implica apoiar o bilinguismo em parte da produção científica nacional e não desvalorizar a produção científica em português quando orientada para sectores que dela precisam para a sua aplicação eficiente (técnicos de diversos domínios das ciências aplicadas e engenharias…). E esta valorização passa por aquilo que seguidamente desenvolveremos.

2.            Uma base de dados internacional que contemple a comunicação científica e de conhecimentos em PORTUGUÊS.

Ao nível da política científica do país e, em geral, de todos os países que falam português, deve existir um investimento claro na existência de plataformas de suporte do acesso a publicações científicas que contemplem o português enquanto idioma de comunicação científica e cultural.

 

Actualmente o monopólio internacional está centrado nos Estados Unidos da América do Norte que regulam toda a comunicação científica e com base na qual se elabora os índices bibliométricos: índice de produção, índice de visibilidade ou impacto (citações), o índice H-hirsch (h publicações c/ um número mínimo de citações), factor de impacto de uma revista. Não nos deverá interessar a criação de uma base de dados dos artigos em português ― o que provocaria um ainda maior isolamento ― mas contemplar a introdução nas bases científicas internacionais das publicações científicas onde conste a língua portuguesa. Por outras palavras, impõe-se a criação urgente de instrumentos bibliométricos que contemplem a língua portuguesa a par de outros idiomas…

Em parte é o que já acontece com o SciELO Citation Index que está ligado à base internacional Web of Science, da Web of Knowledge e participa nos seus índices bibliométricos [3. Esta é uma forma de, no seio da comunidade científica internacional, ampliar e consolidar a creditação dos jornais e revistas onde se escreve em português.

Debruce-se um pouco sobre o projecto SCIELO (SCIentific Electronic Library Online) que foi iniciado em 1997 pela FAPESP (Brasil) e pelo BIREME (Centro Latino Americano e Caribenho de Informação sobre Ciências da Saúde) no sentido de desenvolver uma metodologia comum para a preparação, armazenamento, difusão e avaliação de literatura científica em suporte electrónico, contemplando as línguas portuguesa e espanhola, e que se estende actualmente a toda a América Latina, à região das Caraíbas, a Espanha e a Portugal. Esta «Biblioteca» possui tantas colecções quantos os países que pertencem a estas áreas geográficas, cobrindo grande parte da produção de conhecimentos que é transmitida em Português e Espanhol. Na TABELA I apresentam-se alguns exemplos do panorama das colecções de alguns países no que diz respeito ao número de publicações periódicas.

TABELA I

 

Revistas

Brasil

Portugal

Espanha

Colombia

México

Títulos Vigentes

285

37

37

186

128

Títulos Totais

340

54

54

186

152

             

Convido-vos a consultar a informação portuguesa (SCIELO/ Portugal) na internet [4. Ficarão muito provavelmente tão espantados quanto eu pela sua «página – recepção» (home page) onde se percebe que está alojada no conteúdo informativo da DGEEC – Direcção-Geral de Estatísticas da Educação e Ciência – Ministério da Educação e Ciência e onde não é explicitado de uma forma clara o funcionamento da participação portuguesa…

Pelo facto de já existir esta base de dados onde se avalia a produção científica em língua portuguesa, estando ela sujeita aos índices bibliométricos internacionais, é de admitir que se deveriam tomar medidas que incentivem a escrita científica de referência numa plataforma multilingue. No desenho destas medidas, que deveriam integrar uma política científica mais activa, estaria envolvida não só a Fundação para a Ciência e Tecnologia (FCT) como também toda comunidade científica nacional. Um reparo central: considera-se ser pouco adequado que a coordenação das diferentes tarefas ligadas à organização e desenvolvimento do projecto SCIELO/Portugal tenha sido cometida a uma Direcção-Geral de Estatísticas da Educação e Ciência… Entende-se não ser esta a sede do desenho das tais medidas políticas efectivas de desenvolvimento do SCIELO/Portugal. Não se desenvolve mais argumentação sobre este reparo, pois o teor deste projecto de Base de Dados e o conteúdo desta «Direcção Geral» falam por si…

Nunca é de mais enfatizar a importância que representa para os quase 300 milhões de falantes poderem, com recurso à sua língua materna, aceder aos conhecimentos veiculados por revistas e jornais especializados, o que, sob o ponto de vista dos ganhos na actualização dos recursos humanos afectos a muitas actividades técnicas, pode ser um factor de uma importância extrema na ampla melhoria da literacia técnico-científica.

Como escreveu Umberto Eco, «Uma Europa de poliglotas não é uma Europa de pessoas que falam correntemente muitas línguas, mas, na melhor das hipóteses, uma Europa de pessoas capazes de se encontrar falando cada uma delas a sua própria língua e compreendendo a do outro, sem a saber falar com fluência, entendê-la-á, ainda que com esforço, compreendendo o “espírito”, o universo cultural que cada um exprime ao falar na língua dos seus antepassados e das suas tradições» [5. É assim imperioso, porque não há línguas universais, que a língua que falamos se assuma como um veículo de referência cultural que permite estabelecer pontes e entendimentos com as outras línguas, sobretudo aquelas de mais franca utilização. É o que tratará no ponto seguinte.

3.            O fortalecimento das características de REFERÊNCIA para a nossa língua materna

Por outras palavras, há que melhorar os instrumentos que permitam à nossa língua apresentar-se como uma língua de referência, o que corresponde à produção de obras fundamentais para a compreensão e estudo da cultura (em geral ou especificamente das culturas científica, humanística e artística) em PORTUGUÊS com trabalhos escritos por autores nacionais ― produção nossa que pode ser traduzida ― ou internacionais, produção obrigatoriamente sujeita a tradução para que seja amplamente compreendida na nossa língua. Estas são as pontes mais importantes a estabelecer.

Pretende-se aqui realçar o papel de língua de referência, ou o papel de padrão que o português deve assumir para todos os seus falantes, como alternativa a uma visão retórica «passadista», ancorada unicamente na difusão do «português» pela via histórica [6 e que nunca se preocupou em criar e alimentar os meios que proporcionem à língua portuguesa, de um modo efectivo, ocupar um lugar importante na comunicação cultural global do mundo contemporâneo (o tal lugar de referência). É importante, e determinante para a qualidade do pensamento e capacidade de comunicação, que um falante em português encontre, originalmente pensado e produzido, no seu idioma os instrumentos necessários para aceder à compreensão de qualquer tema da cultura universal.

Um estudo recente, realizado por uma equipa com vários investigadores (na qual se inclui um português), publicado nos Proceedings of the National Academy of Sciences (EUA) e publicitado na imprensa diária portuguesa [7, produziu resultados bastante interessantes: chama-se a atenção para o facto de que a «influênciaglobal dos diversos idiomas não pode ser estabelecida com base unicamente no número de falantes e o nível económico da sua área geográfica de influência» [8] , o que implica que há que estudar outros parâmetros.

Tabela II

 

Idioma

Traduções “De”+“Para”

Traduções “De”

Traduções “Para”

Razão dos Números Totais

Ordem

Nº Total

Ordem

Nº Total

Ordem

Nº Total

Ordem

“De”/”Para”

Inglês

1

1371531

1

1225237

3

146294

2

8,375

Alemão

2

493842

3

201718

1

292124

6

0,691

Francês

3

455087

2

216624

2

238463

5

0,908

Espanhol

4

75846

6

52955

19

22891

3

2,313

Russo

5

184167

4

101395

6

82772

4

1,225

Japonês

6

157814

8

26921

4

130893

13

0,206

Holandês

7

130349

9

18978

5

111371

18

0,170

Italiano

8

72436

5

66453

20

5983

1

11,107

Sueco

9

110880

7

39192

9

71688

7

0,547

Polaco

10

90824

13

14104

7

76720

15

0,184

PORTUGUÊS

11

86111

16

11390

8

74721

19

0,152

Dinamarquês

12

86038

9

21239

10

64799

8

0,328

Checo

13

81644

11

17202

11

64442

11

0,267

Chinês

14

75987

14

13337

12

62650

12

0,213

Húngaro

15

66245

17

11256

13

54989

14

0,205

Norueguês

16

60453

12

14530

15

45923

9

0,316

Servo-Croata

17

57779

15

12743

16

45036

10

0,283

Finlandês

18

54567

18

8296

14

46271

16

0,179

Grego Moderno

19

32284

19

4862

17

27422

17

0,177

Búlgaro

20

29409

20

3667

18

25742

20

0,142

                   

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Esta equipa procurou analisar a importância de um idioma com base no lugar que ele ocupa numa rede de múltiplas inter-relações com todos os outros idiomas (as tais pontes a que atrás se referiu). Esta capacidade inter-relacional, ou de conexão multilingue, pode constituir um parâmetro importante na previsão da influência de um idioma a nível global. Não se dá conhecer pormenores do estudo, até porque muitos dos aqui presentes conhecê-lo-ão bastante melhor do que o autor desta comunicação, mas enfatizam-se alguns dados utilizados no estudo em causa e que permitem uma reflexão mais minuciosa sobre atributos importantes a ter em conta no fortalecimento do português como língua de referência de conhecimentos para todos os seus falantes, o que se reflectirá obviamente no crescimento da sua importância global.

Um dos parâmetros analisados nesse estudo para «medir» a «capacidade de conexão entre várias línguas» é o «número de traduções de e para um idioma». Com base em dados internacionais da Unesco os autores estabeleceram uma ordenação que é dada na TABELA II. Não é necessário grandes análises, os números falam por si: o português é das línguas que mais traduz e das que menos dá a traduzir, isto é, na lista dos vinte idiomas que constam no quadro, ela encontra-se, em termos relativos, no penúltimo lugar.

Este característica do padrão de referência da nossa língua materna é crucial para o seu reconhecimento e valoração da sua dimensão internacional (muito mais do que qualquer acordo ortográfico). É importante tentar responder: o que se entende por padrão de referência de um idioma? A matéria é complexa mas talvez se possa reduzir à ideia seguinte: deve existir nessa língua a produção de textos que dêem a conhecer autores e conteúdos fundamentais para a compreensão e estudo das culturas espalhadas por todas as latitudes. Por exemplo, para quem queira conhecer a obra e importância de Tolstoi, não bastam (porque são imprescindíveis) as traduções, da língua original, das principais obras deste autor, mas é também necessário a existência de estudos feitos por autores portugueses sobre a vida e obra deste escritor, ou seja, não há a necessidade de recorrer sistematicamente a traduções do que existe, por exemplo, em inglês, francês ou qualquer outro idioma. E este exemplo deve generalizar-se para todas as áreas do conhecimento…

E para atingir este nível de padrão de referência cabe um recado muito particular para a produção de textos e, em particular, para a sua edição, pois editam-se muitas obras nacionais e traduzem-se muitas obras internacionais que não correspondem aos parâmetros mínimos desse patamar de qualidade. Há que envolver neste esforço autores e editores. Assim, nas traduções e edições de obras fundamentais:

1.             deverão constar sempre introduções à obra e ao autor, prática que deveria ser obrigatória em qualquer edição de referência [9; prática que está longe de ser generalizada, mas que, em Portugal, começa hoje a aparecer sobretudo nas traduções de autores clássicos da literatura mundial; quando se edita uma obra, por exemplo de Dostoievski, Kafka ou qualquer outro, deve fazer-se acompanhar sempre de um estudo de especialista orientado para a compreensão do grande público (é o que acontece quando se recorre a traduções, por exemplo, em inglês ou francês)

2.             nas produções ensaísticas (originais ou traduções) deve contemplar-se a inclusão obrigatória de um índice onomástico e (ou) índice remissivo; ainda hoje, em Portugal, é frequente em obras de estudo, e consulta, editadas por instituições universitárias ou por quaisquer outras editoras, mas elaboradas por académicos, não constar nenhum destes índices ― atrevo-me a dizer que não há obra em inglês, francês ou alemão que não inclua sempre estes apêndices fundamentais para uma consulta de REFERÊNCIA; no que diz respeito às traduções o caso ainda é mais gritante! Na generalidade, em Portugal, quer o editor quer o autor português são muito pouco cuidadoso na elaboração destes instrumentos de consulta… mesmo a reedição de algumas obras clássicas da nossa cultura deveriam obedecer a padrões rigorosos de edição (novas e mais completas introduções às quais se juntariam os tais índices, ferramentas imprescindíveis para uma consulta eficiente). A ausência destes meios retira a estas obras a capacidade de figurarem como obras de referência para estudantes ou quaisquer ouros estudiosos.

3.              Nas obras editadas em PORTUGUÊS, originais ou traduções, deve-se incluir nasREFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS a respectiva tradução portuguesa, caso exista, este é um instrumento de REFERÊNCIA fundamental para qualquer falante da nossa língua materna. A exclusão desta informação é uma prática corrente dos autores e editores portugueses — o que denota, no mínimo, uma falta de respeito pelas edições nacionais — e que deve ser prontamente corrigida…

4.              as correcções propostas implicam, da parte dos editores de livros ou revistas, a adopção de Manuais de Estilo próprios onde todas estas exigências deverão ser contempladas na forma como é produzido o texto.

É por demais evidente que qualquer português que conheça medianamente o inglês preferirá como texto de referência o da edição inglesa onde os instrumentos referidos em 1 e 2, vitais para consulta e plena compreensão da obra, estão incluídos… e o mesmo se pode afirmar para quem usa o castelhano ou o francês; o que significa objectivamente uma perda efectiva de capacidade do português, enquanto língua de referência. O instrumento referido em terceiro lugar contribuirá para reforçar no seio dos falantes de português a importância do nosso idioma enquanto padrão de referência. E o Manual de Estilo colocará os autores perante a exigência de «boas práticas» editoriais conducentes à valorização do português enquanto padrão linguístico.

4.            Epílogo improvisado e oportuno

Enquanto conclusão ou, melhor, como proposta de última reflexão, peguemos nas palavras de José Mariano Gago: «(…) Também o equilíbrio na valorização da língua inglesa ou da língua nacional em publicações académicas, ou na publicação em revistas ou livros, se tem revelado estranhamente difícil no desenvolvimento da maioria das instituições. São questões que se apresentam de forma muito diferente para as ciências da natureza, para as engenharias, ou para as humanidades e as ciências sociais, e que dependem da história das áreas científicas e das suas redes de relações com o tecido social. Em física, por exemplo, o livro não é hoje normalmente usado como instrumento para a publicação de resultados de investigação, mas assume um papel fundamental como repositório de referência ou como obra de ensino e de divulgação, ao contrário do que acontece nas humanidades e em muitas ciências sociais, em que o livro continua a ser fundamental como o resultado de investigação inovadora. A relação com a sociedade através da própria língua no campo das ciências é muito diferente nas ciências físicas ou nas ciências humanas e sociais. O dogmatismo a que se assiste por vezes a este propósito é verdadeiramente constrangedor (…)»[10

Obrigado pela vossa atenção!

E, mais uma vez, obrigado pelo vosso convite.

Sobre o Autor

Augusto José dos Santos Fitas é Professor Universitário (aposentado) e investigador do IHC-cehfci (U. Évora). Agradecemos ao Autor e à Revista Vértice a autorização para publicar no site da OTC o presente artigo. A ilustração que acompanha o texto é da responsabilidade da OTC.



[1]  Intervenção feita no Painel ― PORTUGUÊS, LÍNGUA DE CIÊNCIA ― da CONFERÊNCIA, Português, língua Global: Universidade de Évora, 22 de Abril de 2015. Artigo já publicadoVÉRTICE: 175, 90-98.

[2 A consulta foi feita (http://www.academie-sciences.fr/fr/les-comptes-rendus.html) em 15 de Abril de 2015.

[3 Esta participação (suponho que só da parte Brasileira) começou a operar regularmente a partir de Janeiro de 2014.

[4]  http://www.scielo.oces.mctes.pt/(consultada no dia 15 de Abril de 2015).

[5]  ECO, Umberto (1992). La Recherche de la Langue Parfaite. Paris : ed. du Seuil, 395.

[6]  Onde se apregoa uma pretensa «originalidade da cultura lusófona», ideia que não partilhamos!

[7]  Artigo de Ana Gerschenfeld, PÚBLICO de 22/12/2014.

[8]  Shahar Ronen et al. (2014).  Links that speak: The global language network and its association with global fame. Proc. National Academy of Sciences   (www.pnas.org/cgi/doi/10.1073/pnas.1410931111).

[9 Um exemplo singular a apontar é o caso da obra: Andrè Malraux (1958), A Condição Humana (Introdução e tradução de Jorge de Sena), Lisboa: Livros Brasil.

[10 Pina-Cabral, João (2011). Entrevista a José Mariano Gago. Análise Social: vol.49 (200), 388-413 (408).