Nova Reforma em gestação
“Os Laboratórios do Estado são uma componente fundamental da rede do sistema científico e tecnológico nacional, constituindo a ecologia privilegiada para investigação aplicada em áreas estratégicas para o desenvolvimento do País. Uma rede que por via de consórcios permite valorizar as sinergias dos meios humanos e materiais e os integra activamente no diálogo científico internacional.”
O parágrafo acima reproduzido é um excerto da resposta do Ministro Nuno Crato ao pedido de esclarecimento dirigido pelo deputado Miguel Tiago àquele membro do Governo que tem, como se sabe, a responsabilidade da tutela da Educação e da Ciência no XIX Governo Constitucional da República Portuguesa.
Desejava o deputado ser esclarecido sobre a estratégia do Governo para os Laboratórios de Estado e nesse sentido inquiria das medidas que o Governo tenciona tomar “para restaurar e impulsionar as capacidades dos Laboratórios de Estado, e que entendimento tem da missão específica de cada um.”
Deixemos de lado o facto de que, na sua resposta, o Ministro não responde a nenhuma das questões – muito concretas e objectivas – colocadas pelo referido deputado.
Da resposta do Ministro que pode ser consultada aqui, depreende-se que a tal ”ecologia privilegiada” está bem e recomenda-se, no quadro do que o ministro afirma ser “um crescimento sustentado” do “progresso científico nacional”. Temos assim que graças a esse tal “crescimento sustentado” do “progresso científico”, o sistema alcançou “uma maturidade (que) responderá positivamente aos desafios impostos”.
O Senhor Ministro terá entrado alguma vez num Laboratório do Estado e, se entrou, ter-se-á informado das dificuldades com que se defrontam os profissionais que aí se esforçam por contribuir para o referido “crescimento sustentado” do “progresso científico”? Saberá o Senhor Ministro que o pessoal técnico é quase inexistente mesmo nos laboratórios tecnológicos e que as infra-estruturas técnicas se vêm degradando ao longo dos anos? Que os investigadores têm que adiantar do seu bolso viagens e despesas correntes ficando meses à espera da reposição dos correspondentes montantes? Que falta dinheiro para pagar a conta do telefone e da energia eléctrica e é frequente a rotura de stocks de consumíveis básicos como papel ou material de higiene?
O Senhor Ministro fala em consolidação orçamental. Deve estar a pensar no “(de)crescimento sustentado” das dotações orçamentais das instituições que se vem verificando, ano após ano. E já era assim antes da chamada “crise” que nos aflige.
Quanto ao entendimento da missão específica de cada laboratório, há razões para crer que tal entendimento pura e simplesmente não existe. Com efeito o Governo terá aparentemente decidido formar mais uma comissão ou “Grupo de Missão encarregue de propor ao Governo uma reforma dos Laboratórios de Estado”. Passará pela cabeça do Senhor Ministro perguntar aos Laboratórios do Estado para que servem, o que têm feito, o que entendem que podem fazer e de que meios precisam para tal? Há anos e anos que os Laboratórios são regularmente objecto de processos de avaliação envolvendo especialistas das várias áreas em que as instituições exercem aa suas actividades. Especialistas nacionais e estrangeiros, que têm produzido um certo número de recomendações pertinentes sobre medidas a tomar no sentido de tornar mais eficaz a acção e mais útil ao País a actividade dos Laboratórios. No entanto, diz a experiência, que os sucessivos governantes não têm, no fundamental, dado o correcto – ou mesmo qualquer – seguimento a essas recomendações.
No actual contexto de crise económica e social em que o país se vê envolvido, será um profundo erro não tirar partido da capacidade científica e técnica apesar de tudo existente, para apoiar a chamada “economia real” promovendo condições que favoreçam o aumento da produção nacional, designadamente de bens transaccionáveis, logo o crescimento da riqueza, de que depende quer o aumento do consumo interno quer as exportações.
Os Laboratórios do Estado são instrumentos privilegiados de uma tal acção, devendo neste contexto ser chamados a contribuir activamente para a concepção e a concretização de programas plurianuais de ID que atendam, nas áreas em que se inserem, ao contexto crítico actual do país.
Ao mesmo tempo, as instituições vocacionadas, em primeira linha, para as actividades de investigação fundamental, designadamente, no âmbito do ensino superior, incluindo os chamados “laboratórios associados”, que têm real e justificadamente outras prioridades e autonomia própria a defender, podem e devem assegurar nos seus domínios de especialidade uma função supletiva e de apoio aos Laboratórios do Estado. Será um erro olhá-las como alternativa aos Laboratórios, para mais sujeitos, estes, a uma política sustentada, absurdamente cega, de descapitalização humana e material.
A fechar, importa chamar a atenção para o facto de que o Ministro, na sua resposta, deixa, em nosso entender, claramente marcada a preocupação de reduzir a contribuição de fundos públicos para os laboratórios, já de si muito insuficiente, incentivando o recurso a fundos estrangeiros, o que será dificilmente compatível com a urgente finalidade de servir uma estratégia nacional como primeira e principal prioridade dos laboratórios do Estado ou, citando as palavras do Ministro, a “investigação aplicada em áreas estratégicas para o desenvolvimento do País”. Acresce que a crescente dependência dos Laboratórios de mecanismos de financiamento concorrencial, de resultados em boa medida aleatórios, é dificilmente compatível com a obtenção dos recursos necessários ao cabal desempenho das missões específicas de IC&T orientada que lhes estão ou devem estar atribuídas. Inclui-se aqui o desenvolvimento de trabalho de campo, nas Ciências da Natureza como nas Ciências Sociais, impraticável se não se dispõe, como é frequente, de verbas de funcionamento adequadas, e que, por isso, tende a ser forçadamente substituído por trabalho sobre modelos e maquetas.
2011/12/8