INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL E SOCIEDADE (English version)
LUÍS MONIZ PEREIRA EM ENTREVISTA À REVISTA “Men’s Health”
Entrevista conduzida por PEDRO LUCAS *
MEN’S health: Recentemente, Sophia alarmou a sociedade ao dizer que os robôs nos vão roubar os empregos. Estamos próximos dessa realidade? Consegue fundamentar esta tese?
LUÍS MONIZ PEREIRA: Baseio-me no estudo aprofundado que inclui Portugal, por especialistas do McKinsey Global Institute** , de dezembro 2017. Ele indica que até 2030, 75 a 375 milhões da força de trabalho global (3% a 14%) precisara de mudar de tipo de trabalho para terem um emprego de tempo completo, em resultado da automação de trabalho por parte das máquinas, e software da economia digital. Afirma ainda que 60% das profissões atuais contem pelo menos 30% de atividade que pode ser automatizada, incluso pela Inteligência Artificial.
E em que funções ou áreas vê esse começo?
As ocupações mais em risco são: administradores de registos: ajudantes de escritório, de finanças e de contabilidade; empregos de interacção com o cliente, tais como em hotéis e nas viagens, caixas e serviços de alimentação e um escopo vasto de empregos de ambiente previsível, como sejam linhas de montagem, lavagem de louça, preparação de comida, condutores de viaturas, e operadores de equipamento agrícola e outros.
Ouvi-o falar da importância da legislação nesta área. O Governo já devia estar a pensar nisso?
As grandes mudanças sociais desencadeadas pela nova automação, nomeadamente o software com capacidades cognitivas (ditas de Inteligência Artificial – IA), e também a sua articulação com sensores e manipuladores físicos (Rob6tica),requerem uma reflexão profunda sobre a relação capital/trabalho, e o desenho de novos modelos de contrato social que enderecem os enormes riscos de instabilidade social e descontentamento inerentes a tais mudanças. Vários partidos e Governo começam já a pensar e a elaborar estudos sobre o seu impacte em Portugal e como endereçá-lo, em coordenação com a EU.
Para além do contrato social, interessa legislar sobre o bom uso dos avanços tecnológicos. Tal como há uma Comissão Nacional para a Bioética, poderia constituir-se uma Comissão Nacional para a lA e Robótica Éticas.
Quem pode suportar o governo
A associação portuguesa para a inteligência artificial (APPIA), com 180 sócios ativos, e a comunidade científica em geral, estão em condições de providenciar a expertise científica e tecnológica atual e prospectiva, em ligação com a União Europeia e a comunidade internacional.
Disse também que os robôs terão de vir a pagar impostos. Pode fundamentar?
Não só os robôs, mas também especialmente o software que vai substituir os humanos com capacidades cognitivas cada vez mais sofisticadas, as quais eram dantes seu monopólio. É que são mais invasivas que a robótica por si só. O aumento massivo do desemprego uma vez que os novos empregos não irão equilibrar a perda dos antigos, virá a produzir problemas graves de sustentabilidade de todas as funções sociais, e nomeadamente, das pensões. Não devemos confundir o grande progresso tecnológico com progresso social, o qual precisa existir também em resultado daquele, que deve beneficiar todos e não apenas os que investem capital. A vida humana também é um capital que se amortiza, quer no funcionamento das empresas quer socialmente. Um robô ou software que substitui um humano deve substituí-lo integralmente, inclusive nos impostos que o humano paga. O benefício não pode ser só para que os ricos fiquem desequilibradamente ainda mais ricos, que é o que vem acontecendo desde há umas décadas.
Como será a relação entre humanos e máquinas?
No meu livro de 2016, “A Máquina Iluminada— Cognição e Computação”, publicado pela Fronteira do Caos, desenvolvo o argumento de que a relação é uma de simbiose, isto é, de desenvolvimento mútuo em cooperação.
Os robôs poderão vir a ter emoções?
Sim, é possível. Em trabalhos meus recentes, mostro como é importante inculcar nas máquinas sentimento de culpa, porque isso melhora a cooperação entre elas e connosco. Também as civilizações extraterrestres terão seres com emoções, pois estas são necessárias ao gregarismo, mas certamente num corpo diferente do nosso. O mesmo se aplica às máquinas inteligentes.
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SOBRE LUIS MONIZ PEREIRA
Luís Moniz Pereira, Professor de Ciência de Computação, catedrático com agregação (aposentado), foi Director do Centro de Inteligência Artificial (CENTRIA) da Universidade Nova de Lisboa (1993-2008). É Doutor honoris causa pela Universidade Técnica de Dresden (2006). Pela sua contribuição para o domínio da Inteligência Artificial foi eleito Fellow do ECCAI — European Coordinating Committee for Artificial Intelligence (2001). É membro do Conselho de Curadores e do Conselho Científico do Instituto IMDEA Software (Instituto Madrileño de Estudios Avanzados en Tecnologías de Desarrollo de Software). Na investigação os seus interesses centram-se nos domínios da Representação do Conhecimento, Programação Lógica e Ciências Cognitivas, tendo a seu crédito centenas de publicações. Foi fundador e primeiro Presidente da Associação Portuguesa de Inteligência Artificial e membro fundador dos conselhos editoriais de várias revistas internacionais na sua área de interesses.
Luís Moniz Pereira é membro dos Órgãos Sociais da OTC.