
A NECESSIDADE DE TECER UMA AMPLA COMUNIDADE DE INTERESSES PARTILHADOS E OBJECTIVOS COMUNS
Frederico Carvalho e Mehdi Lahlou
98º Conselho Executivo da Federação Mundial dos Trabalhadores Científicos
Paris, França, 09-13 Junho 2025
Contribuição para o debate no
Grupo de Trabalho 1: “Paz, Desenvolvimento e Cooperação”
“Para os fundadores da Federação Mundial dos Trabalhadores Científicos, o mais importante dos seus objectivos iniciais era o de estabelecer laços entre colegas de diferentes partes do mundo, particularmente entre aqueles que vivem e trabalham em nações ou blocos politicamente opostos, onde as tensões podem, a qualquer momento, degenerar em conflitos generalizados. Essa ambição continua a estar na ordem do dia.”
O estabelecimento de tais laços é de importância primordial para criar uma frente comum, aumentando assim as hipóteses de a comunidade científica influenciar significativamente o curso dos acontecimentos, que é determinado pelas decisões daqueles que detêm efectivamente o poder de moldar o futuro das nossas sociedades e, na verdade, o destino da humanidade no planeta.
Os trabalhadores científicos em diferentes países, em diferentes condições de emprego e em diferentes sectores de actividade – públicos ou privados – têm, naturalmente, necessidades diferentes e experimentam constrangimentos diferentes na sua vida profissional e privada. Eles avaliarão certamente de formas diferentes as ameaças e promessas do futuro, tanto a nível local como global. Este facto reforça a importância real da criação de laços entre todos, como justamente salientamos em muitas das nossas publicações.
Importa igualmente sublinhar a necessidade de os trabalhadores científicos interagirem com os seus concidadãos, recorrendo à sua experiência profissional, conhecimentos especializados e competências, para, nessa interacção, contribuir de forma isenta para forjar, naqueles com quem dialogam, uma interpretação informada e imparcial dos caminhos pelos quais o mundo está a ser conduzido, bem como dos obstáculos que nesses caminhos se levantam. O diálogo a procurar deve ter como objectivo esclarecer a natureza, as origens e o significado das ameaças que enfrentamos no actual contexto geopolítico.
A grande maioria das organizações filiadas na nossa federação são associações sindicais de classe ou de sector económico. Os seus objectivos nucleares têm a ver com a defesa de direitos, interesses e conquistas dos seus membros enquanto trabalhadores assalariados. Apenas um número relativamente pequeno dos seus membros se envolve activamente em acções directamente ligadas às questões-chave da paz, do desarmamento e da cooperação. Dada o papel de crucial importância dos sindicatos na sociedade, é essencial reavivar entre os seus membros a consciência da necessidade de lutar pela paz, o que pressupõe, mais uma vez, um diálogo para clarificar a natureza e as raízes das ameaças que todos enfrentamos.
Algumas das organizações filiadas pertencem à categoria das chamadas ONG-Organização Não Governamental. Não só estas, mas as ONG em geral, podem desempenhar um papel importante numa campanha em grande escala a favor da paz, do desarmamento e da cooperação. Algumas já o estão a fazer, nomeadamente várias ONG membros da ICAN — a Campanha Internacional para a Abolição das Armas Nucleares— bem como associações membro do Conselho Mundial da Paz. As ONG abrangem uma vasta gama de interesses, muitas vezes sem ligação directa à ciência ou à investigação científica. Os profissionais da ciência empenhados na luta pela paz deveriam tomar a peito o encorajar o diálogo com diferentes ONG, que poderiam beneficiar dos seus conhecimentos especializados para esclarecer e aprofundar a consciência da situação em que nos encontramos.
Perante o aumento das tensões internacionais, a proliferação dos arsenais militares, incluindo as armas nucleares, e o alastramento dos conflitos armados em muitas partes do mundo, é chegado o momento de uma mobilização geral a favor do desarmamento total. O silêncio ou a neutralidade perante a escalada das despesas militares e o uso crescente da força, já não é aceitável. Os recursos absorvidos pelas guerras ou na sua preparação, devem ser reorientados para objectivos que servem o ser humano: educação, saúde, disponibilidade de água potável para todos, transição ecológica, justiça social, e outros mais.
Os trabalhadores científicos, enquanto portadores de conhecimento e de consciência crítica, têm uma responsabilidade ética particular: a de se oporem à instrumentalização da ciência ao serviço da força e da destruição. Muitas vezes, demasiadas vezes, os avanços científicos e tecnológicos foram desviados em benefício da indústria militar e, portanto, da morte. É mais do que tempo de inverter esta tendência, afirmando que toda a inovação científica deve ser avaliada não só pelo seu desempenho, mas também pelo seu impacto na paz e na dignidade humana. Por outras palavras, na preservação da vida no nosso planeta. Porque não temos outro.
Devemos, por conseguinte, advogar o reordenamento das prioridades económicas, sociais, políticas e ecológicas do mundo. A verdadeira segurança não reside na dissuasão nuclear ou na superioridade militar, mas na cooperação internacional, no respeito pelo Estado de direito, na luta contra as desigualdades e na construção de instituições democráticas e inclusivas em todas as sociedades do mundo. O desarmamento não deve ser visto como fraqueza, fragilidade ou renúncia de soberania, mas como um acto de coragem, racionalidade e sabedoria. E, em última análise, como uma responsabilidade histórica para com a humanidade no seu conjunto.
Neste sentido, o advento de uma comunidade alargada de interesses e objectivos comuns, reunindo cientistas, sindicalistas, ONG e actores políticos progressistas, é mais urgente do que nunca. É unindo forças na diversidade, e colocando a ciência ao serviço da humanidade, que poderemos construir um futuro melhor, livre das ameaças existenciais com que todos nos confrontamos.
NOTA OTC: Frederico Carvalho (OTC e FMTC) e Mehdi Lahlou (FMTC), coordenam o Grupo de Trabalho 1 da Federação Mundial dos Trabalhadores Científicos. O primeiro é Investigador-coordenador (aposentado) do Centro de Ciências e Tecnologia Nucleares, IST, Univ. de Lisboa. Mehdi Lahlou é professor de Economia no Instituto Nacional de Estatística e Economia Aplicada (INSEA), Rabat, Marrocos, e professor associado na Universidade Mohammed V (Rabat).
Tradução do francês: Elisabete Nunes
Revisão: Frederico Carvalho
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Artigo na página institucional da FMTS-WFSW:
EN: https://fmts-wfsw.org/2025/09/strengthening-bonds-for-the-future/?lang=en
FR : https://fmts-wfsw.org/2025/09/renforcer-les-liens-pour-lavenir/