NOTA OTC-Rumo da Ciência em Portugal

otcORGANIZACÃO DOS TRABALHADORES CIENTÍFICOS

A CIÊNCIA EM PORTUGAL NO RUMO CERTO?

Saíram recentemente a público vários artigos destacando a evolução “meteórica” da ciência em Portugal nos últimos 20 anos, particularmente a que foi produzida antes do anterior Governo de Passos Coelho. São apresentados os indicadores que revelam que a taxa de crescimento médio anual entre 2005-2015, por milhão de habitantes, da produção científica em Portugal indexada na Web of Science, só foi ultrapassada por 4 países, ficando inclusive à frente de países como a Alemanha e a Inglaterra. Este resultado é atribuído, pelos autores dos artigos, à política visionária de Mariano Gago, grande timoneiro e responsável pelo sucesso no desenvolvimento da investigação científica em Portugal e pela mudança do paradigma da investigação. Face àquelas notícias houve quem viesse comentar que se fossem considerados outros indicadores, tais como sejam, o número de investigadores que lê e/ou cita as publicações científicas produzidas em Portugal ou qual o aumento do número das publicações portuguesas do grupo dos 1% mais citados (indicador de excelência segundo a Comissão Europeia) ou ainda a utilização de outra base de contabilização da produção científica (por exemplo a base Scopus) ficaríamos muito afastados dos primeiros classificados, atrás por exemplo da Grécia ou da Letónia.

Curiosamente os autores não fazem qualquer referência ao facto de tão “grande sucesso” na taxa de crescimento da produção científica em Portugal ser em grande parte atribuível a milhares de investigadores em regime precário (bolseiros de doutoramento e pós-doutoramento, investigadores Ciência, etc.) integrados nas cerca de três centenas de Unidades de Investigação (Centros, Institutos e Laboratórios Associados) da FCT. 

Quaisquer que sejam os argumentos a favor do “milagre” atribuído a José Mariano Gago ou os defendidos pelos mais cépticos, outros investigadores e trabalhadores científicos, e, designadamente, a Direcção da OTC, consideram que teria sido decisivo para a política de desenvolvimento e consolidação da investigação em Portugal ter mantido e reforçado as estruturas de investigação existentes em Portugal (por exemplo os Laboratórios de Estado), tal como acontece nos países europeus e fora da Europa, cientificamente mais avançados (por exemplo, Alemanha, França, Estados Unidos e Canadá, entre outros) e com maior desenvolvimento económico que Portugal. A manutenção e reforço dessas estruturas teria sido e continua a ser decisivo para o desenvolvimento económico sustentado do país e eventualmente menos oneroso que a sua destruição e criação, em alternativa, de algumas centenas de Unidades de Investigação maioritariamente inseridas nas Universidades. O desenvolvimento científico, económico e social do país não é traduzido, nem directa nem essencialmente, pela apresentação de taxas elevadas de produção científica, aliás, quase exclusivamente apoiadas no esforço de trabalhadores científicos a prazo, e com impacto residual no tecido social, económico e empresarial do país, ou seja, sem uma estratégia que tenha em conta a situação nacional real nos planos económico e social. Por outras palavras: a taxa de crescimento da produção científica indexada a uma qualquer base é um indicador necessário, mas não suficiente para classificar o país no top ten da ciência europeia, pois a tradução deste indicador no desenvolvimento real e sustentado do país é diminuta e não coloca Portugal no grupo dos 10 países mais desenvolvidos da Europa. Retroceder nalgumas das políticas adoptadas por anteriores governantes, reforçando e promovendo a autonomia das instituições nacionais de investigação e desenvolvimento (em vez de as ir integrando no sistema universitário), associada à revisão da carreira de investigação científica, e articulando os programas de actividade com as necessidades do tecido económico empresarial e social do país, poderão contribuir de forma decisiva para responder às necessidades económicas e sociais reais do país, vindo, eventualmente a catapultar Portugal para o grupo dos 10 (cientificamente e não só) mais desenvolvidos países da Europa.

27 de Abril de 2017