Albert Einstein

Einstein: A propósito da degradação do “Homem Científico” [1]

“Evidentemente, não considero automaticamente como homem de ciência, aquele que sabe servir-se de instrumentos e de métodos considerados científicos. Penso unicamente naqueles cujo espírito se revela verdadeiramente científico.

No momento presente, que posição ocupa o homem de ciência no corpo social da humanidade? Em certa medida, pode felicitar-se pelo facto de o trabalho dos seus contemporâneos, ter, mesmo de forma muito indirecta, modificado a vida económica dos homens, ao eliminar quase completamente o trabalho muscular. Mas, ao mesmo tempo, é desencorajado pelo facto de os resultados das suas investigações terem trazido consigo uma terrível ameaça para a humanidade. Pois os resultados das suas investigações foram recuperados pelos representantes do poder político, esses homens moralmente cegos.  Ele depara-se também com a realidade da terrível concentração económica engendrada pelos processos técnicos a que as suas investigações deram origem. Ele descobre então que o poder político, criado sobre essas bases, pertence e uma ínfima minoria que comanda completamente à vontade uma massa anónima, crescentemente privada de toda e qualquer capacidade de reacção. Este outro facto ainda mais terrível impõe-se-lhe ao espírito. Uma tal concentração de poder político e económico nas mãos de um número tão restrito de pessoas traz consigo não só a dependência material exterior do homem de ciência como ao mesmo tempo ameaça a sua existência profunda. Com efeito, essa concentração de poder, com o estabelecimento de técnicas refinadas para exercer uma pressão intelectual e moral, impede o aparecimento de gerações novas de seres humanos de valor, mas independentes.

O homem de ciência conhece hoje verdadeiramente um destino trágico. Quer e deseja a verdade e a independência profunda. Mas pelos seus esforços quase sobre-humanos criou os próprios instrumentos que o reduzem exteriormente a uma escravidão e que o destruirão no seu eu mais íntimo. Deveria autorizar os representantes do poder político a colocar-lhe um açaime. E enquanto soldado, vê-se constrangido a sacrificar a vida do seu semelhante e a sua própria vida embora convicto do que tal sacrifício tem de absurdo. A sua inteligência levá-lo-á a entender que, num contexto histórico devidamente condicionado, os Estados fundados sobre a ideia de Nação encarnem o poder económico e político e logo o poder militar, e que todo este sistema conduz inexoravelmente a uma catástrofe universal. Ele sabe que, perante os métodos actuais de um poder terrorista [2] só a instauração de uma ordem jurídica supranacional pode ainda salvar a humanidade. Ele próprio degrada-se a tal ponto que continua, forçadamente, às ordens, a aperfeiçoar os meios destinados a aniquilar os seus semelhantes.

Estará o homem de ciência condenado a carregar este fardo? Ter-se-ão esgotado definitivamente os Tempos em que a sua liberdade íntima, o seu pensamento independente e a sua investigação podiam iluminar e enriquecer a vida dos humanos? Terá ele esquecido a sua responsabilidade e a sua dignidade, pelo facto de o seu esforço se ter exercido unicamente na esfera intelectual? Respondo: sim, pode destruir-se um homem interiormente livre e vivendo de acordo com a sua consciência mas não se pode reduzi-lo à condição de escravo ou de instrumento cego.

Se o homem de ciência contemporâneo encontrar tempo e coragem para avaliar a situação em que vive e a sua responsabilidade, se o fizer em paz e com objectividade, e se agir de acordo com o resultado desse exame, então as perspectivas de uma solução razoável e satisfatória para a situação internacional excessivamente perigosa dos nossos dias, aparecerão profunda e radicalmente transformadas.”

Albert Einstein

 

Como vejo o mundo

“Quando reflicto acerca da minha existência e da minha vida em sociedade, claramente me apercebo da estreita dependência, intelectual e prática, do meu ser. Eu dependo integralmente da existência e da vida dos outros. (…) O meu alimento é produzido pelo homem, as minhas vestimentas são fabricadas pelo homem, habito uma casa por ele construída. O que sei e o que penso ao homem o devo. (…) Como ser humano, não existo como criatura individual, unicamente, mas descubro-me parte de uma grande comunidade humana. Ela dirige-me, corpo e alma, do nascimento à morte. (…) O meu valor consiste em reconhecê-lo.”

Albert Einstein, inComo vejo o mundo

 

 


[1] extracto de uma colectânea de textos originais de Albert Einstein redigidos entre 1930 e 1935 objecto de publicação com o título de “Como eu vejo o mundo”; ed. Flammarion, Paris, 1979, pp.187-89

[2]Einstein tinha aqui em mente a ascensão do chamado “III Reich” que o levaria a abandonar a Alemanha.