Comissão Internacional para o Desarmamento, a Segurança e a Paz
Declaração sobre
A AMEAÇA DE GUERRA NUCLEAR E AS POSSÍVEIS CONSEQUÊNCIAS DA UTILIZAÇÃO DE EXPLOSIVOS NUCLEARES
Há muitas décadas que os perigos associados à utilização de explosivos nucleares num teatro de guerra são preocupação maior da Federação Mundial dos Trabalhadores Científicos. A concepção de armas nucleares de sofisticação e potência explosiva crescentes, e a sua produção e armazenamento por um pequeno grupo de estados tem sido, desde que tiveram lugar em meados do século XX as primeiras explosões nucleares, e continua a ser, hoje, uma realidade.
Imediatamente após o fim da 2ª Guerra Mundial, numerosos trabalhadores Científicos incluindo vários Prémios Nobel, alertaram a opinião pública e procuraram informar decisores políticos influentes, para as terríveis consequências das explosões nucleares sobre a vida das pessoas e sobre o ambiente.
O nosso primeiro presidente e co-fundador da FMTC, Frédéric Joliot-Curie, resignou o lugar de Alto-Comissário para a Comissão Francesa de Energia Atómica quando o governo da França tomou a decisão de desenvolver a arma nuclear.
A partir de 1945 e até final da chamada “guerra fria”, o número de explosões nucleares de ensaio (“nuclear tests”), excedeu os dois milhares, sendo que mais de cinco centenas tiveram lugar na atmosfera terrestre. Estima-se que a potência total dos explosivos detonados tenha atingido um valor equivalente a 540 milhões de toneladas de TNT, valor que é aproximadamente 8000 vezes a potência do engenho explosivo lançado sobre Hiroshima. Uma explosão nuclear pode provocar a destruição maciça quer de seres vivos quer de estruturas inertes. Pela conjugação de diferentes efeitos, pode conduzir a morte imediata mas também a sequelas desfasadas no tempo que afectam a saúde quer em resultado da exposição directa às radiações quer pelos efeitos da contaminação do meio ambiente resultante da disseminação de poeiras radioactivas.
Em consequência da deflagração, podem ser geradas temperaturas de vários milhares de graus centígrados na zona do impacto bem como ventos com velocidades que podem exceder 1000 quilómetros por hora. Estes efeitos levam à formação de tempestades de fogo de enorme poder destrutivo.
Mau grado os vários acordos e tratados multilaterais visando a proibição total de ensaios nucleares, a não-proliferação das armas nucleares e o desarmamento nuclear global, a verdade é que a ameaça de guerra nuclear continua presente nos nossos dias. A ameaça é hoje provavelmente mais séria do que no período da “guerra fria”. Uma tal ameaça, a concretizar-se porá em perigo a própria sobrevivência da nossa espécie no planeta.
Nos termos do Novo tratado START que entrou em vigor em 5 de Fevereiro de 2011, o número total de cabeças nucleares montadas em Mísseis Balísticos Intercontinentais (ICBM), em Mísseis Balísticos para Lançamento por Submarinos (SLBM) e cabeças nucleares montadas em bombardeiros pesados, elevava-se, à data de 1 de Setembro de 2014, a 1643, no caso da Federação Russa, e 1642, no caso dos Estados Unidos da América. Por “montadas” (“deployed” em inglês) entende-se ser equivalente a “prontas a disparar” (“ready to launch”).
Aqueles números totais, cresceram significativamente desde a mais recente troca de informações entre as partes envolvidas que ocorreu em Março deste ano. Os referidos totais encontram-se já em violação dos limites prescritos no tratado assinado em 2010.
É difícil justificar a grandeza destes números unicamente por considerações de imagináveis necessidades militares. Seja como for, eles são um motivo de séria preocupação, designadamente se se tiver em conta que a deflagração de apenas uma centésima parte da potência explosiva total combinada das armas disponíveis para disparo imediato, seria suficiente para aniquilar a possibilidade de sobrevivência de formas de vida mais evoluídas no planeta incluindo a nossa própria espécie.
Segundo variadas fontes a possibilidade de um ataque nuclear preventivo (“preemptive” em inglês) desencadeado por uma potência nuclear visando a destruição do arsenal de outra potência nuclear, a ponto de tornar impossível ou ineficaz uma acção de retaliação do adversário, é seriamente considerada ao mais alto nível em círculos políticos e militares que subestimam as consequências de uma confrontação opondo estados que possuam armamento nuclear.
O equilíbrio que existiu ao longo da “guerra fria” entre potências opostas, tem vindo a ser gradualmente erodido em aspectos importantes. A retirada dos Estados Unidos, em 2002, do Tratado Anti-mísseis Balísticos, por um lado, e a progressiva expansão para leste dos territórios cobertos pela Organização do Tratado do Atlântico Norte, contrariando compromissos assumidos nos primeiros anos da “guerra fria”, são vistos pela Federação Russa como passos ameaçadores que põem em risco a sua segurança. Em 1 de Maio de 2014, foi introduzido no Senado dos Estados Unidos um projecto de lei intitulado “Lei de Prevenção da Agressão Russa” (RAPA-“The Russian Aggression Prevention Act”) que deu entrada na Comissão senatorial dos Negócios Estrangeiros, para consideração.
Há sinais evidentes de que quer os EUA quer a Federação Russa, parecem preparar-se para uma confrontação militar directa, um cenário que foi cuidadosamente evitado durante o período da chamada “guerra fria”. No discurso proferido na Assembleia Geral das Nações Unidas, em 24 de Setembro último, o presidente dos Estados Unidos referiu explicitamente como questões exigindo a mais urgente atenção: a recente epidemia do Ebola; a agressão russa à Europa, e a brutalidade terrorista na Síria e no Iraque.
Numerosos estudos científicos arbitrados por pares (“peer-reviewed”) predizem as consequências possíveis de uma guerra travada entre países fortemente armados com armamento nuclear. Os trabalhadores científicos têm a responsabilidade de alertar os seus concidadãos para os perigos que um tal caminho, a ser seguido, representaria para a vida no planeta. A detonação de apenas uma pequena parte dos explosivos nucleares prontos a disparar, na posse das principais potências nucleares, trate-se de armas estratégicas ou de armas tácticas, teria efeitos duráveis sobre o ambiente, conduzindo a alterações globais catastróficas no plano da meteorologia que poderiam persistir por vários anos. Para lá da acção destrutiva directa dos rebentamentos nucleares, dos efeitos imediatos e dos efeitos prolongados da emissão de radiações e das poeiras radioactivas, as alterações meteorológicas associadas ao chamado “inverno nuclear” reduziriam a duração ou eliminariam os períodos férteis de crescimento das plantas durante anos, de forma que a maior parte dos seres humanos e espécies animais sucumbiriam à fome.
De acordo com fontes credíveis[1] uma guerra nuclear entre a Rússia e os Estados Unidos mesmo tendo em conta a redução dos arsenais nucleares planeada no contexto do acordo START 2, poderia produzir um “inverno nuclear”. Mesmo uma “pequena” guerra nuclear regional em que menos de um por cento do poder explosivo total das cabeças nucleares operacionais existentes fosse detonado, “poderia lançar na atmosfera uma tal quantidade fumos poluentes que as temperaturas desceriam abaixo das verificadas na “pequeno período glaciar” dos séculos catorze a dezanove, encurtando a estação de crescimento (“growing season”) em todo o mundo e pondo em risco a quantidade de alimentos disponíveis a nível global.”[2] A grande maioria das pessoas não tem qualquer ideia da natureza e dimensão destes efeitos. A maior parte das pessoas não sabe que uma única arma nuclear estratégica pode facilmente provocar uma tempestade de fogo maciça sobre uma área superior a 250 km2 e que tanto os EUA como a Rússia, possuem, cada um, muitos milhares dessas armas, prontas a ser utilizadas.
Nas escolas deveria normalmente ensinar-se a natureza e efeitos das armas nucleares. Os trabalhadores científicos deveriam agir no sentido de contribuir para o esclarecimento destas questões e por todos meios ao seu alcance, procurar que seja atingido o objectivo de um mundo livre de armas nucleares.
Outubro, 2014