ECIC-ANGOLA

ESTATUTO DA CARREIRA DE INVESTIGADOR CIENTÍFICO DA REPÚBLICA DE ANGOLA

Em 2 de Abril último é publicado no Órgão Oficial da República de Angola o diploma que aprova o “Estatuto da Carreira de Investigador Científico” que passou a vigorar naquele país[1]. Uma leitura rápida faz-nos recuar ao regime anterior estabelecido no Decreto-Lei 219/92 que definia, nessa altura, o Estatuto de Carreira de Investigação Científica em Portugal. Neste decreto figuravam, tal como no ECIC de Angola as cinco categorias da carreira de investigação científica: a) Estagiário de investigação; b) Assistente de investigação; c) Investigador auxiliar; d) Investigador principal; e) Investigador-coordenador. Só mais tarde com as alterações impostas pelo Decreto-Lei nº124/99, de 20 de Abril, ainda em vigor, as categorias de Estagiário e Assistente de Investigação deixaram, para todos os efeitos práticos, de existir. Consta ainda deste Decreto-Lei 124/99 que a título excepcional as actividades de investigação podem ser asseguradas, por pessoal especialmente contratado designado por assistente ou estagiário de investigação, mas uma leitura atenta do seu Artigo 37º, que refere o recrutamento de assistentes de investigação e de estagiários de investigação, percebe-se que as instituições só podem recorrer a esse recrutamento excepcional quando, “ (…) aberto concurso de ingresso para investigador auxiliar na respectiva instituição, este tenha ficado deserto ou não tenha sido possível prover todas as vagas postas a concurso por não existirem candidatos aprovados em número suficiente que reunissem as condições de admissão a esse concurso”. Tendo em conta o elevado número de trabalhadores científicos com a mais alta qualificação académica — o doutoramento ― em situação de precariedade, investigadores precários sem direitos laborais e sem perspectivas de futuro a médio prazo, que à falta de abertura de concursos públicos concorrem a bolsas ano após ano, podemos inferir que não há trabalhadores com grau de mestre ou licenciatura na carreira de investigação, que no nosso entender são uma mais-valia no apoio à investigação.

À semelhança do nosso ECIC nas categorias de pessoal especialmente contratado está também a figura de investigador científico visitante, convidado ou colaborador para fomentar a troca de conhecimentos ao nível nacional e internacional e a cooperação científica com outros países. O que distingue, no ECIC de Angola, o investigador cientifico visitante do investigador científico convidado é que o Visitante é um investigador convidado vinculado a uma instituição estrangeira e o Investigador Convidado é alguém vinculado a uma instituição nacional angolana. Além disso, os visitantes são providos por contrato até ao máximo de um ano, enquanto os investigadores convidados são providos por contrato de cinco anos, podendo nos dois casos ser renovados por períodos iguais, mediante parecer favorável do Conselho Científico (CC).

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O conteúdo funcional geral e específico das diferentes categorias é muito semelhante nos dois ECICs. Entretanto, gostaríamos de sublinhar a alínea b) do nº 1 do artigo 10º do ECIC de Angola: “Conceber projectos de investigação científica com vista à resolução de problemas que afectam a sociedade”. Implícito ou não nos valores e objectivos dos nossos investigadores, e, em especial das entidades financiadoras da ciência em Portugal, importa sublinhar a necessidade de privilegiar uma correcta aplicação do conhecimento científico e dos avanços tecnológicos no sentido da melhoria das condições de vida das populações, em geral, e, no concerto mundial, em defesa da Paz, da estabilidade social e da preservação do meio natural.

Está também presente no ECIC de Angola uma significativa referência a aspectos éticos da actividade científica, nos princípios orientadores da actividade do investigador científico (Capítulo II), cujo artigo 4º é dedicado à ética científica, com uma referência também importante no nº2 do Art.º 10º ― actividades de administração e gestão ― que refere na sua alínea d) “conceber e implementar planos de controlo de qualidade e protocolos de boas práticas em investigação”.

Ainda na Secção III que respeita às “funções do pessoal da carreira de investigador científico” encontramos no enunciado de funções específicas das alíneas f) do artigo 11º relativo à categoria de investigador coordenador e g) do artigo 12º referente à de investigador principal, a disposição: “Participar (no primeiro caso), contribuir (no segundo) para a definição de políticas e estratégias científicas”. É assim aqui relevada a importância da participação da comunidade científica na elaboração de uma política científica e de estratégias consequentes, fundamental para que a cada momento, estas melhor sirvam o progresso do país nos planos social, económico e cultural, num quadro de desenvolvimento sustentável.

No articulado do actual ECIC que rege a Carreira em Portugal, não há uma única referência a “ética”, “política científica” ou “estratégias”.

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No capítulo da contratação e provimento do pessoal de investigação, do ECIC de Angola, aplicam-se as expressões “concurso de acesso” que se destina à ascensão de pessoal do quadro para a categoria imediatamente acima, e, “concurso de ingresso” para preenchimento de vagas com pessoal pertencente ou não ao quadro de pessoal da instituição. O ingresso e o acesso na carreira de investigação pressupõem a existências de vagas no quadro do pessoal da instituição, existência de cobertura orçamental e avaliação positiva de desempenho profissional. A necessidade de contratação e/ou provimento do pessoal é deliberado inicialmente pelo CC ou órgão afim da respectiva instituição. Para além do regime do concurso público menciona também que o recrutamento e provimento nas instituições público-privadas e privadas são feitos nos termos da Lei Geral do Trabalho e demais legislações aplicáveis ao sector público-privado e privado. Aliás o presente Diploma aplica-se ao pessoal Investigador Científico afecto às instituições públicas, públicas-privadas e privadas, integradas no Sistema nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação.

Nos dois ECICs o recrutamento é feito por concurso público de natureza documental, e prevêem o recrutamento/destacamento por permuta ou por transferência por conveniência da administração, ou por interesse do próprio investigador. Na contratação de investigadores para as diferentes categorias existem pequenas diferenças entre os dois ECICs, por exemplo, em Portugal são necessários no mínimo três anos de serviço na categoria imediatamente abaixo da posição para a qual se pretende concorrer, enquanto em Angola são necessários no mínimo cinco anos e ainda acrescentam: “… com avaliação mínima de desempenho de “Bom”, embora, se a avaliação de desempenho for “Muito Bom“ ou “Excelente” o número de anos de serviço possa ser reduzido para 4 ou 3. O ECIC de Angola prevê ainda, que docentes com a categoria de professores catedráticos ou associados possam candidatar-se à categoria de Investigador Coordenador ou Principal.

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No caso do ECIC de Angola o provimento é feito através de nomeação ou contrato administrativo de provimento, consoante a categoria da carreira em questão, sempre precedido de concurso público documental. Os termos do articulado que estipula as condições para o recrutamento e o provimento nas cinco categorias da carreira é substancialmente idêntico ao do ECIC nacional de 1992. Com uma ressalva importante que é a de que o ingresso (de fora da carreira, portanto) só está previsto para as categorias de investigador auxiliar e assistente de investigação, além, naturalmente, do estagiário. Como no ECIC nacional de 1992 não é estipulada a obrigatoriedade de concurso público externo. Em Portugal os investigadores auxiliares, principais e coordenadores são providos a título definitivo, excepto os casos em que os indivíduos recrutados não possuam à partida a categoria imediatamente abaixo da categoria para o qual o concurso foi aberto mas, possuam o grau de doutor na área científica do concurso ou em área científica considerada pelo CC como afim daquela para que é aberto o concurso ou, ainda, os que, embora doutorados em área diversa, possuam currículo científico relevante nessas áreas e que, em qualquer dos casos, contem um mínimo de três anos de experiência profissional nessas áreas após a obtenção do doutoramento ou tenham sido aprovados em provas públicas de habilitação ou de agregação (investigadores principais recrutados nos termos da alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º e os investigadores-coordenadores recrutados nos termos da alínea c) do n.º 1 do artigo 12.º), estes casos são nomeados provisoriamente ou em comissão de serviço por um período de três anos, findo o qual são nomeados a título definitivo, desde que obtenham parecer favorável.

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Os artigos 46º e 47º do ECIC de Angola contemplam, respectivamente, a conversão da carreira de Investigador Cientifico para o regime geral e para a carreira de Docente de Ensino Superior. A primeira é prevista por inexistência de posições da Carreira de Investigador Científico no quadro de pessoal da instituição ou como resultado do processo de avaliação de investigadores científicos, previsto em legislação própria. No segundo caso, a conversão é vedada, tendo sido aberta a título excepcional e no prazo de 90 dias após a entrada em vigor do presente diploma, desde que os interessados estivessem vinculados a uma instituição de Ensino Superior e enquadrados na carreira de Investigador, desempenhassem actividade docente há mais de 7 anos e com o parecer favorável do CC da Unidade Orgânica em que estivesse vinculado e a homologação do Departamento Ministerial responsável pelo Sector do Ensino Superior, Ciência, Tecnologia e Inovação.

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A existência de uma Carreira pública de Investigação Científica correctamente estruturada é um instrumento fundamental de que depende o progresso das actividades de Ciência e Tecnologia, em todas as suas vertentes, da investigação fundamental aos estudos aplicados, e mesmo no que respeita ao suporte técnico-científico das actividades económicas quer do sector produtivo quer dos serviços. A OTC tem estado ligada, desde sempre, e tem sempre procurado contribuir para a institucionalização de uma Carreira Científica em Portugal, e para um Estatuto do pessoal investigador atento às exigências do exercício da respectiva actividade profissional, em condições de estabilidade e dignidade.

A OTC reitera a posição há muito defendida da necessidade da revisão do Estatuto da Carreira de Investigação Científica em vigor com a reintrodução das categorias de Estagiário e de Assistente de Investigação, nos moldes inscritos no Decreto-Lei 219/92, conjugada com a actualização do regime de avaliação do pessoal investigador permanente e a revogação do Estatuto do Bolseiro de Investigação.

O Estatuto do Investigador Científico da República de Angola promulgado em Abril último está em sintonia com o espírito e a letra daquele que entre nós vigorou entre 1992 e 1999. O diploma, reflectindo como é natural a situação e interesses próprios do seu país, não esquece questões transversais como a contribuição do trabalho científico e técnico para a satisfação das necessidades sociais ou a ética científica ou ainda a importância da participação dos investigadores na definição de políticas e estratégias científicas, questões que não merecem referência explícita no ECIC nacional nem parecem ocupar demasiadamente o espírito de responsáveis políticos e altos gestores de ciência em Portugal.

18 de Outubro de 2019

[1] Decreto Presidencial nº4/19, DR Série I nº45 de 2 de Abril. Com esta publicação é revogado o diploma legal que regia a mesma carreira, publicado em 19 de Janeiro de 2001 (Decreto nº4/01).