DIA INTERNACIONAL DA PAZ 2024

 


Celebração do Dia Internacional da Paz 2024

No passado dia 24 de Setembro, teve lugar em Paris, um evento cultural de celebração do Dia Internacional da Paz promovido pelo colectivo de Organizações Não Governamentais marcadamente comprometidas com a defesa da Paz e que possuem o estatuto de parceria oficial com a UNESCO. O Dia Internacional da Paz, que passa a 21 de Setembro, foi instituído em 1981 pela Assembleia Geral das Nações Unidas. Vinte anos mais tarde, em 2001, a Assembleia Geral votou por unanimidade a designação desse dia como período de não-violência e de cessar-fogo. Aquele colectivo de ONG’s do qual faz parte a Federação Mundial dos Trabalhadores Científicos, vem celebrando desde 2012, o Dia Internacional da Paz, através de eventos culturais, inclusivos e intergeracionais em diferentes regiões do mundo. Este ano, no contexto geral de “Cultura e Paz” destacou-se a contribuição da Dansa como factor de união e instrumento de Paz. Os intercâmbios e as histórias relatadas pelas numerosas ONG participantes permitiram destacar a “engenharia da Paz”, bem como as ligações entre Educação e Cultura da Paz ou entre Ciência e Paz.

A Federação Mundial dos Trabalhadores Científicos convidou a OTC a participar no evento em representação da Federação, convite aceite, com satisfação. A intervenção da OTC, à distância, reproduzida abaixo, esteve a cargo de Joana Santos e Frederico Carvalho.

O evento de 24 de Setembro, em Paris, foi organizado em parceria pelo colectivo de ONG’s em parceria oficial com a UNESCO e a AAFU-Associação dos Antigos Funcionários da UNESCO, com o apoio do Comité de Ligação ONGs-UNESCO, e teve o patrocínio da Comissão Nacional Francesa para a UNESCO.

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CIÊNCIA E PAZ

Boa tarde a todas e a todos.

A luta por um mundo de paz, onde o desarmamento seja uma realidade e a cooperação substitua a competição nas relações entre Estados, tem sido a pedra de toque da acção do FMTS desde o seu nascimento em 1946.

A Federação Mundial dos Trabalhadores Científicos é uma casa comum de cientistas, investigadores e técnicos, mulheres e homens que fazem ciência, fundamental ou aplicada, contribuindo para a criação de novos instrumentos que transformam a vida das sociedades humanas. No entanto, a ciência é uma faca de dois gumes. Pode ser usada para melhorar a vida ou para a destruir. Pode ser usada para a guerra ou para a Paz.

As considerações que se seguem são fruto de trabalho de equipa, no qual participei com o meu colega Frederico Carvalho, que preside à minha associação — a Organização dos Trabalhadores Científicos — uma ONG portuguesa criada há quase meio século e filiada na FMTS. O meu colega, tal como eu, é membro do Secretariado Internacional e do Conselho Executivo da Federação Mundial.

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A evolução tecnológica a que assistimos no mundo de hoje — talvez se lhe devesse chamar revolução — processa-se a um ritmo acelerado. Cada uma e cada um de nós tem consciência dessa evolução, das potencialidades que lhe estão associadas e também de eventuais consequências no curto e médio prazo. Os graus de consciência da situação que se vive, são diferentes, consoante a informação de que se dispõe e a medida em que é possível assimilá-la criticamente no contexto particular da sociedade ou grupo social em que nos inserimos, vivemos e trabalhamos.

A evolução tecnológica é inevitável, como é inevitável a procura de conhecimento novo sobre o mundo natural, através da investigação científica que faz avançar a Ciência.

A vida das sociedades é moldada por forças cuja natureza e correlação, também elas em constante evolução, determinam a utilização que é dada ao conhecimento científico e tecnológico e a própria orientação dos objectivos do trabalho científico.

A guerra, como fenómeno social, tem acompanhado a Humanidade desde sempre. As formas que assume e os meios que utiliza, têm variado notavelmente ao longo do tempo. Como têm variado as consequências sociais e o impacte da guerra sobre o meio natural. O conhecimento científico, e os desenvolvimentos tecnológicos que permite, têm desde sempre estado associados à evolução dos meios militares, armas e sistemas de armamento.

Em meados do século passado ― já lá vão quase oitenta anos ― o aparecimento da arma nuclear ― o domínio do “fogo atómico”, como por vezes se diz― criou uma situação nova: a de pôr nas mãos do homem a possibilidade de exterminar a vida sobre a terra. Essa terrível ameaça mantem-se hoje e tende a agravar-se, mau grado os corajosos e persistentes esforços em defesa da Paz que por toda a parte se vêm desenvolvendo de forma organizada no seio da sociedade, por mulheres e homens conscientes dos perigos que o mundo enfrenta.

Hoje assistimos a uma renovada corrida aos armamentos nucleares, ogivas nucleares e vectores de lançamento, envolvendo meios humanos, materiais e financeiros colossais, ao mesmo tempo que se agravam as desigualdades em aspectos cruciais da vida no seio das sociedades humanas, entre países e no interior de cada país. A perspectiva de uma guerra nuclear não está excluída e essa é uma ameaça existencial que paira sobre nós. Ao mesmo tempo, enfrentamos já as consequências de fenómenos naturais extremos de frequência crescente que são o resultado de alterações dos padrões climáticos provocadas pelas actividades humanas. As alterações climáticas são porventura a mais séria ameaça existencial que hoje temos pela frente.

Importa dizer que há uma relação nos dois sentidos entre alterações climáticas e o binómio guerra-Paz.

As alterações climáticas, que ocorrem em diferentes cenários – aquecimento das massas continentais, aquecimento dos oceanos, fusão dos glaciares, etc. — são uma fonte de conflitos e uma causa, tal como as guerras, de deslocações forçadas, privações e mortes prematuras. Por outro lado, e mesmo na ausência de um conflito real, a contribuição dos militares para as emissões de gases com efeito de estufa representa uma fracção significativa do total. Ao avaliar a pegada de carbono dos militares, é necessário ter em conta, para além das emissões resultantes da utilização directa dos equipamentos militares num teatro de guerra, as emissões ligadas à manutenção e operação correntes das bases militares — os Estados Unidos são campeões neste domínio, com cerca de 800 bases militares espalhadas pelo mundo. Há ainda que ter em conta, as emissões de carbono provenientes da indústria que produz equipamento militar, bem como as ligadas à extracção de matérias-primas utilizadas por essa indústria. E, por último, mas não menos importante, as emissões de gases de estufa resultantes do trabalho de reconstrução dos edifícios, infra-estruturas e instalações civis destruídos pelas guerras. A guerra é uma fonte de lucros não só para os complexos militares-industriais envolvidos mas também, terminada a guerra, fonte de chorudos contratos para reconstrução nas áreas devastadas pelos combates.

Por outro lado, uma guerra nuclear, mesmo limitada, em que apenas fosse utilizada uma pequena fracção dos explosivos nucleares operacionais existentes (por exemplo, 2%) daria origem ao fenómeno designado por Inverno nuclear provocando uma quebra prolongada na produção de alimentos que levaria a fome generalizada em vastas regiões do planeta. O número de vítimas da fome num tal Inverno nuclear seria 10 a 20 vezes superior ao das vítimas directamente provocadas pela deflagração dos explosivos nucleares.

Numa declaração divulgada em Janeiro de 2024 pelo seu Secretariado Internacional, a Federação Mundial dos Trabalhadores Científicos renovou o apelo a uma “cooperação dinâmica no seio da comunidade global de investigadores científicos, a fim de enfrentar eficazmente os grandes desafios da humanidade, incluindo as catástrofes recorrentes causados ​​pelas alterações climáticas, bem como a ameaça de guerras generalizadas”. Tirando partido da sua formação específica e das competências multidisciplinares que adquiriram, os cientistas, a nível global, têm o dever, acrescenta no comunicado, “de procurar influenciar os decisores e de alertar os (seus) concidadãos para a natureza e as implicações para o nosso futuro comum dos perigos de continuar a seguir o caminho traçado pelas potências dominantes de hoje”. Não é uma tarefa fácil, esta, que, desde logo, exige um trabalho aturado de organização para ganhar o empenhamento das associações de trabalhadores científicos no envolvimento em acções pela Paz. Não apenas das suas direcções mas sobretudo dos trabalhadores científicos nelas filiados.

Entendemos que a FMTC e as associações nela filiadas devem colaborar activamente com outras ONG’s e colectivos informais, activos nas mais variadas áreas de interesses da sociedade, contribuindo com a sua experiência de acção em defesa da Paz e o conhecimento especializado que detêm sobre as problemáticas que lhe estão associadas, de forma a  alargar a frente de acção no combate que importa travar.

No seio das instituições de ensino superior e investigação, mas também no espaço público, importa promover um debate esclarecedor sobre a natureza e a importância relativa das ameaças no actual quadro geopolítico; as suas raízes e as razões do seu agravamento, bem como os riscos de que os conflitos em curso evoluam para confrontos incontroláveis. Essa é uma tarefa à qual os trabalhadores científicos e as suas associações não se devem furtar e que é tanto mis necessária quanto é certo que a informação veiculada pela generalidade dos meios de comunicação social controlados pêlos governo e pelos grandes interesses económicos é manifestamente tendenciosa ou simplesmente omissa em relação a questões cruciais que afectam o nosso futuro.

Seria ingenuidade considerar que qualquer trabalhador científico por mais informado e bem-intencionado que seja se sinta confortável para emitir opiniões ou agir de acordo com as suas convicções quando sabe de ciência certa que elas contrariam os interesses dos poderes que directamente determinam a sua vida, o seu dia-a-dia, o seu futuro. O seu emprego, designadamente. As situações variam muito consoante o sector de actividade do trabalhador. Importa lembrar que a vasta maioria dos trabalhadores científicos está empregada no sector empresarial privado onde estabilidade e segurança de emprego são relativas, mesmo quando o vínculo laboral não é formalmente precário. É aqui que as organizações sindicais e as associações, profissionais e outras, têm uma importância determinante: a afirmação de posições individuais funde-se numa tomada de posição colectiva.

O que se passa nas instituições de ensino superior e investigação, domínio a que os trabalhadores científicos são particularmente sensíveis, é particularmente relevante no que respeita à defesa da Paz e, mais geralmente, à forma como aí são ou não são respeitados direitos fundamentais da democracia como a liberdade de expressão. Na situação geopolítica actual vêm-se acumulando tensões no seio dessas instituições. Nos Estados Unidos, por exemplo, os movimentos estudantis pro-Palestina em grandes universidades privadas têm sido objecto de repressão incentivada pelo poderoso lobby sionista com forte influência no Congresso. Os presidentes de duas universidades da chamada Ivy League foram levados à demissão por não terem cedido a pressões externas no sentido de uma repressão eficaz. Num plano diferente, mas porventura mais sério, deve encarar-se a denúncia que parte de cientistas prestigiados de que a política de investigação em universidades britânicas é em boa medida condicionada pelos militares. Em artigo publicado pela associação britânica “Scientists for Global Responsibility” pode ler-se que “aqueles que orientam a agenda da ciência e da tecnologia da Grã-Bretanha estão mais preocupados com os objectivos militares e económicos estreitos do que com objectivos sociais e ambientais mais vastos”.

Razões financeiras, designadamente o subfinanciamento das universidades, tem responsabilidades nesta situação pois os militares são uma importante fonte de dinheiros. De algum modo, embora num contexto diferente, o caso da demissão de presidentes das universidades americanas acima referido tem também por detrás a questão financeira. Efectivamente as grandes universidades americanas dependem de financiamentos privados de dadores que estão muito mais próximos do lobby judaico do que dos direitos humanos do povo Palestino.

Olhando com atenção o que se vai passando à nossa volta, compreende-se, embora possa não se adoptar, a posição daqueles que entendem que “nem a guerra nem as alterações climáticas, que alguns procuram retratar como uma consequência inevitável do desenvolvimento científico e tecnológico, podem ser combatidas com sucesso no quadro da globalização imperialista baseada nos ditames do grande capital”.

Gostaríamos de fechar esta intervenção citando uma colega e excelente amiga, a doutora Dina Bacalexi, membro como nós do Conselho Executivo da FMTC:

Segundo a definição da OMS ‘a saúde é um estado de completo bem-estar físico, mental e social e não consiste apenas na ausência de doença ou enfermidade’. O mesmo se passa com a Paz — a saúde da humanidade: ela não consiste apenas na ausência de conflito armado, é uma cultura para a qual devemos educar desde a mais tenra idade e cuja construção, um combate constante, assenta entre outras coisas nas lutas sociais. Não há paz real sem justiça social, sem luta contra as desigualdades no mundo “.

Obrigado pela vossa atenção.

Sede da UNESCO, Paris, 24 de Setembro de 2024

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FMTS-WFSW: https://fmts-wfsw.org/2024/10/journee-internationale-de-la-paix-2024/