Guerra Nuclear e Alterações Climáticas

 AS PRINCIPAIS AMEAÇAS EXISTENCIAIS DO NOSSO TEMPO
GUERRA NUCLEAR E ALTERAÇÕES CLIMÁTICAS
Frederico Carvalho e Mehdi Lahlou*
98º Conselho Executivo da Federação Mundial dos Trabalhadores Científicos
Paris, França, 09-13 Junho 2025
Contribuição para o debate no

Grupo de Trabalho 1: “Paz, Desenvolvimento e Cooperação”

Ao olharmos o futuro da humanidade no nosso planeta, destacam-se duas grandes ameaças: o risco de um conflito nuclear entre grandes potências e a intensificação dos fenómenos naturais ligados às alterações climáticas em curso e as disrupções ecológicas que as acompanham. São esses, sem dúvida, os mais graves perigos que se colocam hoje às sociedades humanas e à própria sustentabilidade da vida na Terra, pelo menos às suas formas mais evoluídas.
Vale a pena notar que muitas fontes consistentes e confiáveis partilham esta visão.
As origens e características das duas ameaças são fundamentalmente diferentes, sendo essencial determo-nos brevemente na sua natureza e génese.
A emissão para a atmosfera de gases com efeito de estufa provoca a retenção de calor, levando a um aquecimento global com aumento das temperaturas médias das superfícies terrestre e marítima. A principal causa deste fenómeno é a queima de combustíveis fósseis – um facto bem conhecido das elites governantes e de decisores políticos, da comunidade científica e mesmo de uma fracção significativa do público em geral.
No entanto, não estão a ser implementadas medidas que são conhecidas e reconhecidamente eficazes para inverter esta trajectória e mitigar as suas consequências nefastas. Dados estatísticos fiáveis mostram que o consumo de combustíveis fósseis aumenta de forma constante, ano após ano, e mais rapidamente desde meados do século passado.
A proliferação de eventos climáticos extremos atribuíveis à actividade humana resulta em perdas significativas de vidas e importantes danos materiais. São fenómenos que têm profundas repercussões sociais, particularmente nos países mais pobres, onde levam a deslocações populacionais em grande escala que são um factor de desestabilização de equilíbrios geopolíticos – uma questão central no dilema guerra-paz. É também de realçar que as guerras, tal como certas indústrias e actividades humanas, contribuem significativamente para as próprias condições que favorecem as alterações climáticas.
Apesar disso, interesses poderosos continuam a opor-se aos esforços de mitigação dessas alterações. A disrupção ecológica – uma consequência das alterações climáticas – prossegue o seu caminho: 2023 foi o ano mais quente em pelo menos, 174 anos. A nova palavra de ordem é agora mitigação, uma vez que inverter a tendência actual não é já possível – apenas evitar o agravamento. Entre os poderosos interesses que resistem à transição estão, sem surpresa, o lobby dos combustíveis fósseis e o complexo militar-industrial.
Pode então questionar-se se a guerra ou as alterações climáticas – frequentemente apresentadas como consequências inevitáveis do progresso científico e tecnológico – podem realmente ser abordadas no contexto de uma globalização imperialista dominada pela ditadura do grande capital. A resposta é, provavelmente: não. O grande capital precisa da guerra e lucra com ela, particularmente, com a reconstrução do que a guerra destruiu. Não será exagero afirmar que só uma transformação social revolucionária poderá garantir um futuro viável para a vida na Terra.

Consideremos agora os perigos que decorrem da existência de um vasto arsenal nuclear, particularmente num mundo em que certos líderes, irresponsavelmente, parecem contemplar a utilização de tais armas, seja na Europa de Leste, seja no Médio Oriente.
O Instituto Internacional de Investigação para a Paz de Estocolmo (SIPRI), geralmente considerado como fonte independente e fiável, publica uma avaliação anual da situação geopolítica global. Na sua mais recente edição – o Anuário SIPRI 2024 – o director do instituto, Dan Smith, descreve o momento actual da seguinte forma:
Estamos hoje num dos períodos mais perigosos da história da humanidade. As fontes de instabilidade são inúmeras: rivalidades políticas, desigualdades económicas, perturbações ecológicas e uma corrida armamentista acelerada. O abismo está diante de nós, e é tempo de as grandes potências recuarem e reflectirem.
Pode ler-se no Anuário que “(a) segurança global continuou a deteriorar-se em 2023, como vem acontecendo ao longo da última década.”
Efectivamente, os gastos militares aumentaram durante nove anos consecutivos. Em 2024, prevê-se que atinjam os 2,4 milhões de milhões de dólares. Aos Estados Unidos cabe quase 40% deste valor, seguindo-se a China (12%) e a Federação Russa (4,5%).
Tanto os Estados Unidos como a Rússia têm em marcha extensos programas de modernização dos seus arsenais nucleares – ogivas, sistemas de lançamento, aeronaves, submarinos e infra-estruturas de produção. O mesmo se aplica à China, que pretende vir a dispor, na próxima década, de um número de mísseis balísticos intercontinentais (ICBMs) em estado de alerta, equivalente ao dos EUA e da Rússia. Todos os outros Estados que possuem armas nucleares estão a desenvolver ou anunciam o propósito de desenvolver novos sistemas.
Os Estados Unidos aprovaram um programa de modernização nuclear a 30 anos, com um custo estimado de 1,7 milhões de milhões de dólares. Cerca de 100 bombas nucleares tácticas são mantidas em alerta em bases aéreas localizadas na Bélgica, Holanda, Alemanha, Itália e Turquia – todas sob controlo dos EUA.
A manutenção de armas nucleares em estado de alerta (“trigger warning”) é extremamente perigoso, mesmo em tempo de paz. Os especialistas alertam que tal aumenta significativamente o risco de uma guerra nuclear total por acidente. As ogivas em situação de alerta estão montadas nos sistemas de lançamento, prontos a disparar em minutos após a ordem de lançamento. Por exemplo, num conflito entre os EUA e a Rússia, o tempo que decorreria entre o disparo e o impacto no alvo poderia ser apenas 10 a 30 minutos, dependendo do local de lançamento. Os mísseis lançados de submarinos poderiam atingir o alvo ainda mais rapidamente. Cada uma das cinco potências nucleares com assento permanente no Conselho de Segurança da ONU, mantem permanentemente em patrulha um ou mais submarinos portadores de armas nucleares, que são praticamente indetectáveis, e podem disparar em imersão de uma profundidade até 50 metros.
Quando um alerta é recebido, deve ser tomada uma decisão muito rapidamente. Nos EUA e na Rússia, essa responsabilidade recai sobre os respectivos presidentes. Uma falha técnica ou de software pode levar a um erro de avaliação catastrófico. Situações dessas já ocorreram no passado. Uma vez lançado, um míssil nuclear não pode ser parado em voo ou desviado. Mesmo que o erro fosse imediatamente reconhecido, nada poderia impedir o impacto no alvo. É por isso que o estado de alerta é tão perigosamente crítico.
Pode dizer-se que vivemos no fio da navalha. E poder-se-á acrescentar que “adultos responsáveis” parecem ausentes das salas de decisão. Pelo contrário, muitos parecem ter esquecido que “uma guerra nuclear não pode ser ganha e nunca deve ser travada“, como repetidamente afirmado pelos líderes das cinco potências nucleares no Conselho de Segurança da ONU. No entanto, actualmente, a Rússia e os Estados Unidos mantêm cada um deles cerca de 1.700 ogivas nucleares em estado de alerta.
É altamente improvável, em nossa opinião, que um primeiro ataque nuclear estratégico possa eliminar a capacidade de resposta do adversário a ponto de impedir um contra-ataque. É este o fundamento da chamada doutrina da Destruição Mútua Assegurada (MAD-Mutually Assured Destruction, em inglês)). Se esta lógica se mantiver, poderá levar as potências nucleares a favorecer as guerras convencionais.
Neste contexto, as guerras por procuração – como as que se observam na Europa – podem surgir como alternativa à aniquilação nuclear. Mas não estão isentas de riscos: uma guerra convencional entre Estados com armas nucleares pode intensificar-se se qualquer das partes se sentir alvo de uma ameaça existencial. Isto é explicitamente declarado nas doutrinas nucleares da maioria das potências nucleares, com a notável excepção da China, que adere à política do “não uso em primeiro lugar” (“No First Use”, em inglês).

O Armagedom nuclear não serve os interesses das grandes corporações, onde se incluem os complexos militar-industriais. Numa Terra queimada, mergulhada num inverno nuclear que duraria anos, e devastada pela fome, o “business as usual” não passará de uma recordação do passado, por mais insuportável que o nosso presente possa já parecer.

Uma palavra sobre as armas nucleares ditas “tácticas”, que vêm sendo frequentemente mencionadas nos últimos tempos.
As armas nucleares “tácticas” ou “não estratégicas” distinguem-se no essencial pelo menor poder explosivo, que varia entre menos de 1000 a 100 000 toneladas de equivalente TNT. As armas estratégicas, por outro lado, variam entre 100 000 e vários milhões de toneladas – são bombas termonucleares ou de “hidrogénio”.
Um ponto assinalável: em Janeiro de 2024, a Rússia não mantinha as suas armas nucleares tácticas em alerta, ao contrário dos Estados Unidos, que mantêm nessa situação cerca de 100 armas tácticas em seis bases situadas nos cinco países europeus referidos atrás.
Alguns analistas sugerem que, numa guerra entre potências nucleares, uma arma nuclear táctica poderá permitir a vitória numa batalha sem desencadear uma guerra em grande escala. Esta é uma ideia extremamente perigosa, pois pressupõe que o inimigo não retaliaria com armas estratégicas. A maioria dos especialistas acredita ser altamente improvável que a utilização de uma arma nuclear, mesmo táctica, não desencadeie a escalada para uma guerra nuclear total. Recorde-se que a bomba de Hiroxima lançada em 1945 tinha um poder explosivo de 15 000 toneladas de TNT – e hoje seria classificada como “táctica”. Hiroxima foi arrasada. As 70 000 mortes imediatas representaram apenas um terço das 200 000 vítimas mortais registadas nos cinco anos seguintes, devido à exposição às radiações.
As duas ameaças acima referidas – alterações climáticas e guerra nuclear – embora naturalmente distintas, reforçam-se mutuamente. É notório que o prazo para que os seus efeitos se façam sentir é significativamente mais curto no caso de uma guerra nuclear (questão de meses) do que no caso das alterações climáticas (várias décadas).
Mesmo uma guerra nuclear “limitada” agravaria drasticamente a disrupção climática, enviando milhões de toneladas de partículas para a atmosfera, desencadeando potencialmente um “inverno nuclear” que alteraria permanentemente os ciclos climáticos e colocaria em perigo a segurança alimentar global. Por outro lado, as alterações climáticas podem, por si só, ser um gatilho para conflitos armados, ao intensificarem a competição pelo acesso a recursos vitais como água, terra arável ou energia.

Face à inércia das instituições internacionais e à cumplicidade de poderosas potências económicas e militares, uma mobilização dos cidadãos no plano global é indispensável. A transformação do sistema económico e político global só pode ocorrer através de uma pressão popular concertada, assente na solidariedade internacional, na justiça climática e na paz.
É imperativo ir para lá da lógica do lucro imediato e do crescimento ilimitado, rumo a uma abordagem baseada nas reais necessidades das sociedades humanas e no respeito pelos limites planetários. Isso exige uma reformulação fundamental da nossa relação com a tecnologia, a produção de energia, o armamento e as relações internacionais.
A sobrevivência da nossa espécie e do ecossistema global depende agora da nossa capacidade de priorizar a razão, a cooperação e o bem comum em detrimento da dominação e da exploração. Isto exige uma grande coragem política e moral, que só uma consciência colectiva esclarecida pode trazer.
Na verdade, é vital compreender que as duas ameaças existenciais aqui abordadas não são acontecimentos isolados ou imprevisíveis, mas produto directo de um sistema económico e geopolítico enraizado na competição, na acumulação desenfreada de capital, na militarização e na extrema brutalização das relações internacionais – cada vez mais baseadas na força em lugar da lei. Estes perigos não são inevitabilidades naturais, mas antes as consequências de um modelo civilizacional que sacrifica o interesse geral da humanidade e da própria vida na Terra aos ganhos privados e às dinâmicas de poder.
A ideia de que a tecnologia ou a inovação “verde” nos podem salvar sem uma transformação estrutural é uma ilusão perigosa. A história recente mostra que os avanços tecnológicos – das novas tecnologias da informação e comunicação à biotecnologia e inteligência artificial, passando pelas armas autónomas – são hoje, principalmente, capturados por lógicas de lucro, controlo e guerra. Da mesma forma, os acordos internacionais sobre o clima ou a limitação de armas, e a sua acumulação ao longo dos anos, parecem não passar de promessas vãs se a sua implementação se mantiver sujeita à vontade das potências dominantes, elas próprias responsáveis pela maior parte das emissões poluentes e pela proliferação nuclear.
A lucidez exige, portanto, uma conclusão clara: as condições actuais da globalização capitalista são, em última análise, incompatíveis com a preservação das condições de vida na Terra. A paz, um clima viável e a justiça, não podem ser alcançados sem uma mudança profunda nas relações sociais, políticas e económicas globais. Não se trata de uma reforma marginal, mas de lançar as bases para uma outra forma de organizar a vida colectiva – baseada na cooperação, na frugalidade, no desarmamento global e na soberania dos povos sobre os seus recursos e escolhas sociais.
Isto implica uma luta determinada contra as forças que perpetuam e lucram com o desastre: o lobby dos combustíveis fósseis, o complexo militar-industrial, as instituições financeiras internacionais, tal como funcionam actualmente, e os governos que as dominam ou são subjugados por elas. Esta luta só pode ser travada através de uma mobilização cívica transnacional massiva – desde logo dos cientistas – construída em torno de objectivos claros: saída rápida dos combustíveis fósseis, proibição das armas nucleares, desmilitarização das relações internacionais e o estabelecimento de mecanismos democráticos de controlo das grandes empresas e investimentos públicos.
Dada a escala dos perigos actuais e potenciais, a inacção e a aparente neutralidade equivalem a uma cumplicidade passiva. Como cientistas, intelectuais, artistas, educadores, trabalhadores, líderes da sociedade civil e cidadãos, temos o dever não só de dar o alarme, mas de nos envolvermos activamente nas reformas necessárias para fazer face às ameaças futuras. A História julgar-nos-á pela nossa capacidade de resistir à lógica de destruição que rege o presente e de construir as condições para um futuro justo, pacífico e viável para todos.

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ANEXO
“GUERRA NUCLEAR E ALTERAÇÕES CLIMÁTICAS”

I. Arsenais nucleares e Estados com armamento nuclear no mundo

Em 2024, oito países possuíam, declaradamente, armas nucleares, com arsenais que variavam significativamente na dimensão e sofisticação. Apenas um — o Estado de Israel — devido a considerações estratégicas regionais, não declarou oficialmente o seu arsenal, apesar de ser a oitava potência nuclear do mundo. De acordo com as estimativas do Instituto Internacional de Investigação para a Paz de Estocolmo (SIPRI)[i] e da Federação de Cientistas Americanos (FAS)[ii], a distribuição de ogivas nucleares nesse ano era a seguinte:

Posição País Número estimado de ogivas nucleares Fracção aproximada* do total
1 Rússia   5580 46%
2 Estados Unidos   5044 42%
3 China     500   4%
4 França     290   2%
5 Reino Unido     225   2%
6 Índia     172 1.5%
7 Paquistão     170 1.5%
8 Israel      90 0.8%
9 Coreia do Norte      50 0.5%
  TOTAL 12121 100%
  • Rússia: Com aproximadamente 5580 ogivas, a Rússia possui o maior arsenal nuclear do mundo. Cerca de 1710 destas ogivas estão em estado de alerta, estando as restantes em reserva ou a aguardar desmantelamento.
  • Estados Unidos da América: Os Estados Unidos possuem cerca de 5044 ogivas, das quais 1770 em estado de alerta.
  • China: A China possui aproximadamente 500 ogivas nucleares e está a investir fortemente na modernização das suas forças nucleares, incluindo o desenvolvimento de mísseis intercontinentais.
  • França: A França possui cerca de 290 ogivas.
  • Reino Unido: O Reino Unido possui cerca de 225 ogivas.

Estes dois países mantêm uma postura de dissuasão baseada sobretudo em sistemas de mísseis balísticos lançados por submarinos (SLBMs).

  • Índia e Paquistão: Estes dois países possuem arsenais comparáveis, com aproximadamente 172 e 170 ogivas, respectivamente. A sua rivalidade de longa data e contínua, continua a impulsionar o desenvolvimento das suas capacidades nucleares. Esta configuração quase os levou ao uso de armas nucleares em Maio de 2025, após uma guerra-relâmpago de quatro dias desencadeada por um ataque terrorista em Abril do mesmo ano [iii], que ceifou a vida a 26 turistas em Pahalgam, no Caxemira administrado pela Índia.
  • Estado de Israel: Embora Israel nunca tenha reconhecido oficialmente a posse de armas nucleares, os especialistas estimam o seu arsenal em cerca de 90 ogivas.
  • Coreia do Norte: Estima-se que a Coreia do Norte, que se retirou do Tratado de Não Proliferação de Armas Nucleares (TNP) em 2003, possua cerca de 50 ogivas nucleares [iv].

Com base nos dados acima, é evidente que a Rússia e os Estados Unidos dominam esmagadoramente o panorama nuclear global, representando, em conjunto, aproximadamente 88% das ogivas nucleares. As outras potências nucleares possuem arsenais significativamente mais “modestos”, mas continuam a desenvolver e a modernizar as suas capacidades. Representam também uma ameaça considerável à paz global, pelo menos nas suas respectivas regiões geográficas, como é o caso da Índia, do Paquistão e de Israel.

II. Quais são as capacidades destrutivas dos arsenais nucleares globais?

As capacidades destrutivas dos arsenais nucleares mantidos em 2024 excedem em muito tudo o que a humanidade — e a própria Terra — poderia suportar sem experimentar um colapso físico e civilizacional. Para avaliar o seu impacto, dois aspectos devem ser considerados:

II. 1/ Capacidade de destruição física
Destruição imediata (por ogiva):

– Uma ogiva moderna (com um poder explosivo de 100 a 800 quilotoneladas TNT, como as dos Estados Unidos ou da Rússia) pode aniquilar instantaneamente uma cidade inteira, como Paris, Londres, Tóquio, Washington, Moscovo ou Berlim.

– A explosão produz:

  • Uma enorme bola de fogo que vaporiza tudo num raio de vários quilómetros;
  • Uma onda de choque que destrói todos os edifícios próximos;
  • Radiação letal;
  • Um impulso electromagnético (IEM) que causa a disrupção do funcionamento de todos os equipamentos electrónicos.

 II. 2/ Capacidade destrutiva efectiva global dos arsenais mundiais:

  • As 12 000 ogivas actualmente ao dispor das diversas potências nucleares equivalem a várias dezenas de milhares de vezes a potência combinada das bombas lançadas pelos Estados Unidos sobre Hiroxima e Nagasáqui no Verão de 1945 (15 e 20 kt TNT respectivamente).
  • O arsenal actual poderia destruir, várias vezes, todas as principais cidades do planeta e, na verdade, todas as zonas habitadas do globo.

III. Custos Estimados de uma Guerra Nuclear

III.1/ Prováveis Custos Humanos da Utilização de Armas Nucleares

Uma guerra nuclear regional (por exemplo, Índia vs. Paquistão) que envolva a utilização de 100 a 200 ogivas poderá resultar em:

  • 50 a 100 milhões de mortes imediatas;
  • Fome desencadeada por um “inverno nuclear” (uma descida das temperaturas globais de pelo menos 1 a 2°C, levando à redução da produtividade agrícola ou ao colapso total da produção alimentar em milhões de hectares);
  • Mais de 2 mil milhões de pessoas afectadas indirectamente — muito mais do que a população combinada dos dois países envolvidos, muitas das quais poderiam morrer de fome, subnutrição e do colapso das cadeias de abastecimento logístico e humanitário [v].

Uma guerra nuclear total (por exemplo, EUA/NATO vs. Rússia) provocaria:

  • Entre 300 a 600 milhões de mortes num intervalo de poucas horas;
  • Até 5 mil milhões de mortes indirectas nos anos seguintes, mais de 60% da população global em 2024 [vi];
  • O provável colapso da civilização global, incluindo o desaparecimento de infra-estruturas, serviços públicos, organizações e sistemas políticos actuais, e o surgimento de fenómenos sociológicos e patológicos desconhecidos.

III.2/ Potencial Custo Económico Directo de uma Guerra Nuclear

Os estudos existentes não permitem uma estimativa fiável do custo real, uma vez que seria necessário contabilizar prejuízos mensuráveis e não mensuráveis, bem como as consequências não previstas a curto, médio e longo prazo. Além disso, os números variariam amplamente em função da natureza do conflito (escala, duração e intensidade) e do número das partes envolvidas. No entanto, pode afirmar-se que:

  • Os danos directos atingiriam triliões de dólares em infra-estruturas destruídas. No entanto, uma estimativa exacta é impossível, pois envolveria infra-estruturas de todos os tipos (estradas, barragens, portos, aeroportos, etc.), edifícios (residenciais, industriais, hospitais, escolas, universidades, sítios culturais e históricos, etc.) e recursos naturais (florestas, terrenos agrícolas, recursos minerais, ar, água, etc.). Em suma, uma parcela significativa do capital físico (infra-estruturas e edifícios de todos os tipos) acumulado pela humanidade desapareceria em poucas horas, e inúmeros recursos naturais em terra, no subsolo e no mar seriam permanentemente ou severamente danificados durante décadas.
  • O comércio global, tal como a maioria das actividades humanas, pararia quase por completo — em terra, no mar e no ar. Todas as bolsas de valores deixariam de funcionar por períodos prolongados; as moedas existentes tornar-se-iam inúteis, pois não haveria quase nada para comprar ou vender; o sistema financeiro global entraria em colapso e os mercados financeiros entrariam em colapso durante um longo período.
  • A economia global regressaria a um estado de subsistência pré-histórico. Numa situação em que as maiores potências mundiais fossem destruídas pela guerra, nenhuma seria capaz de reanimar o sistema económico global, ao contrário do que ocorreu depois de 1945 com os Estados Unidos da América, ou em menor medida, com a União Soviética e a China.

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NOTA OTC: Frederico Carvalho (OTC e FMTC) e Mehdi Lahlou (FMTC), coordenam o Grupo de Trabalho 1 da Federação Mundial dos Trabalhadores Científicos. O primeiro é Investigador-coordenador (aposentado) do Centro de Ciências e Tecnologia Nucleares, IST, Univ. de Lisboa. Mehdi Lahlou é professor de Economia no Instituto Nacional de Estatística e Economia Aplicada (INSEA), Rabat, Marrocos, e professor associado na Universidade Mohammed V (Rabat).

Imagem composta: Crédito: vadimrysev -iStock /Image by Gerd Altmann from Pixabay

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Artigo na página institucional da FMTS-WFSW:
EN: https://fmts-wfsw.org/2025/07/nuclear-war-and-climate-change/?lang=en
FR: https://fmts-wfsw.org/2025/07/guerre-nucleaire-et-changement-climatique/
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[i] SIPRI Yearbook 2024: “Global nuclear arsenal growth raises concerns”, https://www.aa.com.tr/en/world-cup-2018/sipri-yearbook-2024-global-nuclear-arsenal-growth-raises-concerns/3252134
[ii]Federation of American Scientists: Nuclear Information Project. https://nuclearweapons.info/organization/nuclear-information-project-fas/
[iii] ‘’Inde-Pakistan : quatre jours de guerre, deux versions des combats, et toujours aucun gagnant’’. https://www.lemonde.fr/international/article/2025/05/23/conflit-inde-pakistan-quatre-jours-de-guerre-deux-versions-des-combats-et-toujours-aucun-gagnant_6607952_3210.html
[iv] The Centre for Strategic and International Studies (CSIS). https://www.csis.org/
[v]’Global food insecurity and famine from reduced crop, marine fishery and livestock production due to climate disruption from nuclear war soot injection’’. 15 August 2022.
https://www.nature.com/articles/s43016-022-00573-0
[vi] ibid.