A Ciência no programa do XIX Governo Constitucional
O Programa do XIX Governo Constitucional (Coelho-Portas) desenvolve-se ao longo de uma centena e trinta e três páginas. Destas 133, duas páginas e meia são dedicadas à Ciência.
A introdução abre com a frase “O investimento na Investigação, Desenvolvimento e Inovação constitui uma prioridade do Governo. Segue-se uma secção com o título: “Objectivos estratégicos”; e uma segunda e última secção, intitulada: “Medidas”.
O autor ou autores deste texto programático que o Governo oferece aos portugueses, não se dispensam de sublinhar na acima referida introdução que “a ciência em Portugal representa uma das raras áreas de progresso sustentado no nosso país”, que se ficaria a dever “às políticas de investimento de sucessivos governos anteriores”, a que dá graças. Acrescenta que a Ciência em Portugal tem “vindo a dar provas inequívocas de competitividade internacional, nomeadamente através da atracção de investimentos estrangeiros significativos em investigadores e instituições nacionais.”
Entretanto, não se vá pensar que ao actual Governo nada de significativo resta a fazer num tal quadro de sucesso, herdado dos seus antecessores. Com efeito o leitor (eventualmente eleitor) é alertado para o facto de que, no entender do Governo, “após o crescimento ininterrupto em quantidade do sistema científico e tecnológico nacional nas últimas décadas”, é agora crucial crescer em qualidade”. (Todos os sublinhados são nossos).
Entende o Governo que “só a melhor ciência poderá, alguma vez, vir a ser aplicável”. Conceito notável que convida a meditar qual poderá ser o seu significado profundo e que consequências práticas daí decorrerão.
Ainda que com a melhor das boas vontades não se afigura fácil extrair do conjunto de frases contidas nas duas páginas e meia em que o Governo entendeu transmitir ao País as suas intenções em matéria de política científica, conclusões seguras que possam legitimamente considerar-se animadoras (ou desanimadoras) no que respeita ao futuro que o mesmo Governo reserva às actividades de ciência e tecnologia em Portugal.
Nada de concreto se diz sobre a evolução que poderá esperar-se no capítulo dos meios humanos e materiais, seja do recrutamento em condições de estabilidade de jovens investigadores e técnicos de investigação; seja da manutenção, aumento ou diminuição, em valor absoluto, dos recursos financeiros a disponibilizar para as actividades de I&D. Nada é dito de substantivo, também, sobre o papel atribuído pelo Governo e a forma como vê, os diferentes sectores que compõem o sistema científico e tecnológico nacional, designadamente ordenamento e missões das principais entidades públicas que desenvolvem ou devem desenvolver, a par de outras, actividades de I&D, nomeadamente instituições de ensino superior e laboratórios do Estado. Não é feita qualquer menção à necessidade de um Plano Estratégico Plurianual de Ciência e Tecnologia, instrumento da maior importância, que existe aliás em outros países mas que em Portugal nunca foi elaborado.
Na secção das “Medidas” é mais do que evidente a preocupação economicista, particularmente preocupante, dado o estado de carência de meios de que o sector sofre há muitos anos e que se tem vindo a agravar. Insiste-se na “corrida” aos doutoramentos; preconiza-se a formação pós-graduada de investigadores mas também de técnicos (?); a continuidade do problemático mecanismo dos concursos para o financiamento avulso de projectos (ignorando o lançamento de contratos-programa); a “agilização” da transferência de pessoal investigador do sector público para o privado.
Com este programa (?) e estas medidas, assume o Governo “o compromisso de manter e reforçar o rumo de sucesso da ciência em Portugal”. Haja Deus!
Frederico Carvalho