A PAZ AMEAÇADA
A CORRIDA AOS ARMAMENTOS ● NOVOS MEIOS DE COMBATE
Frederico Carvalho
Palestra na Universidade Popular do Porto
Porto, 24 de Fevereiro de 2022
Começarei, caras amigas e caros amigos, citando uma posição pública do Secretário-Geral das Nações Unidas:
“As relações entre Estados com armas nucleares afundam-se num clima de desconfiança. A perigosa retórica acerca da utilidade das armas nucleares está em crescimento. Uma corrida a armamentos nucleares mais aperfeiçoados está em marcha. O sistema de acordos para o controlo de armas que a custo foi sendo criado está a desmoronar-se. Crescem os desentendimentos sobre o ritmo e a escala de um possível desarmamento. Preocupa-me o facto de estarmos a voltar a maus hábitos que, uma vez mais, manterão o mundo inteiro refém da ameaça de aniquilação nuclear. ”[1]
Proferidas em finais de 2019, há cerca de dois anos e meio, estas palavras mantêm infelizmente, no essencial, inteira actualidade. Se algo se alterou terá sido num sentido negativo.
O armamento nuclear[2]
De acordo com os dados mais recentes divulgados por organizações que acompanham de perto a situação, com destaque para a Federation of American Scientists[3] e o Stockholm International Peace Research Institute (SIPRI)[4] existiam no mundo em meados de 2021, 13 150 explosivos nucleares, detidos por nove países. Cerca de 90% encontravam-se nos arsenais nucleares dos Estados Unidos da América e da Federação Russa. Os restantes distribuíam-se por 7 outros países: a saber: França, China, Reino Unido, Israel, Paquistão, Índia e Coreia do Norte. Quando falamos em “explosivo nuclear” temos em mente o que em inglês se chama “warhead”. Em português, a expressão mais apropriada será “ogiva nuclear”, designação que se prende com a forma física do invólucro onde estão contidos os elementos que irão dar origem à explosão.
A informação sobre número exacto e os tipos de armas nucleares que compõem os vários arsenais nucleares é por regra tratado como segredo de estado guardado ciosamente. Assim, o seu conhecimento exige um trabalho aturado de investigação por parte de associações como as referidas ou grupos de activistas, empenhados em alertar, no seio da sociedade em geral, a consciência das ameaças que pesam sobre todos nós. O grau do secretismo associado a essa informação é variável de potência nuclear para potência nuclear. Entre 2010 e 2018 a administração norte-americana dava regularmente conta do número de ogivas nucleares de que dispunha, prática que foi interrompida em 2019 pela administração Trump. Já um outro estado nuclear, Israel, nunca reconheceu sequer possuir tais armas. Na verdade a sua posse está hoje transformada num “segredo de polichinelo”.
A imagem é elucidativa quanto à distribuição dos armamentos nucleares por país. Mostra-se aí o número de ogivas nucleares e a situação de prontidão em que se encontram nos vários estados que as possuem.
Importa dizer que daquele total de 13 150 explosivos, apenas 9500 estão em condições de ser utilizados. Os restantes, ainda intactos, aguardam em armazém o seu desmantelamento por serem considerados degradados ou tecnicamente ultrapassados. Das ogivas nucleares consideradas em condições de ser utilizadas, à volta de 3650 estão distribuídas por forças operacionais. As ogivas nucleares são inúteis se não se dispuser de meios apropriados de lançamento sobre os objectivos que se pretende atingir. Estes são de três tipos: os mísseis balísticos, ditos estratégicos ou intercontinentais; os mísseis não-estratégicos de alcance intermédio, igual ou inferior a 5500 km; e, ainda, bombardeiros pesados, estes, também de longo alcance. Os mísseis balísticos intercontinentais estão normalmente alojados em silos subterrâneos altamente protegidos. Outros mísseis podem ser lançados por aviões ou por submarinos. Os submarinos militares lança-mísseis têm sempre propulsão nuclear para poderem manter-se operacionais em submersão durante longos períodos de tempo. Neste grupo de armamentos nucleares operacionais tem-se conhecimento de que cerca de 2000 dos referidos 3650 se encontram permanentemente na situação de “alerta vermelho”, prontos a ser usados com pré-aviso de poucos minutos. As armas em “alerta vermelho” distribuem-se da seguinte forma: cerca de 900 nos EUA e na Federação Russa; cerca de 80 em França e cerca de 50 no Reino Unido.[5]
Os explosivos nucleares actuais são em regra engenhos termonucleares ou de fusão. Usou-se o termo “bomba de hidrogénio” porque assentam na reacção nuclear cujos “reagentes” são dois isótopos de hidrogénio: o deutério e o trítio. A bomba de fusão permite obter potências explosivas muito elevadas com dispositivos mais leves do que aqueles que assentam na cisão nuclear do urânio. Para obter as altas temperaturas, da ordem de 100 milhões de graus centígrados, que levam à fusão dos núcleos de hidrogénio é necessário utilizar um explosivo adicional ― um primeiro andar do dispositivo ― em que é usado o plutónio. O stock de plutónio para fins militares hoje existente no mundo é estimado em 220 toneladas. Dez quilogramas são suficientes para construir uma bomba mais potente do que a destruiu Nagasaki em 1946.[6]
O trítio é um isótopo radioactivo do hidrogénio, de vida curta, que é produzido na própria bomba na fase inicial da explosão. O deutério que irá fundir-se com o trítio, esse está já presente na bomba na forma de hidreto de lítio, correntemente designado em inglês por lithium deuteride, um composto de lítio e deutério. O lítio dá origem ao trítio quando bombardeado com o fluxo de neutrões resultantes da cisão do plutónio contido no primeiro andar do dispositivo. Na bomba termonuclear intervêm assim, de forma conjugada, os fenómenos da cisão nuclear do plutónio e da fusão nuclear dos já referidos isótopos do hidrogénio. É esta última que confere à bomba o seu extraordinário poder destruidor.
A ameaça nuclear. Sinais contraditórios
Estamos longe de poder pensar que a ameaça nuclear esteja seguramente afastada. Efectivamente as principais potências nucleares ― Estados Unidos da América, Federação Russa e República Popular da China ― prosseguem trabalhos de desenvolvimento e modernização dos respectivos arsenais nucleares, quer no que toca às ogivas ou dispositivos equivalentes que contêm os explosivos nucleares, quer no que respeita aos meios e sistemas de lançamento, designadamente mísseis de vários tipos. As potências nucleares que ocupam um lugar permanente no Conselho de Segurança das Nações Unidas consideram que a posse da arma nuclear é a melhor garantia de não ser alvo de um ataque nuclear. Adoptam, assim, a chamada doutrina da dissuasão nuclear, posição que mantêm desde sempre, durante e após a “guerra fria”. Por isso recusam-se a aderir a qualquer tratado internacional que vise a proibição das armas nucleares. Outros estados que possuem essas armas adoptam a mesma posição. Por outro lado, dão por vezes sinal ou, em alguns casos, assumem o compromisso de não utilizar a arma nuclear em primeiro lugar, reservando esse recurso para a situação extrema de ser atacado com armas nucleares ou com certo tipo de outras armas ― é o caso da União Indiana referido abaixo. O compromisso de “no first use“ exclui a utilização da arma nuclear num ataque preventivo contra um presumível inimigo ou em resposta a um ataque com meios convencionais, isto é, não nucleares. Entretanto o compromisso de “no first use” não é assumido da mesma forma por todos os estados que possuem armas nucleares. Até hoje, apenas a China o assume incondicionalmente; a União Indiana abre uma excepção para o caso de ser atacada com agentes químicos ou biológicos. Israel não manifesta obviamente qualquer posição já que não reconhece dispor de armas nucleares. Os restantes estados que as possuem não assumem o compromisso de não utilizar a arma nuclear como arma de primeiro ataque. O compromisso de “no first use” é, naturalmente, do interesse dos estados não-nucleares, em geral, e, em particular, de todos os signatários do “Tratado de Proibição das Armas Nucleares”. Trata-se do Tratado aprovado em Setembro de 2017 por 122 estados-membros da Organização das Nações Unidas, reunidos em Nova Iorque numa Conferência especialmente convocada para o efeito[7] e que tem, naturalmente também, o apoio dos movimentos da Paz em todo o mundo.
O objectivo último do Tratado é a completa eliminação dos armamentos nucleares. Entretanto nenhuma das potências que possuem armas nucleares assinou o Tratado nem sequer participou na conferência referida. Mais ainda: nenhum dos estados membros da OTAN esteve presente, à excepção dos Países Baixos que votaram contra a aprovação do Tratado.
Entretanto, em Janeiro último, surge, algo inesperadamente, uma declaração conjunta das cinco potências nucleares membros permanentes do Conselho de Segurança da ONU [8], na qual proclamam a vontade comum de evitar uma guerra nuclear e uma nova corrida aos armamentos. Ao mesmo tempo, nada dizem sobre desarmamento nuclear e muito menos sobre a proibição das armas nucleares. Entretanto, declaram manter-se fieis ao Tratado de Não-Proliferação Nuclear (NPT) que assinaram há 52 anos e vão mesmo ao ponto de reiterar o seu compromisso para com o disposto no Artigo VI do tratado onde é estipulado que “(c)ada uma das Partes no Tratado se compromete a entabular negociações de boa-fé, em data próxima, sobre medidas efectivas relativas ao fim da corrida aos armamentos nucleares, e ao desarmamento nuclear, e sobre um tratado de desarmamento geral e completo sob controlo internacional rigoroso e eficaz.” Esqueceram o facto de que não deram até hoje qualquer passo nesse sentido.
Esta tomada de posição das cinco potências nucleares ― potenciais “cavaleiros do apocalipse” ― marca a clara distinção entre, por um lado, os que consideram que a posse de armas nucleares é garantia da paz, assente na doutrina da dissuasão nuclear, e, por outro, aqueles que defendem a abolição definitiva dessas armas.
Os cinco declaram encarar como sua primeira e mais decisiva responsabilidade “evitar uma guerra entre potências nucleares e reduzir riscos estratégicos”. Com algum humor negro, poderá dizer-se que teremos de nos “contentar” com uma “boa” guerra convencional como a vivida nos anos 39 a 45 do século passado. Tanto mais que os cinco vêm reiterar a justeza da afirmação de Reagan e Gorbatchev proferida em fins de 1985 e que ficou famosa, de que “uma guerra nuclear não pode ser ganha e não deve nunca ser travada”, acrescentando que tais armas só devem ser usadas como meio de defesa para evitar a guerra. Subentenda-se: como meio de dissuasão. Diga-se em abono da verdade que a mesma convicção já fora expressa por Ronald Reagan no “Discurso sobre o Estado da União” de Janeiro de 1984, discurso em que os presidentes americanos se dirigem-se ao país anualmente. Tem interesse lembrar uma passagem desse discurso.
Nessa ocasião, tendo em mente a então União Soviética, Ronald Reagan disse o seguinte: “Para os nossos dois países, uma só política pode preservar a civilização nesta idade moderna: uma guerra nuclear não pode ser ganha e não deve nunca ser travada. O que as nossas duas nações possuidoras de armas nucleares devem ter como valor supremo é garantir que elas nunca serão usadas. E sendo assim não seria melhor desfazermo-nos delas uma vez por todas?”[9]
Ao longo das quase quatro décadas entretanto decorridas o que efectivamente se verificou foi uma progressiva degradação da situação geopolítica, acentuada a partir da dissolução da União Soviética em 1991. Desvaneceu-se o eco daqueles propósitos esperançosos e aquilo a que hoje se assiste é à modernização e expansão dos arsenais nucleares por parte das cinco potências que têm assento permanente no Conselho de Segurança das Nações Unidas, mas também, ainda que em menor escala, por outros estados nucleares. O comportamento das cinco potências nucleares que subscreveram a declaração de Janeiro último, a que nos referimos, continua a sustentar a doutrina da dissuasão nuclear como garantia de manutenção da paz. De uma paz entendida como ausência de qualquer conflito que ponha em causa a integridade dessas mesmas cinco potências e os seus diferentes interesses geopolíticos. E entendem que, para que uma política de defesa assente no recurso à arma nuclear seja credível, é necessário que o adversário espere que ela possa vir a ser usada. Aqui reside o paradoxo da dissuasão nuclear: a necessidade de dispor de armas nucleares para que elas nunca sejam usadas.[10] Embora seja arriscado prever o futuro, a actual correlação de forças no plano mundial permite esperar que assim aconteça, isto é, que elas não venham a ser usadas deliberadamente.
Deliberadamente, porque como qualquer dispositivo ou infra-estrutura técnica, também os sistemas de comando e controlo associados aos armamentos nucleares, estão sujeitos a avarias ou acidentes ou a ser incorrectamente accionados ou vítima de ataques cibernéticos. São situações que já aconteceram no passado e que puderam ser corrigidas a tempo, evitando-se desastres fatais. O que não é de esperar, infelizmente, é que possa estabelecer-se um consenso para a abolição das armas nucleares num futuro previsível.
Em 1942 os Estados Unidos ergueram secretamente em Los Alamos, no Novo México, uma região semi-desértica do seu território, um laboratório de dimensões nunca anteriormente vistas. Tinha o propósito de desenvolver um explosivo nuclear. Em 4 anos o projecto técnico-científico designado por Projecto Manhattan, que teve a colaboração do Reino Unido e do Canadá, logrou atingir o objectivo pretendido. Em Julho de 1945, num local próximo da povoação de Alamo Gordo, no Novo México teve lugar a primeira explosão nuclear provocada pelo homem à superfície da Terra. A explosão, ainda com fins experimentais, recebeu o nome de código Trinity e foi o culminar do ultra-secreto Projecto Manhattan.
Em 1946, deu-se o bombardeamento atómico de Hiroshima e Nagasaki. Esta cadeia de acontecimentos teve um sério impacto psicológico sobre numerosos cientistas que haviam participado no referido projecto e que só então puderam avaliar a dimensão e natureza dos efeitos da libertação quase instantânea da enorme energia libertada pela reacção nuclear que dá origem à explosão. Mais do que o propalado objectivo de levar o Japão à rendição, terá pesado na decisão de lançar as bombas a importância de avaliar num ensaio real os efeitos das explosões, em qualidade e quantidade ― bomba de urânio, em Hiroshima, bomba de plutónio, em Nagasaki.
No seio da comunidade científica, as reacções foram imediatas. Cerca de um ano antes, um grupo de cientistas envolvidos no projecto Manhattan alertara já contra os perigos da utilização da energia nuclear para fins militares e, cientes da importância de levar esse alerta tão longe quanto possível, criara uma publicação que veio a chamar-se “Boletim dos Cientistas Atómicos”. O Boletim mantem-se desde então fiel à sua vocação inicial de alerta contra as aplicações perversas da ciência e da tecnologia, em cujo centro está a ameaça nuclear.
Hoje é uma revista digital de periodicidade quinzenal, que pode ser lida na net sem restrições [11]. Sobre este Boletim interessa dizer que, na sua origem, estiveram figuras excepcionais como os físicos Robert Oppenheimer e Enrico Fermi, aos quais se associaram outros eminentes intelectuais, entre eles, Albert Einstein e Bertrand Russel um dos mais importante filósofos e humanistas do século passado, também prémio Nobel.
Os fundadores do Boletim dos Cientistas Atómicos tinham em comum uma preocupação dominante: a de alertar a opinião pública para os perigos de uma nova tecnologia que levara à incineração instantânea de dezenas de milhar de seres humanos em Hiroshima e Nagasaki. A tecnologia a que Einstein se referiu como “tudo tendo mudado menos a nossa maneira de pensar, encaminhando-nos para uma catástrofe sem paralelo”.
Entendiam eles que a bomba atómica seria “apenas o primeiro de muitos perigosos prodígios encerrados na Caixa de Pandora da ciência moderna.”[12] E tinham razão. Hoje a humanidade enfrenta outras ameaças então desconhecidas ou a que não se dava valor, como a dos gases de efeito de estufa, ataques cibernéticos que visam sistemas informáticos de comunicação e controlo ou os usos indevidos da engenharia genética e da inteligência artificial.
Em 1947, o Boletim cria a imagem icónica de um relógio simbólico ― o “Relógio do Juízo Final”, “Doomsday Clock” em inglês ― que passou desde então a figurar na página de capa do Boletim. A distância para a “meia-noite” do Relógio indicaria a distância que separa a humanidade do momento em que uma catástrofe global levaria ao fim da vida sobre a Terra.
Desde o início e até 2007, a Comissão científica responsável pelo acerto dos ponteiros do Relógio do Juízo Final fazia incidir a sua análise dos equilíbrios mundiais unicamente sobre a situação dos sistemas de armamento nuclear, a sua evolução em número e qualidade, e sobre os entendimentos ou as discordâncias entre grandes potências sobre mecanismos de controlo que mantivessem à distância o perigo de um conflito nuclear generalizado.
A partir desse ano outros aspectos adquiriram suficiente relevância para passarem a ser tidos em conta nas análises da Comissão mas também de outros círculos especializados da comunidade científica e organizações não-governamentais preocupadas com o que o futuro pode reservar à Humanidade. De uma parte tornou-se evidente que o planeta experimenta fenómenos climáticos de frequência e intensidade anormais com perda de vidas humanas e prejuízos materiais avultados que são imputados a actividades humanas. Por outra parte, o desenvolvimento muito rápido de certas tecnologias inovadoras, ditas “disruptivas”, proporciona o surgimento de novas formas de “fazer a guerra”, controlar comportamentos humanos e alterar equilíbrios de força entre nações, com sérias consequências para a Paz.
Vejamos no gráfico seguinte como foi sendo alterada, ao longo dos anos que nos separam do fim da segunda guerra mundial, a posição dos ponteiros do “Relógio do Juízo Final”. Interessa-nos chamar a atenção para a relação que existe entre a “hora do Relógio” e certos acontecimentos que entretanto foram ocorrendo.
Assim:
Em termos gerais
1960 Tem-se a percepção da necessidade da cooperação científica este-oeste no domínio dos armamentos nucleares e do acentuar da compreensão pública dos perigos das armas nucleares.
1962 Os Estados Unidos e a União Soviética assinam o Tratado de Interdição Parcial de Ensaios Nucleares, que proibia os testes nucleares submarinos, na atmosfera e no espaço exterior. Entretanto tinham já sido detonados na atmosfera 528 explosivos nucleares, alguns de potência mais de mil vezes superior à da bomba que destruiu a cidade japonesa de Hiroshima em 1945 [13]
1969 O Senado dos EUA ratifica o Tratado de Não Proliferação de Armas Nucleares.
1972 Os Estados Unidos e a União Soviética assinam o Acordo de Limitação de Armamentos Estratégicos (SALT I) e o Tratado Antimísseis Balísticos (ABM).
1974-84 Uma década marcada por uma aceleração da corrida aos armamentos nucleares e a quase total ausência de diálogo entre as duas partes, então consideradas, superpotências. A situação só vai alterar-se em fins da década de 80.
1988 Os EUA e a União Soviética assinam um tratado para eliminar as forças nucleares de alcance intermédio (INF).
1990 Cai o “Muro de Berlim”. A “Guerra Fria” parece próxima do fim.
1991 Os Estados Unidos e a União Soviética assinam o Tratado de Redução de Armamentos Estratégicos (START). O relógio está à maior distância da meia-noite, até hoje atingida.
1995-98 Surgem duas novas potências nucleares ― Índia e Paquistão ― e não se verifica qualquer redução significativa no número global de armas nucleares mau grado a assinatura do Tratado START.
2002 Os EUA retiram-se do Tratado Antimísseis Balísticos de 1972 (Presidente George W. Bush)
2010 Cooperação mundial para reduzir arsenais nucleares e compromissos para limitar as emissões de gases que comprometem a estabilidade climática. O acordo “New START” é ratificado pela URSS e pelos EUA e projectam-se negociações para maiores reduções dos arsenais nucleares Norte-americano e da Federação Russa que sucedera à URSS. Em 2009, na Conferência das Nações Unidas sobre o clima, países industrializados e em desenvolvimento concordam em responsabilizar-se pelas emissões de carbono e pela limitação até ao fim do século do aumento da temperatura global a 2º Celsius.
2017 Comentários do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, sobre as armas nucleares, a ameaça de uma renovada corrida armamentista entre os EUA e a Rússia e a descrença no consenso científico sobre a mudança climática assumido pela Administração Trump. Desde 1953 (explosões termonucleares), os ponteiros do relógio nunca tinham estado tão perto da meia-noite.
2020 Os EUA retiram-se do Tratado sobre as Forças Nucleares de Alcance Intermédio (INF) assinado vinte anos antes pelos presidentes Reagan e Gorbatchev. Os EUA retiram-se do Acordo de Paris em desacordo com os objectivos traçados para o combate às alterações climáticas. Os ponteiros do Relógio passam a indicar 100 segundos para a meia-noite o valor mais próximo que alguma vez tinham indicado que fora de 2 minutos, em 1953, no auge da chamada “guerra fria”.
Em 2021 e já em 2022 a Comissão de cientistas responsável pelo acerto dos ponteiros do Relógio do Juízo Final, considera que, a par de alguns sinais de esperança como o regresso dos EUA ao Acordo de Paris de mitigação dos efeitos das alterações climáticas e a extensão por 5 anos do Tratado Novo START[14], se verifica uma evolução preocupante em vários domínios. Assim, desenvolvem-se novos armamentos tecnologicamente avançados como as armas hipersónicas, ensaiam-se novas formas de guerrear utilizando instrumentos cibernéticos e aplicações perigosas da Inteligência Artificial, designadamente no aperfeiçoamento de armas autónomas letais (sistemas robóticos e drones). Surgem sérias instabilidades socio-políticas nos EUA, em outros países do chamado Ocidente, em África e no Médio-Oriente, onde se perpetuam conflitos regionais com consequências trágicas; a utilização suspeita ou criminosa dos meios de comunicação social e das redes sociais, com a difusão de notícias falsas e de teorias da conspiração; instabilidade social fruto de crescente desigualdade entre nações e no seu interior, agravadas pela situação sanitária excepcional que se vive devida à epidemia provocada pelo vírus SARS Cov 2; incapacidade manifesta para assentar medidas eficazes de combate às alterações climáticas.
Pelo terceiro ano consecutivo, os ponteiros do Relógio mantêm-se a 100 s da meia-noite.
Neste quadro, entretanto, a extensão (até 2026) da validade do Tratado START sobre a redução e futura limitação do número de armas nucleares estratégicas merece uma referência especial já que é a esse acordo, assinado em 2011, em Praga, por Barak Obama e Dmitry Medvedev, que se deve a muito considerável diminuição da dimensão dos arsenais nucleares das duas potências signatárias, no que respeita àquelas armas.
A questão é particularmente importante porque as armas nucleares ditas estratégicas têm um alcance intercontinental, isto é, são indicadas para serem usadas sobre território inimigo distante e não no campo de batalha. Os sistemas de lançamento de uma bomba nuclear estratégica são de três tipos: bombardeiros pesados; mísseis lançados a partir de submarinos em imersão; e os chamados mísseis intercontinentais normalmente abrigados em silos subterrâneos ultra protegidos. As forças armadas das principais potências nucleares dispõem dos três sistemas, Daí falar-se, na gíria, na “tríade nuclear”.
O Tratado em vigor, a que fizemos referência atrás, impõe limites ao número de sistemas de armamentos nucleares estratégicos, incluindo sistemas de lançamento, mas não põe limitações ao desenvolvimento de novas armas tecnologicamente mais avançadas, estratégicas ou não estratégicas, o que naturalmente favorece a agudização de uma corrida armamentista que, finalmente, nunca se esgotara.
As despesas militares
O montante de recursos financeiros, humanos e materiais investidos nas guerras e nas infra-estruturas que as suportam desafiam a imaginação. São superiores ao que é investido na investigação científica, pura ou aplicada, para fins civis, na saúde ou na educação.
As despesas militares globais do conjunto dos países do planeta atinge hoje cerca de 2 milhões de milhões de dólares americanos, montante astronómico que se aproxima de 2% do produto interno bruto mundial. Um valor superior ao que é investido na investigação científica para fins civis, pura e aplicada, mas também na saúde ou na educação. E a tendência que se vem verificando é de aumento.
A imagem seguinte retirada de uma publicação norte-americana ilustra po que se disse acima, naturalmente, no que toca aos EUA.
Neste contexto importa sublinhar que as despesas militares dos EUA se aproximam de metade daquele valor global de cerca de 2 milhões de milhões de dólares. É superior à dos gastos combinados dos dez países que se seguem por ordem decrescente dos respectivos gastos militares. Em 2020 era superior a duas vezes as despesas militares da República Popular da China ― 260 mil milhões e, espantosamente, mais de dez vezes superior ao orçamento militar da Federação Russa ― 65,1 mil milhões[15].
No corrente ano fiscal o orçamento do “Departamento de Defesa” aprovado pelo Congresso dos EUA é de 753 mil milhões de dólares[16], valor este que não inclui todas as despesas militares previstas que no total atingirão em 2022 US$933 mil milhões[17].
Alguns teriam esperado que a Administração Biden reorientasse alguma dessa despesa para atender a outras necessidades do país. Nâo é o caso. A Comissão do Orçamento do Senado prevê que o governo despenderá na presente década mais de 600 milhares de milhões de dólares em novas armas nucleares.
Proximamente será publicado o documento que estabelece as linhas orientadoras da política nuclear militar dos EUA, “Nuclear Posture Review” em inglês. Na opinião de observadores credenciados e confiáveis tudo indica que será mantida, no essencial, a política do seu antecessor Donald Trump[18].
Joe Cirincione, escreveu no “Boletim dos Cientistas Atómicos, em Janeiro passado,que essa posição se compreende, pois, cito, “Biden está ocupado com algumas das crises mais graves que a América já enfrentou. Conflitos globais aproximam-se, a unidade aliada está desgastada, o seu apoio político interno é ténue e está sob constante ataque de uma oposição republicana frenética. Qualquer coisa que o faça parecer fraco ou arrisque a deserção de um político democrata compromete toda a sua agenda”. E nota que, dessa forma, evitará confrontos importantes com os cinco grandes fabricantes de armas e os seus apoios no Congresso americano.
Vem a propósito lembrar as palavras que Dwight Eisenhower dirigiu ao povo americano em 1961, no seu discurso de despedida de fim de mandato.
Como se recordarão, Eisenhower foi comandante supremo das forças aliadas ocidentais na Europa, durante a Segunda Guerra Mundial, e depois presidente dos EUA entre 1953 e 1961. Lembrando a nova realidade, e cito, da “existência de um imenso complexo militar e de uma poderosa indústria de armamentos”, na América, e referindo que os Estados Unidos “despendiam com a segurança militar mais do que os resultados líquidos de todas as corporações dos EUA”, sublinhou a necessidade de “entender (volto a citar) as graves implicações” dessa realidade na própria estrutura da sociedade norte-americana, e fez notar que os círculos governantes (cito) “têm que se precaver contra o crescimento de uma influência injustificada, deliberada ou não, do complexo militar-industrial. Os riscos de um potencial crescimento desastroso são reais e persistirão”. E acrescenta:
“Nunca devemos deixar que o peso dessa influência coloque em risco as nossas liberdades ou processos democráticos. Não devemos tomar nada como garantido, apenas um cidadão alerta e conhecedor pode obrigar a uma adequada convivência da enorme maquinaria industrial e militar de defesa com os nossos métodos e objectivos pacíficos, para que segurança e liberdade possam prosperar juntas.” [19]
Foi um alerta premonitório: os riscos que denunciava permanecem e vieram a agravar-se continuamente. O complexo militar-industrial — designação criada por Eisenhower — é nos Estados Unidos um dos maiores financiadores da pesquisa científica e do desenvolvimento tecnológico que efectivamente condiciona no sentido que serve os seus interesses.
Ainda no domínio dos armamentos nucleares, o já citado Joe Cirincione, refere que Biden irá manter as armas mais perigosas do arsenal norte-americano, os mísseis terrestres preparados para ser lançados escassos minutos após um alerta de ataque – mesmo antes que um presidente possa ter certeza de que o alerta não é um erro de computador ou resultado de um ataque cibernético. Mais grave, ainda, é a decisão, “tomada pela primeira vez por um presidente democrata”, segundo o autor do artigo, de endossar o plano do Pentágono – que Trump aprovou à pressa nos últimos meses do seu mandato –, de construir um novo míssil balístico intercontinental que irá custar mais de 264 mil milhões de dólares. Tudo somado, os planos nucleares do Pentágono custarão aos contribuintes não menos 2 milhões de milhões de dólares nos próximos 25 anos.
Os perigos para a humanidade gerados pela crise do sistema capitalista
Vive-se hoje na Europa e no mundo um momento particularmente perigoso em que se antevê como possível um confronto militar entre as duas maiores potências nucleares mundiais. Entretanto, os comportamentos passados e presentes de ambas diferem em aspectos fundamentais.
Em 1823 o então Presidente dos EUA, James Monroe, discursando no Congresso, avisou as potências europeias para os riscos de quaisquer novas tentativas de colonização no hemisfério ocidental ou de qualquer outra forma de interferência nesse espaço. Se isso acontecesse, preveniu, seria considerado pelos Estados Unidos como um acto potencialmente hostil. Este princípio político veio a ser designado por Doutrina Monroe e manteve-se como pedra angular da política externa norte-americana durante gerações. (daí o chamado “páteo das traseiras”).
Após a dissolução da URSS, em 1991, e do Pacto de Varsóvia, este criado em 1955, com seis anos de atraso sobre a OTAN. A OTAN ou NATO como se se lhe refere vulgarmente, manteve-se e alargou o seu âmbito geográfico. Hoje o Atlântico Norte chega ao Pacífico msmo sem alterações climáticas. A Europa, designadamente, incorporou-se no referido “páteo das traseiras” que já dá a volta à casa. A NATO provou ao longo dos anos ser um pacto militar ofensivo.
Em 1992, um ano após o fim da URSS, o influente político norte-americano Paul Wolfowitz[20] definiu a doutrina neo-conservadora Americana de supremacia mundial, nos seguintes termos: “O nosso primeiro objetivo é impedir o ressurgimento de um novo rival, seja no território da ex-União Soviética ou em qualquer outro lugar, que represente uma ameaça da ordem da antiga União Soviética. Esta é uma consideração dominante subjacente à nova estratégia de defesa regional e exige que nos esforcemos por impedir que qualquer poder hostil domine uma região cujos recursos, sob controle consolidado, seriam suficientes para gerar um poder global”[21]. Paul Craig Roberts, reputado economista que no passado foi Secretário de Estado para a Política Económica na Administração Reagan, oferece ao leitor o seguinte esclarecimento: “ Para clarificar: um “poder hostil” é um país com uma política independente” e dá exemplos: Rússia, China, Irão, (o Iraque de) Saddam Hussein, (a Líbia de) Mohamar Gadaffi, (a Síria de) de Assad”.
No artigo citado, cuja leitura se recomenda, o autor defende a tese de que os “neoconservadores” são responsáveis pelos ataques do regime Clinton à Jugoslávia e à Sérvia. Os neoconservadores, especialmente Paul Wolfowitz, são responsáveis pela invasão do Iraque pelo regime de George W. Bush. Os neoconservadores são responsáveis pela derrube e assassinato de Gaddafi na Líbia, o assalto à Síria, a propaganda contra o Irão, os ataques de drones no Paquistão e no Iemen, as revoluções coloridas nas ex-repúblicas soviéticas, a tentativa de “Revolução Verde” no Irão, o golpe na Ucrânia e a demonização de Vladimir Putin” ― fim de citação. Nada disto será demasiado estranho para aqueles de entre nós que para formar uma opinião procuram para lá dos meios de comunicação social de massas controlados pelo grande poder finaceiro, outras fontes de informação nem sempre fáceis de encontrar.
Um dos acontecimentos que mais marcaram as nossas e as vidas de milhões de pessoas foi o episódio das chamadas “torres gémeas” em Nova Iorque.
“Vários americanos de espírito inquisitivo ― escreve Paul Roberts ― suspeitam que os neoconservadores sejam responsáveis pelo 11 de setembro, pois esse evento deu aos neoconservadores o “Novo Pearl Harbor” que (…) disseram ser necessário para lançar as suas guerras pela hegemonia no Médio Oriente”. O 11 de Setembro levou directamente de imediato à invasão do Afeganistão. Iniciada em 7 de Outubro de 2001,sem o aval das Nações Unidas, arrastou-se ao longo de 20 anos. Os neoconservadores controlavam todas as posições governamentais importantes necessárias para um ataque de “bandeira falsa”.
Voltando a citar Paul Craig Roberts: “A secretária de Estado adjunta neoconservadora Victoria Nuland( …) implementou e supervisionou o golpe de Washington na Ucrânia e escolheu o novo governo”― fim de citação.
Os neoconservadores estão altamente organizados e conectados em rede, bem financiados, apoiados pelos grandes meios de comunicação social, imprensa e televisão. Têm o apoio do complexo militar e de segurança dos EUA e do poderoso lobby de Israel. Não há poder que compense a sua influência sobre as decisões de política estrangeira dos EUA.
No decurso dos últimos vinte anos, sucessivas administrações norte-americanas têm contribuído sistematicamente para o agravamento das tensões internacionais em várias regiões do globo. De acordo com diversas fontes, oficiais ou oficiosas, os EUA mantêm fora do seu território cerca de 800 bases ou instalações militares, de importância diversa.
Em conjunto, o Reino Unido, França, Rússia e China, dispunham de uma trintena. Em 2002 os EUA denunciaram unilateralmente o Tratado ABM, sobre mísseis anti-balísticos. Em 2020, agiram de igual modo em relação ao Tratado INF, sobre forças nucleares de alcance intermédio. Tratava-se, em ambos os casos, de tratados bilaterais que vinculavam a Rússia e os EUA.
Em Dezembro do mesmo ano, os EUA retiram-se do “Tratado de Céus Abertos” (“ Open Skies Treaty”), um tratado multilateral, em vigor desde Janeiro de 2002, assinado por 34 países.[22]
Na Europa, os EUA vêm já há alguns anos a proceder metodicamente a um efectivo “cerco” à Federação Russa, montando ao longo e junto às fronteiras europeias da Rússia um dispositivo militar sofisticado. A suspensão do Tratado INF permite agora colocar em posições privilegiadas mísseis de alcance intermédio armados com ogivas nucleares. Na vizinhança da China, designadamente no Mar da China, surgem novas bases militares aéreas e navais. Também o cerco ao Irão se tem vindo a apertar.
A Rússia experimentou nos anos que se seguiram à dissolução da Uniâo Sociética sérias dificuldades nos planos económico e social. Entretanto há razões para crer que as tentativas de sabotagem nos planos político e económico, e militar, ensaiadas pelos EUA, não terão tido na área crucial da defesa os efeitos esperados. A Federação Russa, herdeira do património material e imaterial da extinta URSS no domínio nuclear, encontra-se hoje no plano da defesa nacional, segundo vários observadores, numa situação de vantagem relativamente aos EUA, no que respeita às tecnologias militares. No entender do já citado economista Paul Graig Roberts, sob a presidância de Vladimir Putin, a Rússia não só recuperou em larga medida a capacidade económica e militar que possuíra como as vem superando no contexto de uma política externa independente.
No entender daquele autor,“quando a diplomacia russa bloqueou a planeada invasão da Síria por Washington e o bombardeamento ao Irão planeado por Washington, os neoconservadores perceberam que tinham falhado o “primeiro objectivo” da Doutrina Wolfowitz e permitido “o ressurgimento de um novo rival…no território da antiga União Soviética” com o poder de bloquear a ação unilateral de Washington.
É um engano pensar que as chamadas “democracias ocidentais” são de facto governadas pelos respectivos governos. As nossas vidas são, em maior ou menor grau, reféns de uma oligarquia que controla as políticas sociais e económicas em benefício de interesses próprios, controlo a que dificilmente escapa a própria cultura, em sentido lato ― ciência e arte.[23] Os bancos funcionam como instrumento de controlo dos oligarcas, tal como acontece, nos Estados Unidos, com a Reserva Federal, o Banco de Inglaterra no Reino Unido e o Banco Central Europeu na União Europeia. No Canadá, na Austrália e no Japão, passa-se o mesmo.
“Quando a oligarquia controla o dinheiro, a oligarquia controla o país, assim a “democracia ocidental” é uma presunção. Não há democracia no Ocidente apenas símbolos da democracia manipulados, manipulação que permitiu ao (chamado) “Um por cento” adquirir a parte de leão do rendimento e da riqueza privando a economia do poder de compra do consumidor necessário para manter o pleno emprego.”[24]
O activismo cidadão em defesa da Paz e a contribuição dos trabalhadores científicos
Desde o fim da segunda guerra mundial, na Europa como em muitas outras partes do mundo, trabalhadores científicos ― professores, investigadores e técnicos ― das mais variadas especialidades, têm-se empenhado na defesa da Paz contra a utilização perversa dos frutos da ciência, seja a título individual ou organizadamente, como membros de associações profissionais, sindicais ou outras. A defesa da Paz não conta naturalmente só com eles, mas também e sobretudo com uma grande diversidade de organizações da sociedade civil que congregam cidadãos conscientes da necessidade imperiosa de garantir um futuro de Paz como condição de sobrevivência da vida no planeta, numa época em que, para lá da ameaça nuclear, outras núvens escuras se formam sobre as nossas cabeças. Neste contexto, o papel dos trabalhadores científicos é todavia crucial pela contribuição que podem dar para o esclarecimento da opinião pública sobre a natureza e possíveis consequências da aplicação incorrecta dos avanços da ciência e da técnica.
Foram numerosos, então, e continuam hoje a sê-lo, os trabalhadores científicos a militar na primeira linha dos partidários da Paz.
Em meados do século passado, Albert Einstein, atormentado pelo destino dado à sua contribuição genial para a física, escreveu “o simples elogio da Paz é fácil mas não basta. O que importa é participar activamente na luta contra a guerra e contra tudo o que leva à guerra”. Em 1950 Frédéric Joliot, prémio Nobel da Química, primeiro presidente do Conselho Mundial da Paz, promoveu o Apelo de Estocolmo pela Paz que circulou por vários países do mundo, recolhendo perto de 300 milhões de assinaturas.
Mais perto de nós, como saberão, o movimento designado por “Campanha Internacional para a Abolição das Armas Nucleares”, ICAN, na sigla inglesa, teve o reconhecimento dado pela atribuição do Prémio Nobel da Paz.
Termino com uma saudação de Paz e Amizade e um agradecimento pela atenção que me dispensaram.
Frederico Carvalho
24 de Fevereiro de 2022
N.B No texto acima reproduzido não há qualquer referência ao conflito militar em curso que opõe as Forças Armadas da Federação Russa às Forças Armadas da Ucrânia pois o mesmo teve início no próprio dia em que a palestra foi proferida.
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[1] Observações do Secretário-Geral da ONU na Comemoração do “Dia Internacional para a Eliminação Total das Armas Nucleares”, Setembro 26, 2019
[2] https://fas.org/issues/nuclear-weapons/status-world-nuclear-forces/
[3] https://fas.org/issues/nuclear-weapons/status-world-nuclear-forces/
[4] https://www.sipri.org/yearbook/2021/10#:~:text=At%20the%20start%20of%202021,were%20deployed%20with%20operational%20forces.
[5] “Reducing Alert Rates of Nuclear Weapons” Hans M. Kristensen and Matthew McKinzie, UNIDIR United Nations Institute for Disarmament Research Geneva, Switzerland, New York and Geneva, 2012
(https://www.unidir.org/files/publications/pdfs/reducing-alert-rates-of-nuclear-weapons-400.pdf)
[6] A bomba lançada sobre a cidade de Nagasaki em 9 de Agosto de 1945 continha cerca de 5 kg de plutónio e a energia libertada na explosão foi o equivalente a cera de 20 kt de TNT.
[7] O Tratado entrou em vigor em 22 de Janeiro de 2021, 90 dias após ter sido atingido o número mínimo necessário de 50 assinaturas ou ratificações por Estados membros da ONU. À data de hoje 86 estados assinaram o Tratado dos quais 59 o ratificaram.
[8] https://www.whitehouse.gov/briefing-room/statements-releases/2022/01/03/p5-statement-on-preventing-nuclear-war-and-avoiding-arms-races/
[9] https://millercenter.org/the-presidency/presidential-speeches/january-25-1984-state-union-address
[10] “Five nuclear weapon states vow to prevent nuclear war while modernizing arsenals”, Rebecca Davis Gibbons, The Bulletin of Atomic Scientists, January 17, 2022 (https://thebulletin.org/2022/01/five-nuclear-weapon-states-vow-to-prevent-nuclear-war-while-modernizing-arsenals/)
[11] https://thebulletin.org/
[12] A caixa de Pandora é um objecto simbólico da mitologia grega. Caixa que conteria em si todos os males do mundo ainda que sob a forma enganadora de presentes bem-vindos
[13] A estes vieram somar-se nos anos seguintes e até ao presente cerca de 1500 ensaios subterrâneos.
[14] Tratado bilateral entre os Estados Unidos da América e a Federação Russa sobre “Medidas para prosseguir a Redução e Limitação das Armas Ofensivas Estratégicas” (https://en.wikipedia.org/wiki/New_START)
[15] Dados do SIPRI referidos por Kimberly Amadeo no seu artigo “U.S. Military Budget, Its Components, Challenges, and Growth”, 3 de Fevereiro de 2022 (https://www.thebalance.com/u-s-military-budget-components-challenges-growth-3306320)
[16] “U.S. Military Budget, Its Components, Challenges, and Growth”, Kimberly Amadeo (Updated February 03, 2022
reviewed by Thomas J. Brock), https://www.thebalance.com/u-s-military-budget-components-challenges-growth-3306320)
[17] A autorização do Congresso inclui uma contribuição de 4 mil milhões de dólares para apoio à “Iniciativa Europeia de Dissuasão” na “defesa contra a Rússia” onde se inscrevem para assistência à defesa militar das fronteiras da Ucrânia, 300 milhões, e 150 milhões para o mesmo fim nos estados bálticos. Congress.gov. “S.1605 – National Defense Authorization Act for Fiscal Year 2022).
[18] “Biden’s Trump-lite nuclear policy threatens us al”, Joe Cirincione, Bulletin of the Atomic Scientists, January 26, 2022 (https://thebulletin.org/2022/01/bidens-trump-lite-nuclear-policy-threatens-us-all/)
[19] “Transcript of President Dwight D. Eisenhower’s Farewell Address (1961)”
(https://www.ourdocuments.gov/doc.php?flash=false&doc=90&page=transcript)
[20] Paul Dundes Wolfowitz (nascido em 22 de dezembro de 1943) é um cientista político e diplomata americano que serviu como 10º presidente do Banco Mundial, vice-secretário de Defesa dos EUA, embaixador dos EUA na Indonésia e ex-reitor da Johns Hopkins SAIS. Actualmente é investigador convidado no American Enterprise Institute.
[21] Citado por Paul Craig Roberts, economist e politico norte-americano, no seu artigo “The Neoconservative Threat To World Order” (https://www.paulcraigroberts.org/2015/02/26/neoconservative-threat-world-order-paul-craig-roberts/)
[22] O “Tratado de Céus Abertos” estabelecia um regime de voos de observação aérea desarmada sobre todo o território dos países signatários, contribuindo assim para a compreensão e a confiança mútuas, pois permitia a todos os participantes coligir directamente informações sobre forças militares e actividades conexas. Representou um dos esforços internacionais mais abrangentes até hoje para promover a abertura e a transparência na avaliação de forças e actividades militares.
[23]Na ciência política, oligarquia (“oligarkhía” do grego ολιγαρχία, literalmente, “governo de poucos”) é a forma de governo em que o poder político está concentrado num pequeno número pertencente a uma mesma família, um mesmo partido político ou grupo económico ou corporação.
A oligarquia é caracterizada por um pequeno grupo de interesses ou lobby que controla as políticas sociais e económicas em benefício de interesses próprios. O termo é também aplicado a grupos sociais que monopolizam o mercado económico, político e cultural de um país, mesmo sendo a democracia o sistema político vigente. (https://pt.wikipedia.org/wiki/Oligarquia)
[24] “Capitalism Has Devolved Into Looting”, Paul Craig Roberts, Institute for Political Economy, June 29, 2015 (https://www.paulcraigroberts.org/2015/06/29/capitalism-devolved-looting/)