O Paradoxo de Fermi

 

O paradoxo de FERMI
Rui Namorado Rosa*

Tem sido notícia assídua, nos últimos anos, a descoberta de planetas extra-solares, isto é, que revolvem em torno de outras estre­las da Via Láctea.

Esta novidade, para além de enriquecer a pesquisa e o conhecimento que acumula­mos sobre a origem e a evolução do nosso próprio sistema solar, faz-nos evocar o chamado “paradoxo de Fermi”, que em 1950, de modo informal e na base de con­jecturas probabilísticas, apontou a incon­gruência de, existindo um tão elevado número de estrelas na nossa galáxia, e por tão dilatado tempo, com prováveis plane­tas em seu redor, presumindo-se que a Terra não seja um planeta atípico, a vida extraterrestre deveria ser frequente na nossa galáxia, incluindo uma multidão de civilizações extraterrestres. Todavia não encontramos quaisquer sinais de tais civi­lizações. O tema foi retomado depois por Michael Hart (1975), Frank Drake (1960), Glen Brin (1983) e vários outros autores. Embora cada vez mais documentado o mistério, ou melhor o paradoxo, ele adensa-se.

Desde 1989, foram já localizadas algumas centenas de planetas extra-solares (“exo­planets“). Porém, os métodos de observa­ção até agora utilizados não permitiram localizar planetas semelhantes e em vizi­nhanças estelares semelhantes à Terra. Só agora essa possibilidade começa a ser aces­sível à observação (por exemplo, a missão Kepler lançada este ano).

Todavia não seria necessário observar directamente um planeta habitável para concluir da eventual presença de vida inte­ligente nele. Há mais de trinta anos que se pesquisa de forma sistemática a existência no espaço exterior de fontes rádio identifi­cáveis como artificiais, mas sem sucesso. A astronomia observacional também tem estado atenta, à identificação do trânsito de sondas ou da presença de outros artefactos indiciadores da presença ou da passagem (e eventual colonização) de inteligência extraterrestre no universo observável, tam­bém sem sucesso. Inclusivamente na nossa Terra têm sido procurados indícios, mas não se identificaram sinais plausíveis da passagem de alguma civilização extrater­restre em épocas passadas.

No plano teórico em que a questão surgiu, as conjecturas são diversas.

Segundo uns, a nossa civilização é única, em resultado de extremamente baixas probabilidades de ocorrerem as condições exigidas para a formação de planetas terrestres e a emergência de vida e de inteligência.

Vários autores têm proposto conjecturas, desde as plausíveis embora não demonstradas, a outras, aparentemente extravagantes, próximas da ficção científica. Formas de vida por demais estranhas ou formas civilizacionais por demais diferentes das nossas para que sejam reconhecidas como tais;; códigos de comunicação não identificáveis por razões técnicas ou conceptuais; etc.

Segundo outros, ainda que a probabilidade de ocorrência não seja desprezável, uma vez atingida uma etapa tecnológica avançada, as civilizações tenderiam para o retrocesso ou mesmo a autodestruição, num lapso de tempo possivelmente curto à escala cósmica. A brevidade do período de actividade como civilizações avançadas seria a razão que tornaria improvável a coexistência e o contacto de várias tais civilizações dentro do horizonte observável.

O paradoxo também nos induz a reflectir sobre a presente condição da nossa civili­zação em crise. Estudos como «Limits to Growth, The 30-Year Update» (2004), «Millenium Ecosystem Assessment» (2005), e vários outros, evidenciam as sérias vulne­rabilidades de que padece a comunidade humana, não mais do que cerca de um século desde a invenção das telecomunica­ções rádio e da aeronáutica e cerca de meio século apenas desde o início da exploração do espaço exterior.

São apertados os limites de recursos naturais disponíveis mas aparentemente indispensáveis para a sustentação de uma civilização demograficamente expansiva e tecnologicamente intensiva. Será que deveremos tirar algum aviso do paradoxo de Fermi?

 

Rui Namorado Rosa

 

NOTA OTC

A “missão Kepler” consistiu no lançamento de um observatório espacial projectado pela Agência Espacial norte americana (NASA) com o objectivo de detectar a existência de planetas fora do sistema solar com características favoráveis à existência de vida. A sonda Kepler foi lançada em Dezembro de 2009 e permaneceu activa durante 9 anos. Em 15 de Novembro de 2018 foi desactivada por comando à distância  devido a ter-se esgotado o combustível utilizado. O principal instrumento transportado pela sonda Kepler, por vezes designada por “Telescópio Espacial”, era um fotómetro com cerca de 1 m de diâmetro. Ao longo da sua vida útil a sonda Kepler foi responsável pela descoberta de 2 720 exoplanetas. A sua viagem pelo espaço, continua hoje, mantendo-se numa órbita dita de “perseguição” à órbita solar da Terra. A sonda espacial recebeu o nome “Kepler” em homenagem ao grande matemático e astrónomo alemão Johannes Kepler (1571-1630) a quem se deve a descoberta de que a Terra e os planetas do sistema solar descrevem órbitas elípticas em torno da estrela. A data escolhida para a desactivação do telescópio espacial baptizado com o seu  nome foi, simbolicamente, a do 388o aniversário da morte de Johannes Kepler.

Agradecimento: O presente artigo foi publicado originalmente  em “A Página da Educação”, Série II, nº187, Edição de Inverno de 2009 A OTC agradece ao Autor e à “Página da Educação” a autorização para a sua republicação neste site.

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* Rui Namorado Rosa, doutorado em Física pela Universidade de Oxford,  professor da Universidade de Évora jubilado, com o título de professor emérito, é sócio fundador da Organização dos Trabalhadores Científicos, exercendo desde 2013 as funções de Presidente da Mesa da Assembleia Geral da associação.